DESAFIO

Jornalistas relatam experiência como donos de barraca no período junino

Fomos vivenciar a experiência de ser barraqueiro no São João de São Luís. Aprender com as pessoas que tem muito a ensinar

É preciso ter sangue nas veias, fé no coração e determinação na cabeça. A saúde deve estar em dia. Sem isso os santos juninos terão dificuldades em ajudar. Enfrentar a vida é mesmo um passo a passo sem rastro de frouxidão.
Fomos vivenciar a experiência de ser barraqueiro no São João de São Luís. Aprender com as pessoas que tem muito a ensinar. Gente de mão calejada e decisão mergulhada no trabalho duro. Dureza de vida na mansidão na alma.
As barraqueiras e barraqueiros de São Luís conhecem o valor de um pequeno espaço, o cantinho para tirar sustento, um lugar no mundo para se levar o sustento para casa. O caminho desses vendedores ambulantes é belo e angustiante, bravo e incerto, feliz e difícil. É isso! Custa muito para valer a pena. Adiante veremos que vale.
Ser barraqueiro demanda planejamento, foco, atenção e perseverança. Resolvemos ser. Eu e Amélia. Dois jornalistas buscando conhecer a lida de um outro trabalho. Diferente, estranho e assustador. Como tudo o é quando o desconhecido espreita nossa vida. Esse trabalho foi diferente. Tocamos um negócio e fomos marcados para sempre pelas amizades que fizemos. Os destinos costuram o tecido para vestir a existência humana. No melhor e no pior que ela tem a oferecer. Vamos falar do melhor. Ainda bem.

“O dinheiro a gente conta e os amigos que fizemos a gente soma. Lição aprendida. Barraqueiro é profissão bela e dinâmica. As barraqueiras são mulheres que conhecem a alma humana e o paladar de um povo festivo. É tempo de festa, de fazer amizades, de construir destinos e pedir proteção”, Divino Advincula, jornalista

Primeiro tivemos que comprar dois carrinhos de lanches para tirar autorização de funcionamento. O lugar é a Blitz Urbana que fica no bairro da Alemanha. Os documentos são simples: identidade, CPF, foto do lugar onde desejamos montar a barraca, foto do carrinho e descrever o que vamos vender. No nosso caso, pastéis, sanduíches, refrigerante, água e cerveja. No balcão de atendimento, entregamos a papelada e pegamos um número de protocolo. A primeira impressão foi boa. Atendentes dedicadas e prestativas num ambiente profissional e competente. Estranhamos em se tratando de serviço público brasileiro. As coisas mudam, muitas vezes para melhor. Agora é esperar pela aprovação da fiscalização. Demora alguns dias. Somos ambulantes. Os santos começaram a dar uma mãozinha, pensei alto ao falar com a Amélia. Fomos aprovados.
Primeiro dia como barraqueiro
Os jornalistas Amélia e Divino compartilham a experiência como barraqueiros em festas juninas

O primeiro dia. No Ipem tudo pronto. Abertura dos eventos um dia antes do “Arraial da Maria Aragão”, praça em homenagem à comunista que desconcerta o nosso insipiente espírito capitalista. Sem problemas. Hoje é dia desse muro de Berlim de interno ruir. Ir a chão. Vamos vender. Agora estamos em outro terreno e a economia dá lá as suas voltas. Com fé vai. Temos fé. Muita fé. Fé que os santos olharão com carinho o nosso empenho. Fizemos por onde. Fizemos, também, uma promessa. Não custa buscar uma forcinha a mais. Promessa não se conta, se cumpre. O cheque dos carrinhos vai cair numa conta minguada. Fé redobrada junto com as nossas forças. Foguetório, presença do governador e coisa e tal, e a festa começou. Aqui é o Pastel da Margarida. O melhor pastel da cidade nos sabores carne, queijo, pizza e bacalhau. Sanduíche de carne, e as bebidas de sempre. Chegou um, pediu um pastel. Ufa! Levou à boca lentamente, e nós lá… Acompanhando cada mastigada da freguesa a espera de um sorriso aprovador. A torcida era grande e nossos olhos acompanhado aquele vai e vem de uma boca desafiadora. Engoliu a primeira mordida. Já é algum alívio. Ao menos não cuspiu fora. Outra mordida e a gente lá, no mais profundo silêncio de quem espera a guilhotina ou a coroa. Engoliu outro naco… Pensou… Tomou um gole do refrigerante, pensou… Já não mais temíamos o ridículo e passamos a encarar sem o menor pudor aquela competição entre o sabor e o fracasso. Limpou os dentes, pediu mais guardanapo. Aquilo parecia uma final de copa do mundo. Ela nos notou e perguntou o que estávamos olhando. Nada! Respondemos juntos. Procurei um lugar estratégico para observar… Amélia ficou no caixa fingindo contar um dinheiro que não existia. Ela se volta para nós, respiração presa… Hum… Uma delícia, quero outro. Agora os santos estão do nosso lado. E vendemos.

