Maranhão

Casal se une sob a bênção dos Orixás

Frequentadores do tambor de mina, Raydenisson e Soraya Sá foram o segundo casal a se unir no terreiro em cerca de dez anos

Véu, vestido de noiva, alianças, Igreja… essas são as primeiras associações que normalmente fazemos ao ouvir a palavra casamento no Brasil. Isso se deve, em grande parte, à influência do catolicismo na formação social do país. O matrimônio, no entanto, é celebrado de diferentes formas em outras crenças e religiões. Esse é o caso do tambor de mina, uma das religiões de matriz africana mais difundidas no Maranhão.
Raydenisson e Soraia Sá são adeptos do terreiro Ilê Ashé Obá Yzôo, no bairro da Liberdade. Os jovens, de 26 e 29 anos, respectivamente, celebraram a sua união no último dia 13 de maio. Em respeito à crença de ambos, que passaram a frequentar a mina quando namoravam, decidiram realizar a sua cerimônia ali.
“Nós dois somos iniciados no tambor de mina, então nós tínhamos que casar na nossa religião. Aí nós conversamos com o pai de santo para pedir autorização. No dia 13 de maio, acontece uma festa (Dia de Preto Velho) aqui na casa, e aproveitamos para fazer no mesmo dia. Teve a nossa cerimônia cedo e à noite teve tambor de crioula com os caboclos”, explica Raydenisson.
Ele, que é produtor cultural, tinha o contato com as religiões afro desde pequeno. Sua esposa, que é administradora, ingressou no terreiro como visitante e, depois de um tempo, decidiu ficar. “Fiquei para acompanhá-lo e também pelo modo com que a gente é tratado pelas entidades, aquele carinho que a gente recebe delas”, comenta Soraia.
Entenda a cerimônia do casamento
Bolo de casamento - Raydenisson e Soraia Sá

A cerimônia começou por volta das 19h, seguindo um ritual de saudação aos Orixás e de união do casal. Segundo Raydenisson, cânticos, orações e a entrega de guias (uma espécie de colar que sela o amor de ambos) são os principais elementos do casamento no tambor de mina.

“A cerimônia começou cantando para Oxalá, que é Deus, aí cantamos para Ogum, que é o senhor que abre os caminhos, depois cantamos para Xangô, dono da casa. Em seguida, o pai de santo fez orações em yorubá – idioma africano –, traduziu para os nossos convidados, e colocou as guias na gente. Depois, soltamos o pombo da paz, que significa prosperidade e saúde para o relacionamento e para todo mundo da casa. Por último, cantamos para Nochê Oxum (minha entidade) e Nochê Ewá (entidade dela), daí a entidade do nosso pai de santo (Pai Xangô) veio à terra, nos abençoou e encerrou a cerimônia”, revela.
A data não foi escolhida por acaso. Segundo Soraia, um ente espiritual indicou o dia da celebração. Emocionada, explica: “A gente não sabia exatamente quando seria, daí um dia a entidade Légua Boji veio e falou: vocês vão casar no dia 13 de maio. A gente casou, e depois ele veio para dar a bênção. O pai de santo fez a cerimônia e depois a entidade veio para abençoar nós dois”.
Outra particularidade do casamento no tambor de mina diz respeito aos padrinhos da cerimônia. Diferente do que acontece no cristianismo, não são pessoas, e sim seres espirituais que apadrinham a união do casal. “Todos os nossos padrinhos foram entidades. Nós convidamos seis entidades da casa (através dos nossos irmãos de santo), e elas vieram todas. Todos os filhos da casa que recebem estavam incorporados. Nem a gente sabia que todos iriam incorporar”, comentam.
Esta, que foi a segunda união ocorrida no terreiro na última década, comoveu muito dos frequentadores. Raydenisson diz ter ficado surpreso com tamanha manifestação espiritual na casa em sua cerimônia de casamento. “Nesse dia, a gente não sabia nem que o nosso pai de santo iria incorporar. No final foi que o Orixá dele chegou. Na casa, a gente tinha orixás, voduns, encantados, todos nos abençoando. E nós ficamos muito felizes com isso, porque a gente não imaginava mesmo que todo mundo fosse virar no santo”.
Orgulho e preconceito
Segundo o casal, para o tambor de mina o ser humano nasce predestinado, e descobre a sua aptidão ao longo da vida. “Tem pessoas que são de incorporação, pessoas que são para servir as entidades, outros são para tocar, tem pessoas que são para conversar, há vários tipos de categorias”, diz Soraia.
Tamanha diversidade, no entanto, nem sempre é bem recebida por quem não entende o funcionamento da religião. Momentos de dificuldade são uma constante para os frequentadores das casas de matriz africana. “Ser da nossa religião não é fácil – há vários preconceitos, intolerância religiosa, discriminação. A sociedade não aceita, por isso há muita gente que se esconde… por conta dessa intolerância velada”, desabafa Raydenisson.
Para ele, o seu casamento foi um exemplo de como o respeito mútuo pode diminuir essas barreiras: “Nós convidamos a nossa família – alguns resistentes, mas respeitaram a nossa religião, vieram participar com a gente e viram que aquele preconceito que eles tinham não tinha sentido, porque foi uma cerimônia muito bonita, onde foi cantado e tocado. Nossos amigos, inclusive, da nossa época de Igreja, muitos vieram”. Sobre o orgulho de pertencer a sua religião e de celebrar o casamento ali, revela o momento mais especial da cerimônia de união do casal. “Para mim, foi a presença dessas entidades na cerimônia… entidades com as quais a gente convive, que a gente ama, respeita, que a gente chora nos braços, a gente pede conselho… As entidades são como da nossa família, a gente acaba se acostumando com todos eles. Pra mim foi bastante especial. Eu até me pergunto se somos merecedores de todas essas entidades virem participar desse momento conosco”.
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