'O CRIME DE ULEN'

Um Kennedy foi morto por vingança em São Luís

‘O crime da Ulen” que teve como vítima, John Harold Kennedy, foi motivado pela vingança de José de Ribamar Mendonça, que sentia-se prejudicado pelo americano

Até hoje, historiadores e pessoas interessadas em pesquisar os dramas do cotidiano ludovicense, em rodas de conversa, discutem as causas de um crime ocorrido na primeira metade do século passado e que abalou, à época, a estrutura social da cidade pela sua repercussão nacional e internacional. Um assassinato que teve como vítima, John Harold Kennedy, de 31 anos, tio de um homem que posteriormente se tornaria o mais reverenciado dos presidentes dos Estados Unidos da América: John Fitzgerald Kennedy, que também foi vítima de homicídio, em 1963, em Dallas, no Texas (USA) ainda em pleno exercício do mais alto cargo do Executivo de seu país.

Mesmo já tendo se passado 83 anos, este crime continua sendo muito comentado, dando origem a livros e ao documentário O crime da Ulen, do cineasta maranhense Murilo Santos. Jovens operadores do Direito sempre buscam informações sobre este crime que lhes desperta a curiosidade e enche de certo orgulho os mais velhos da cidade, pela bravura do seu autor, pelo fato de não ter se deixado intimidar pelo poder econômico da vítima, e por representar a luta contra a opressão e exploração econômica exercida à época, pelos Estados Unidos sobre o estado do Maranhão.

José de Ribamar Mendonça foi Absolvido do crime

Oprimido reage e mata

O autor do assassinato foi o bilheteiro José de Ribamar Mendonça, um jovem nascido em Cajapió, na Baixada Maranhense, funcionário de uma multinacional que detinha, desde 1928, o monopólio do mercado local de luz, transporte, água, esgoto e prensagem de algodão, uma empresa que foi marcada pela rejeição da população em face à conduta opressora de seus executivos, e que através de contratos viciados, explorava absurdamente a economia do estado, causando insatisfações em todas as camadas sociais. A Ulen Company se tornou uma empresa indesejada na cidade, pelos péssimos serviços, os constantes aumentos das tarifas e, principalmente, pelo descaso na sua conturbada relação com seus empregados.

O crime da Ulen, como ficou conhecido, foi uma trágica ocorrência recheada de tramas políticas, econômicas e fortes elementos sociais. Na verdade, a motivação foi a vingança do jovem trabalhador José de Ribamar Mendonça, de 25 anos, que se julgava prejudicado pela atitude do norte-americano John Harold Kennedy, contador da Ulen Management Company, que o dispensara do emprego de bilheteiro dos bondes, dias antes de completar dez anos de serviços prestados à empresa, quando então, conforme a legislação vigente, teria estabilidade assegurada. Esta tática era muito utilizada pela Ulen Company, contra seus empregados, para fugir das obrigações trabalhistas da época, que garantiam estabilidade ao trabalhador que tivesse dez anos de serviços prestados à mesma empresa.

Um crime sem arrependimento

O crime aconteceu por volta das 17h30 do dia 30 de setembro de 1933, no interior da sede da empresa, na Rua da Estrela, no Centro Histórico de São Luís, quando José de Ribamar Mendonça disparou quatro tiros de revólver calibre 32 contra o norte-americano John Harold Kennedy, atingido por dois dos disparos, causando-lhe a morte imediata. Mendonça foi preso em flagrante. Ao receber a voz de prisão, disse não estar arrependido e afirmou: “Matei agora mesmo o bandido que mais me perseguia, mas não estou arrependido”. Os dois haviam travado uma acalorada discussão no interior da empresa, pelo fato de John Harold ter se recusado a pagar os últimos meses de trabalho de José Mendonça.

Um crime, três julgamentos

José de Ribamar Mendonça se tornou um símbolo da luta social da população de São Luís, contra os desmandos da empresa norte-americana, a política econômica dos Estados Unidos e a submissão do governo brasileiro na figura dos políticos maranhenses. Mendonça foi submetido a três julgamentos num processo que se transformou num campo de batalhas jurídicas, sociais e políticas. A sua defesa foi assegurada pelo mais famoso criminalista da época, o advogado Waldemar Brito, que construiu seus argumentos de defesa no sentimento de solidariedade social da comunidade ludovicense, se utilizando da má relação de São Luís com a empresa norte-americana. “A vingança é reprovada, porém quando excitada por injustiça e insultos, é uma das fragilidades mais desculpáveis da natureza”, afirmou o causídico aos jurados do Tribunal do Júri Popular, no primeiro dos três julgamentos a que Mendonça foi submetido.

