DENÚNCIA

A comercialização ilegal do “Minha Casa, Minha Vida”

A produção de O Imparcial resolveu constatar as irregularidades de perto nos municípios da Ilha de São Luís

“Facilitar a conquista da casa própria para as famílias de baixa renda.” Formalmente, esse é o objetivo do programa “Minha Casa, Minha Vida”, criado pelo Governo Federal no ano de 2009. Coordenado pelo Ministério das Cidades, o programa atua, prioritariamente, no financiamento de até 90% do valor da primeira casa própria para famílias de renda inferior a R$ 1.800 mensais.
Durante 10 anos – ou até a quitação total do financiamento –, os beneficiários não podem, por força de contrato, alugar, vender ou transferir a titularidade das suas residências. Nos municípios da Ilha de São Luís, no entanto, denúncias levaram O Imparcial a encontrar uma série de irregularidades praticadas nos imóveis financiados pelo programa federal. De aluguel e venda direta à participação de corretores nas negociações, os atos ilícitos ocorrem de modo simples e desenfreado.
Venda rápida
No Residencial Nova Terra, outro fato impressiona – a quantidade de cartazes parcialmente destacados ou propositalmente danificados. Ao ligar para os poucos telefones que seguiam visíveis, constatamos: os anúncios foram retirados porque aqueles imóveis já haviam sido vendidos.

“A pessoa compra sabendo que Minha Casa, Minha Vida não pode, que tem que esperar esse prazo. Se houver uma fiscalização, você tem que ficar com os dados do dono da casa, combinar com ele “, Responsável pela corretora imobiliária

Uma das ex-moradoras do bairro, que afirma já ter “passado” a sua casa, revela que a vendeu em menos de dois meses. Perguntamos se há outros vendedores, e sobre os preços médios das casas no local. Ela responde: “Até tem, porque tem umas pessoas aqui querendo passar. Tem um moço aqui numa casa de canto que sempre conhece alguém que quer vender. Fica na rua “X” (endereço fictício). Os preços são variados, depende de como está a casa – se está murada… no mínimo, R$ 25.000, mas estão passando é por R$ 32.000. Até encontra uma de R$ 28.000, mas lá para o final”, revela.
Sobre como fez a negociação da sua casa, demonstra ter seguido o exemplo da maioria de proprietários: o registro em cartório. “A documentação tá funcionando só no cartório… a pessoa fica na dúvida, né? Mas é passado tudo por cartório. Porque assim, como essas casas não podem ser vendidas, porque elas são do projeto Minha Casa, Minha Vida, o certo era não passar, né?”.
Contrato de gaveta
Comercialização ilegal de imóveis financiados pelo "Minha casa, Minha Vida"

No Residencial Sítio Natureza, em Paço do Lumiar, foram construídas 1.199 casas populares através do programa Minha Casa, Minha Vida. Em junho de 2012, as famílias sorteadas começaram a receber as chaves das unidades residenciais. A menos de 4 anos do início do financiamento dos imóveis, no entanto, basta passear pelas ruas do bairro para constatar as irregularidades: postes e muros de casas anunciam que há moradores que querem vender as suas residências.