Dinheiro x amizade
Os outros dias. O dinheiro a gente conta e os amigos que fizemos a gente soma. Lição aprendida. Barraqueiro é profissão bela e dinâmica. As barraqueiras são mulheres que conhecem a alma humana e o paladar de um povo festivo. É tempo de festa, de fazer amizades, de construir destinos e pedir proteção. Ao som das canções juninas, o céu “alumia toda terra e mar”! Viva São João, São Pedro e Santo Antônio. E São Luís, cidade iluminada. A cada boi, uma estrela brilha mais forte no céu. As praças estão repletas e o povo que trabalha nas barracas faz a sua parte. Nada pode sair errado, a alegria custa suor e perseverança daqueles que fazem as pessoas pularem de alegria. A hora de dormir está marcada no relógio do último cliente. Normalmente às 2h ou 3h da manhã. Mas pessoas querem comer, sorrir, dançar e lavar a alma no arraial cheio de comida boa. A vida nas barracas é coisa de quem tempera a alegria com graça e temperos de dar água na boca e desejo que o ano que vem chegue logo.
O início de uma grande aventura

Tempo passado e solicitação atendida, tocamos na data marcada para a Praça Maria Aragão e olhar “in loco” nosso ponto de venda. Senhor Walber, da Blitz Urbana, é quem pacientemente mostra o quadrado de cada um. Marquei o meu com tinta removível. No outro dia voltei para dar uma olhadinha e vi que eu estava removido de lá por alguém mais esperto que logo colocou uma armação de ferro no meu espaço. Volto para a Blitz e reclamo. Assim não dá! Deu. O caminho foi fazer um acordo com o invasor, o que me rendeu uma bela amizade. A vida tem dessas coisas.

Amélia foi para o Instituto e Previdência do Estado do Maranhão (Ipem) buscar a sua autorização. Lá, “Seu Walber da Blitz” chegou cedo com a sua habitual firmeza e sem perder a ternura. Lugar marcado, quadrado reservado, agora é levar os carrinhos. Pedimos emprestado uma pickup. Carrinhos colocados no lugar e partimos para o Mercado Central. Na região, vende-se de tudo: colheres, panelas, palitos, toalhas, guardanapos, caixas de isopor, locais apropriados para acondicionar alimentos, luvas plásticas, toucas, canudinhos lacrados e sachês de maionese e ketchup. A lista é maior. Vai além da imaginação e aperta o nosso bolso. Mas São Pedro ajuda. São João também. Santo Antônio não vai negar fogo. Com fé, vamos botar a mão em mais trocados e partir para a compra da comilança e “beberança”. Cerveja da marca patrocinadora. O resto pode. É preciso mais. Muito mais. Temos que pedir novamente a pickup emprestada e levar o resto. O dia está chegando e o tempo avança sobre a ansiedade.
O dia seguinte da aventura
O outro dia. Na Maria Aragão, Amélia chegou cedo. Antes, ensaiamos em casa como ser barraqueira e barraqueiro no estilo popular. Sentimos falta disso ontem. Roupas limpas e simples, pronúncia local. Treinamos a voz. Ensaiei um sotaque do Nordeste que saía deliciosamente, estranho. Amélia chegou com uma bermuda colorida, camisa branca e sandália. Cumprimentou a vizinhança e foi preparar o cachorro-quente e sanduíche de carne com uma temperança cheirosa. Começou o Arraial. E passa um, e passam dois e passa a boiada e o sanduíche lá, curtindo a sua desconcertante solidão. A bebida começa a congelar demais. Falta alguma coisa. Isso!, o grito com o sotaque ensaiado para atrair o povo. É o sanduíche e a “cérveja” “rélada”… É sanduíche e a “cérveja rélada”. É, os santos estavam ocupados com outras urgências. Féria da primeira noite: R$ 2,50. Puxa vida, uai. Maria Aragão é vingativa, Pensei com meus botões.
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