O primeiro julgamento aconteceu logo no dia 21 de novembro de 1933, no Tribunal do Júri na antiga Rua Formosa, no Centro da cidade, em uma sessão que contou com a presença de uma grande multidão, presidida pelo juiz João Mata de Oliveira Roma, tendo como advogados de defesa José Nunes Arouche e Waldemar de Sousa Brito. A acusação foi exercida pelo promotor Edson Brandão. Ao final, José de Ribamar Mendonça foi absolvido pelo Conselho de Sentença, por cinco votos contra dois. A defesa apresentou a tese de que ele teria agido sob completa perturbação dos sentidos. O acusado permaneceu preso por mais quatro meses. No dia 2 de abril de 1934, o Superior Tribunal de Justiça do Maranhão anulou o júri popular e marcou novo julgamento para duas semanas depois. No dia 18 de abril, o réu foi novamente absolvido pelo Conselho de Sentença, desta vez por ter cometido o crime “para evitar problema maior”.

Conforme José Joffily, no seu livro Morte na Ulen Company (Record,1983), com a absolvição de Mendonça, aumentaram os protestos da população contra a Ulen. O governo dos Estados Unidos interveio e tentou, sem sucesso, com base em suposto erro judiciário, a extradição de José Ribamar Mendonça. Durante onze anos, a questão da Ulen e a absolvição do réu envolveram nove ministros brasileiros e três embaixadores norte-americanos. Provocaram, pelo menos, 38 ofícios e telegramas para proteção da empresa americana e para garantir a condenação de José de Ribamar. O Itamaraty aceitava a alegação dos diplomatas americanos, segundo a qual, a Justiça brasileira contrariou a prova dos autos.

O terceiro julgamento

O terceiro julgamento só se realizaria onze anos depois do crime. O advogado Waldemar Brito protestou alegando não ser possível fazer retroagir uma lei nova para prejudicar o réu, já que José de Ribamar Mendonça havia adquirido direito dentro do então revogado Código do Processo Criminal do Estado. Mendonça já se encontrava, desde 1935, no Rio de janeiro, trabalhando na Companhia Atlantic de Petróleo. Ali foi preso mais uma vez e trazido para São Luís, onde foi julgado e mais uma vez absolvido, desta vez por legítima defesa. O criminalista Waldemar Brito envolveu Mendonça com uma bandeira brasileira e despertou o sentimento de patriotismo entre o corpo de jurados, constituído por cidadãos maranhenses. Em dezembro do mesmo ano, Russel F. Kennedy, irmão de John Harold, tentou um recurso através de Carta Testemunhável, sem êxito. José de Ribamar Mendonça morreu, oito anos depois, em 22 de março de 1952, aos 44 anos, de infarto, no seu local de trabalho, no Rio de Janeiro.

Americanos no Maranhão

Morte do Kennedy repercutiu internacionalmente

No primeiro decênio do século XX, São Luís enfrentava sérios problemas de infraestrutura. Em 1920, São Luís tinha pouco mais de 50 mil habitantes e a situação econômica era péssima. Assim foi que o oficial da Marinha José Maria Magalhães de Almeida, genro do então governador do Estado, Urbano Santos, efetivou os primeiros contatos com o empresário norte-americano Henry Charles Ulen, proprietário da Ulen Management Company, para que prestasse os serviço públicos. Assim, o Maranhão aquiesceu às condições impostas para obter um empréstimo de 1.750.000 dólares, junto ao Bankers Trust Company, de Nova York. Em 1923, foi assinado o contrato que garantia à empresa americana, primeiramente, a responsabilidade de construir obras de serviços urbanos como abastecimento de água, luz e transportes, e, mais tarde, pela administração desses mesmos serviços.

A princípio, pareceu que seria o melhor para a capital maranhense, que assim teria progresso. Porém, isso não aconteceu, e logo depois começaram os transtornos, visto que os contratos firmados entre a empresa e o governo do Maranhão eram abusivos e a empresa não prestava os serviços com a qualidade desejada, iniciando-se uma onda de protestos por parte da população. Esta situação se agravou com a ocorrência do assassinato do contador da empresa John Harold Kennedy pelo empregado maranhense José de Ribamar Mendonça.

A onda de protesto cresceu e se estendeu até que em 1946, depois de várias suspensões contratuais, a Ulen deixou São Luís.

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