A produção de O Imparcial resolveu constatar as irregularidades de perto. Ao ligar para um dos números anunciados, uma surpresa: a interessada em comprar casas é uma corretora de imóveis. Passando-nos por moradores interessados em vender uma residência, ouvimos que o imbróglio é, na verdade, algo corriqueiro ali. Ao demonstrar preocupação por tentar vender um imóvel de comercialização proibida, somos acalmados pela suposta profissional.
“Tu que tirou a casa, tá no teu nome? A gente primeiro vai num cartório, faz uma procuração. A gente faz todo o processo, é um contrato de gaveta. Aí, quando estiver no tempo de passar, ela [a compradora] vai lá, quita e passa para o nome dela”, diz.
Um par de perguntas adicionais e detalhes fictícios sobre a casa informados, a corretora prossegue explicando detalhes da negociação. “A gente faz tudo orientado por um advogado, para não ter problema nem pra ti, nem para quem está comprando. Essas casas, na verdade, elas são proibidas de passar, né? Aí todo mundo passa, mas se resguardando”, confessa.
Em outra chamada, agora supostamente interessados em comprar uma casa no bairro, somos atendidos pela Imobiliária (que se localiza no bairro do Maiobão) e nos explicam como lidar com as possíveis fiscalizações realizadas.
“A pessoa compra sabendo que Minha Casa Minha Vida não pode, que tem que esperar esse prazo. Se houver uma fiscalização, tu tem que ficar com os dados do dono da casa, combinar com ele. Se tiver fiscalização é tudo no nome do dono da casa’, né? Nunca deu problema nenhum, porque as pessoas são bem informadas de negócios de fiscalização. Aí tem que dar o número do dono mesmo, aí tu liga pra ele, tu liga pro dono e o dono vem, e isso tem que estar no contrato – que na hora que der um problema, ele tem que se apresentar”.
À luz do sol
Comercialização ilegal de imóveis financiados pelo "Minha casa, Minha Vida"

Passando pelo Residencial Pitangueiras, em São José de Ribamar, um cartaz na janela de um dos apartamentos chama atenção: “Aluga-se”, complementado pelo número de contato do proprietário do imóvel. Os edifícios deste bairro possuem, no total, 864 apartamentos financiados pelo Minha Casa, Minha Vida, que foram entregues há cerca de quatro anos.

Por telefone, o proprietário do imóvel anunciado comenta que o aluguel custa R$ 500 por mês, e que o apartamento se encontra fechado, porque ele não mora ali. “Patrão, custa quinhentos reais. Mas agora eu não posso mostrar porque tô no Centro. Eu vou botar o piso na semana que entra. Agora eu tô no Centro, mas qualquer coisa, vá lá amanhã pra gente conversar, pra eu lhe mostrar ele.”
Ele, que trabalha como comerciante em São Luís, desconversa quando é questionado sobre o contrato de aluguel, já que o imóvel é financiado pelo programa Minha Casa, Minha Vida. Responde apenas que o valor cobrado inclui as taxas de condomínio, mas não as faturas de serviços públicos.
Caixa Econômica
Em nota, a Caixa Econômica Federal – responsável pelos contratos de financiamento dos imóveis – esclarece que a comercialização do imóvel da Faixa I do Programa Minha Casa, Minha Vida, sem a respectiva quitação, é nula e não tem valor legal.
Segundo a assessoria de comunicação do órgão no Maranhão, “quem vende fica obrigado a restituir integralmente os subsídios recebidos e não participará de mais nenhum programa social com recursos federais. Já quem adquire irregularmente perderá o imóvel. Esta condição é informada ao beneficiário por ocasião da assinatura do contrato”.
Adicionam, ainda, que a fiscalização se faz em parceria com o Cofeci (Conselho Federal de Corretores de Imóveis) e que este, por meio dos Conselhos Regionais, auxilia na fiscalização de eventuais comercializações irregulares de imóveis da Faixa, inclusive no que se refere à atuação de corretores e imobiliárias.
“Quando há denúncia do descumprimento desta regra, a Caixa notifica os moradores para que comprovem a ocupação regular do imóvel. Caso fique comprovada a venda do imóvel para terceiros, a Caixa protocola notícia-crime na Polícia Federal e adota medidas judiciais cabíveis, no sentido de buscar a rescisão do contrato e a reintegração de posse do imóvel”.
Apesar da insistente solicitação, não foram informados pelo órgão o número de operações de fiscalização realizadas, as medidas pontuais de seguimento às denúncias ou a quantidade de imóveis com pendências de regularização no estado.
VER COMENTÁRIOS
Polícia
Concursos e Emprego
Esportes
Entretenimento e Cultura
Saúde
Negócios
Mais Notícias