Entrevista

‘Sou inconformado com o suicídio’, diz Ruy Palhano

Em entrevista exclusiva, o neuropsiquiatra Ruy Palhano fala sobre os mitos e preconceitos com o tratamento da depressão

Até 2030, a depressão será a doença que prevalente do mundo, atingindo entre dez e 12 milhões de pessoas, além de ser uma patologia que cresce entre os adolescentes e adultos jovens. A afirmação é do neuropsiquiatra Ruy Palhano, criador do instituto que leva seu nome, coordenador das ações de enfrentamento à depressão durante o “Setembro Amarelo” e atuante na área há mais de 40 anos. Palhano recebeu a equipe de O Imparcial em sua clínica nova, no Renascença. A primeira sede do Instituto Ruy Palhano funciona ainda na Estrada da Raposa. A depressão, ele enumera, “é uma das dez doenças mais invalidantes do mundo”. “Cinco dessas são doenças mentais, e entre essas, a depressão é a primeira”. Ocupado com os pacientes, entre uma checagem e outra, ele falou sobre o preconceito com pacientes, a crescente presença da depressão entre os millennials, ou geração Y, e sobre a importância da desmistificação e busca por tratamento ainda nos primeiros sintomas de depressão.
O Imparcial – Fale um pouco sobre o que é a depressão e em que grupos de pessoas ela é mais comum.
Ruy Palhano – Pessoas que passam por depressão classificam a doença como uma das piores dores que um ser humano pode sentir. A depressão é um transtorno que cursa de forma a invalidar. Sem um diagnóstico precoce e um tratamento adequado, esses pacientes portadores de depressão fatalmente se tornarão crônicos, em pouco tempo. Do ponto de vista epidemiológico, é uma doença preocupante, e também do ponto de vista médico. Ela ocorre predominantemente em pessoas acima de 40 anos. Predominantemente, veja bem, não significa dizer que crianças e adolescentes não possam desenvolver.
Quais os primeiros sintomas?
Primeiro uma sensação de desânimo, desinteresse, que são os primórdios da depressão. Essa situação vai se prolongando, tomando conta do sujeito, causando alterações no sono, peso, apetite, capacidade produtiva, cognitiva. É uma espécie de bloqueio do sentimentos. O sujeito vai perdendo sua ligação afetiva com as coisas e com as pessoas. É um dos mais graves problemas que se conhece.
Existem tipos de depressão? Fale um pouco sobre elas.
Sim, temos três tipos principais. Nós temos a depressão que chamada de “monopolar”, em que a única queixa do paciente é com relação a depressão em si, independente de outras doenças, de qualquer outra questão. Há a depressão “bipolar”, onde a depressão é um braço de uma outra doença, chamada de transtorno bipolar, onde o outro braço é a euforia. Finalmente temos a depressão sintoma ela é um sintoma de outras doenças. Pessoas com Aids, diabetes, hipotireoidismo, uma anemia, uma gripe, ou outras, podem começar a manifestar a depressão como um sintoma.
Qual o impacto da depressão na vida de quem possui?
O impacto passa por todos os sentidos. Algumas pessoas com depressão caracterizam a doença como um dos maiores sofrimentos humanos. Só quem já passou por uma crise depressiva pode avaliar a dimensão de uma coisa assim. As pessoas perdem o sentido, perdem o motivo de viver, perdem o élan vital e deixam de se sentir inseridas no mundo. Todas as coisas, para o depressivo, perdem a cor e a importância, o sabor é perdido.
Depressão e tristeza são a mesma coisa, com níveis diferentes, ou não?
A depressão, é preciso esclarecer, é uma doença neurológica. Já a tristeza é uma reação, embora profunda, é a reposta a um evento ruim. Não se deve interferir na tristeza. Por exemplo, alguém que vivencia uma perda grave, uma privação, o diagnóstico de uma doença severa, problemas financeiros. É uma endorreação. Senão, todo mundo teria depressão. Até três a cinco meses espera-se que a tristeza passe. Acima desse tempo há algo errado. A principal diferença é que a tristeza de superficializa, já a depressão se aprofunda.
Sabe-se que há um preconceito e muitos mitos em torno da depressão, ainda hoje. Como o senhor avalia isso?
