ARTE

Rendeiras de Raposa resistem tecendo a tradição

As rendeiras trabalham e tentam repassar seus conhecimentos para manter viva a arte que tornou o município famoso pela renda de bilro

A pequena cidade de Raposa, situada a 30 km de São Luís, guarda talento e habilidades que são passados de geração a geração. A pequena vila de pescadores também é conhecida pelo trabalho de mulheres de mãos ágeis, calejadas e experientes na confecção de peças de renda de bilro. É comum vê-las a qualquer hora do dia no Corredor das Rendeiras, como ficou conhecida a Rua da Lavanderia, local onde estão instaladas várias lojinhas de produtos artesanais. O ofício manual, ainda que algumas mulheres digam que as meninas não queiram seguir como profissão, ainda é muito forte no lugar.
A técnica foi importada do Ceará. De lá vieram os pescadores e, com eles, as esposas rendeiras. Hoje, a tradição é passada de mãe para filha. Nas famílias que não tem mulher, ou que as mesmas não querem se dedicar, a continuação do trabalho pode ficar comprometida. É o caso de Maria do Socorro dos Santos, 47 anos e há 40 como rendeira, uma herança da mãe que veio do Ceará. “Vou te confessar que ela me botou para aprender porque eu não queria. Mas agora faço para ganhar dinheiro e até que dá para garantir a renda”, conta. Já a arte ela não tem ainda para quem passar. “Tenho quatro filhos. Dois homens e duas mulheres, mas só os homens estão comigo. Hoje em dia as meninas não querem mais aprender isso para trabalhar. Tem outras preferências…”, admite. E a senhora pensa em passar o seu conhecimento? Pergunto. “Talvez. ‘Pras’ sobrinhas, netas, quem sabe?”, indaga enquanto não tira os olhos do trabalho.
Sentadas nas calçadas, na maioria das vezes, as mulheres trabalham enquanto esperam os clientes para suas lojas, que são pequenas construções de madeira, semelhantes a palafitas (se bem que hoje já há obras de alvenaria). Com um banquinho à frente delas, uma almofada cilíndrica, fios, bilros de madeira, cartões furados com o desenho da peça e um movimento difícil de acompanhar (para os leigos), elas vão também fiando histórias. “São 40 anos fazendo rendas. Muita história”, diz Socorro. Quero saber se o trabalho funciona como uma terapia. “Sim. Das 7h às 20h, é o que faço. Dá para a gente pensar em muita coisa”, diz enquanto vai trançando os fios.
A produção é variada. Coletes, toalhas, bolsas, trilhos de mesas, saídas de praia, pano de prato, redes, brincos, colares, pulseiras, capas de almofada… uma infinidade de produtos, preços e cores.

“Eu aprendi vendo as outras rendeiras. Porque antes era muito mais comum a gente ver essas mulheres nas calçadas. Elas ficavam se revezando e aí eu entrava e ficava tentando até acertar. Até que aprendi. Para mim é uma calmaria “, Isabel Rodrigues, rendeira

Herança familiar
Elas são três filhas. Todas herdaram da mãe, cearense, a arte de ser rendeira. Todas tem lojas na Raposa e sim, todas trabalham para que o ofício seja perpetuado pela família. A matriarca da família, dona Maria Bonifácia Rodrigues, cearense, 62 anos, veio há 32 anos para o Maranhão acompanhar o esposo, pescador. Desde então, se estabeleceu na Raposa e para aumentar a renda da família, passou a comercializar o trabalho. As filhas Isabel, Rita e Isabela seguiram a profissão da mãe e hoje repassam para as filhas também.
Foto: Honório Moreira/OImp/D.A Press.


Honório Moreira/OImp/D.A Press

Dona Maria José Bonifácia passou a tradição do ofício de tecer redes às três filhas Isabel, Rita e Isabela

Rita, de 38 anos, tem duas filhas, Thaís (19) e Maria Cecília (3). Aos dez anos, começou a produzir e aprendeu a “rendar” porque quis. “Via minha mãe e achava bonito, então comecei a fazer. Hoje já estou passando para as minhas filhas. A mais velha já tem a lojinha dela e a menor está já tomando gosto, mas é muito difícil hoje as meninas quererem fazer renda”, lamenta a artesã. O motivo? “Internet, bebê”, Rita responde rápido.

“Via minha mãe e achava bonito, então comecei a fazer. Hoje já estou passando para as minhas filhas. A mais velha já tem a lojinha dela e a menor está já tomando gosto, mas é muito difícil hoje as meninas quererem fazer renda. O motivo? internet, bebê”, Rita Rodrigues, rendeira

Isabel, 29 anos, a outra filha de Dona Maria Bonifácia tem a arte no sangue e trabalha desde os nove anos. A filha Larissa de 12 anos, também faz renda quando não está na escola. Mas Isabel lamenta que hoje os tempos sejam outros. “Eu aprendi vendo as outras rendeiras. Porque antes era muito mais comum a gente ver essas mulheres nas calçadas. Elas ficavam se revezando e aí eu entrava e ficava tentando até acertar. Até que aprendi. Para mim é uma calmaria”, diz a rendeira.
Ela ainda agradece pela filha Larissa ter se interessado sem precisar ter sido pressionada para aprender. “Pela convivência natural, né? Dou preferência para o estudo, mas se ela quiser continuar aprendendo e fazendo, tudo bem. Eu não pressiono”, admite. A outra irmã, Isabela, tem um filho e está grávida. Se virá uma menina e se ela dará prosseguimento à arte, só o tempo dirá.
Tradição
“…tu me ensina a fazer renda…”
A Associação das Rendeiras e Artesãos da Praia da Raposa, que possui pelo menos 60 associadas, faz um trabalho de divulgação, manutenção e fortalecimento da arte, ofício responsável pela produção de geração e renda de muitas famílias do município.
Segundo a artesã Marilene Marques, presidente da Associação, o trabalho está no sangue e no dia a dia. E ela conta que o trabalho da Associação permanece no sentido de formar pequenas rendeiras para que elas possam dar continuidade à arte. Para isso são realizadas oficinas e capacitações permanentes. Para Rita Rodrigues, mesmo com as oficinas está difícil convencer as mulheres mais jovens a enveredar pelo mesmo caminho. “Hoje há muitas distrações e elas não querem mais se ocupar com isso. Mas a gente, por meio da Associação, tem feito muito para manter a tradição”, conta.
Rendas de bilros
As rendas de bilros são feitas pelas mulheres da comunidade desde a década de 1950. Este tipo de artesanato foi trazido por famílias de pescadores do Ceará que migraram para o Maranhão nessa época.
No processo de produção da renda de bilro são utilizados instrumentos como almofada dura, palha, espinhos de mandacaru (originados do Ceará que servem para guiar os pontos), bilros, de origem do fruto da palmeira do tucum e madeira fina, e papelão perfurado que serve de guia para a execução de um determinado modelo ou variação de pontos. As linhas ficam presas nos bilros e, quanto mais complexa é a peça, maior a quantidade de bilros.
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