ESQUECIDOS

Pais que vivem em asilos sentem a ausência dos filhos

Carentes de afeto e atenção de familiares, idosos que vivem em asilos se ressentem da falta do convívio com parentes

Amar, cuidar, proteger, respeitar. Princípios básicos que deveriam partir de todo e qualquer ser humano. Assim como na fase inicial da vida, que o bebê requer todo tipo de atenção dos pais, em outra fase da vida, os papéis se invertem. Os pais é que precisam do cuidado dos filhos, pois com a idade mais avançada o idoso requer atenção especial dobrada. Seria bom se essa inversão fosse senso comum, mas infelizmente não é. Uma realidade, no caso dos idosos, dura de aceitar. Relegados a asilos e casas de repousos, muitos deles são vítimas do abandono de familiares. E a data que se aproxima, o Dia dos Pais, traz para alguns os sentimentos de tristeza, mágoa e ressentimento.
Conversei com três pais idosos que vivem no Lar do Idoso Solar do Outono, na Cohab, e as histórias deles, embora com trajetórias diferentes, até agora têm o mesma situação: o abandono.
Raimundo Lima

Conversando com seu Raimundo Lima, 72 anos, percebi um misto de raiva, tristeza, amargura, decepção. Em alguns momentos, ele fala como se estivesse desabafando. Ao contrário do que imaginei, que eles poderiam não querer falar dos familiares, senti como se seu Raimundo fizesse questão de contar o porquê de estar ali. Por minutos deixa escapar uma expressão emotiva no olhar, que logo se confunde com a rudeza no falar. Seu Raimundo Lima se diz magoado com tudo que aconteceu com ele, mas confessa que está melhor agora. “Tenho cama, comida, me tratam bem”, resume.

Seu Raimundo ficou viúvo há oito anos. Natural de Miguel Alves, no Piauí, se criou em Pio XII, mas morava em Zé Doca e trabalhava como vendedor de roupas. Depois que a mulher Maria faleceu, foi morar com o filho, o neto e a nora em Santa Luzia do Paruá. Mas lá os desentendimentos começaram. Ele e a nora não se davam bem e o filho tomou partido da esposa. “Resultado: ela disse que não dava mais certo eu morar com eles. Aí eu saí de lá, fui pra rua e vivia de favor aos cuidados da Prefeitura, comendo o que os outros me davam, até que me trouxeram para cá. Nunca mais eles me viram, também não quis saber deles. Ele não confiou em mim, acreditou nela, que traía ele. Ficou com minha casa, minha moto, mas tudo bem, aqui estou bem”, conta com aspereza na voz.
Ele ainda tem outros três filhos que moram em São Paulo, Belém e Zé Doca, e cerca de 11 netos (não sabe precisar direito), mas diz que não tem contato com nenhum deles faz muito tempo. Há dois anos está no Solar do Outono. “Os meus filhos nunca vêm me ver. E eu também não sei deles”, diz emocionado.
“Eu mesmo vim para o asilo”
José Gomes dos Santos

Seu José Gomes dos Santos, 66 anos, tem dificuldade para falar, mas sabe contar sua história, embora pareça ter suprimido boa parte dela, de propósito ou não. Era mecânico tem três filhos, dois homens e uma mulher, faz questão de frisar, e é natural da Bahia. Há nove anos está no asilo e há 16, segundo ele, ficou viúvo. Ele diz que antes de vir para São Luís morava em São Paulo. Dos filhos, não tem notícia. “Eu mesmo que quis vir. Aqui sou bem tratado, mas sinto muitas saudades dos meus filhos. Tem muito tempo que eles não vem. Não sei o que está acontecendo”, resume com tristeza”. Há dois anos ele não tem a visita de ninguém da família. “É muito triste você não ter a família. Mas foi eu que quis vir”, reforça, embora não queira dizer o porquê.

Da noite para o dia
Cláudio Maciel

Seu Cláudio Maciel, 68 anos, é pai de cinco filhos. Está há um ano sem ver a família. Sem contato, sem notícia. Ele conta que a sua vida mudou da noite para o dia. Em um momento trabalhava ativamente como sapateiro, em outro se viu só. “Eu morava em São Paulo e vim para São Luís porque a minha sogra queria me conhecer. Só que recebi uma carta do meu trabalho e tive que voltar para São Paulo. Quando retornei pra São Luís, lá pra Maiobinha, não encontrei mais ninguém. Me perdi deles. Foi aí que um moto taxista quis me ajudar e me trouxe pra cá. Ele é a única visita que tenho de vez e quando”, conta.

Entre um depoimento e outro se emociona, diz que sua vida mudou completamente. Tinha a família e agora estava só. Não tem contato de ninguém, não sabe onde procurar. “Por causa de uma carta, agora estou sem ver minha família. Eu sou triste com isso. Eles não sabem que eu estou aqui e eu não tenho como procurá-los”, lamenta.
Comemoração discreta
Segundo a diretora do asilo Valéria Porto Lima, todas as datas comemorativas são festejadas, porém, dias como das mães e dos pais são feitos de forma discreta porque infelizmente nem todos que são pais e mães recebem visitas dos filhos. Então, haverá uma programação festiva com bingo, música e um almoço.
Atualmente a Casa abriga 33 idosos, 17 homens e 16 mulheres. Desses, 7 são pais e apenas dois tem visitas regulares dos familiares. São 5 vidas que, quando chegou a idade, caíram no esquecimento. “Infelizmente tem pais que não tem mais contato com os filhos, mas os que tem são levados para passear, passam o final de semana na casa dos parentes… e nós fazemos uma comemoração discreta porque a gente entende a situação da maioria dos pais que vivem aqui”, pontua Valéria.
No domingo, idosos de todos os abrigos devem receber visitas. Claro que emociona o carinho que vem de graça, de desconhecidos. É importante demais esse gesto de solidariedade. Mas não substitui a presença que eles esperam e que daria a tudo um novo sentido.
O Solar do Outono é mantido pelo governo do Estado, mas recebe doações da comunidade. Conta hoje com 40 profissionais cedidos pela Secretaria de Saúde do Estado. Lá trabalha uma equipe médica multidisciplinar. O asilo está localizado na rua Dr. Juvêncio Matos, s/n, Cohab/Anil (São Luís).
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