Há uma resistência em se procurar o psiquiatra, mas quanto mais cedo isso for feito, maiores as chances de sucesso do tratamento. O preconceito impede que as pessoas procurem precocemente o médico, quando em 90% dos casos a resposta ao tratamento é positiva. Quanto mais tarde se busca tratamento mais difícil fica, a doença se torna crônica ou refratária, e aí é mais difícil tratar. Não tem mistério. Vim de uma época em que não se tinha recursos e ainda assim tratávamos os pacientes. Hoje o prognóstico é absolutamente favorável.
Falando em tratamento, o que está disponível hoje para alguém com depressão?
Temos quatro grandes medidas. A primeira é, a partir de um diagnóstico médico, o uso de medicamentos antidepressores, ou antidepressivos. Vai usar medicamento que chamamos de estabilizadores do humor, e, eventualmente, pode-se associar ao uso de ansiolíticos. Esse é o tratamento farmacológico, e temos o não farmacológico, o que não usa remédios: a eletro estimulação e o eletrochoque. Mas o médico não pode se basear só nas conversas com o paciente, é preciso a realização de exames como de tireoide, pâncreas, sangue e um eletroencefalograma, para que se exclua outras doenças.
Eletrochoque?
O eletrochoque é um tratamento especial, só usado em pacientes em que todos os outros métodos não surtiram efeito e para casos iminentes de suicídio. Não há nenhum tratamento na face da terra melhor, para remover uma intensão suicida, e com rapidez, que o eletrochoque.
Ainda soa antigo e cruel, como o cinema e a TV mostram. Fale um pouco sobre o que é de verdade sobre isso.
Não é como mostram (no cinema). O eletrochoque é recomendado pela Anvisa, pelo Conselho Federal de Medicina e usado no mundo todo. É um procedimento médico real, só que não pode ser feito de qualquer jeito, tem de ser em ambiente hospitalar, com UTI, anestesia. E, muito importante, o paciente ou, quando ele não tem condições de responder por si, um familiar precisa autorizar por escrito, em um documento onde todo o procedimento é detalhado para que ele tenha conhecimento. Começou em 1935, aplicada como tratamento empírico para esquizofrenia. O empirismo se consolidou como prática média, e, então, se percebeu que paciente com depressão respondiam 100% melhor que o esquizofrênico. Então, hoje, do ponto de vista médico, as indicações são para esquizofrenia, depressão, sobretudo com ideia de suicídio, e também em pessoas com comportamento violentos e delirantes.
Mais cedo, o senhor falou sobre como a depressão atinge principalmente pessoas com mais de 40 anos, mas é sabido que é também uma das doenças que mais tem atingido os millennials.
Sim, está correto. Nos últimos 15, 20 anos tem se percebido uma mudança. Nunca antes os jovens foram tão afetados pela depressão. Os adolescentes e jovens adultos estão sendo afetados diretamente. Há uma migração da doença para esse grupo que sente as mudanças pesadas na sociedade, recessão econômica. O uso de drogas e de álcool em quantidades cada vez maiores. Nunca de bebeu tanto como hoje. E não são só eles, as crianças estão com depressão.
Muito se fala em depressão e suicídio, mas qual a relação real entre eles?
Cerca de 90% dos suicídios são praticados em vigência de uma doença mental. Ou seja, ninguém em condição de saúde metal pratica um ato contra a própria vida. Ninguém! Suicídio se relaciona diretamente com doenças mentais, e, entre elas, a depressão em mais de 80% das vezes é a causa.
Tocando agora em um ponto delicado em nossa comunidade. Sabemos que houve quatro casos de suicídio nos últimos meses em São Luís. Um caso pode influenciar o outro?
Sim, certamente que pode. Não pessoas que não estejam com depressão, essas não. Mas alguém já doente e com uma disposição em tirar a própria vida ver casos de pessoas que o fizeram pode influenciar negativamente no enredo de escolhas que essa pessoa fará. É tão real que existe o suicídio coletivo. Não me conformo com o suicídio! Pode ser evitado, as pessoas precisam procurar tratamento.
Para finalizar, fale sobre o Setembro Amarelo
O dia 10 de setembro é o Dia Mundial de Prevenção, mas o mês inteiro é dedicado à palestras, ações com o foco de prevenir que as pessoas tirem a própria vida. No Brasil, uma pessoa se mata a cada 45 minutos, e no mundo uma a cada três segundos. Noventa mil pessoas morrem assim no país por ano, e um milhão delas no mundo. É uma questão de saúde pública.
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