DIA DA MULHER

Uma criação diferente no mundo de lutas pela igualdade

A educação privativa das meninas é uma das causas para a perpetuação do machismo e violência contra mulheres na sociedade brasileira moderna

Selo Dia Internacional da Mulher

Diferenças na educação em casa de meninos e meninas podem ser o início para a vida adulta de mulheres sem voz, que sofrem abusos e têm o poder de escolha sobre a própria vida cerceado. “Nunca impedi minhas filhas de fazer qualquer coisa por serem meninas. A minha neta tem carrinhos entre os brinquedos”, a frase é da dona de casa Solange de Fátima Ferreira Pires, de 43 anos. Ela tem três filhas e um filho, além de uma netinha de dois anos, a pequena Valentina. A declaração vai de encontro à realidade da maioria das famílias brasileiras, onde as imposições de comportamento sobre meninas criam mulheres silenciadas, como alerta a doutora em Psicologia Cultural Giovana Vieth. 

Gráfico Dia da Mulher
“A mulher é silenciada desde a infância, ensinada a fazer apenas o que a sociedade espera dela, colocada em posições inferiores aos irmãos, por exemplo. Mães e pais alimentam essa ideia, e as meninas ficam cada vez mais presas. Quando crescem, não conseguem se libertar do machismo, levam vidas afetivas e sexuais frustradas. É um silêncio castrador e muito preocupante”, comenta a psicóloga.
Segundo Vieth, desde a infância, mulheres são ensinadas a adotar posições de inferioridade e submissão. “Espera-se que uma menina brinque com fogõezinhos e casinhas, sem perguntar se é isso que ela quer”, analisa a psicóloga.
Em uma pesquisa realizada pela Plan International Brasil em 2013, constatou-se que meninas realizam o trabalho doméstico, cuidam das crianças e têm menos tempo de brincar, somente pelo fato de serem meninas, e isso impacta sua vida e seu desenvolvimento, já que têm menos oportunidades de estudo e desenvolverem seu potencial. “Meninas assumem muito cedo a responsabilidade pela casa e pelo cuidado, e com isso se reiteram papéis e posições que ocuparão na sociedade quando adultas”, conta a gerente de Gênero da Plan, Viviana Santiago.
Diferença entre gêneros
A liberdade masculina em detrimento da feminina é palpável nos lares, desde muito cedo. Renata Kinjo, de 23 anos, jurista, conta que quando criança as diferenças de atividades domésticas que ela e o irmão gêmeo tinham de desempenhar chamou a sua atenção e rendeu embates em casa.
“Lembro que ainda pequena gostava de ajudar em qualquer pequeno afazer dentro de casa, me divertia, até que, maiorzinha, percebi que meu irmão não fazia nenhuma atividade doméstica. Minha mãe falava ‘vá arrumar seu quarto, é muito feio uma moça desorganizada’ ou ‘vá lavar a louça, porque você tem que ir logo aprendendo essas coisas’. Mas meu irmão, que tem a mesma idade, não era obrigado a fazer nada disso. Minha mãe arrumava a cama dele, fazia tudo dentro de casa, ele não ajudava”, relata.
A jovem conta que com o tempo começou um “protesto silencioso”, deixando de fazer tudo que a mãe pedia. “A reação dela não foi o que eu esperava: em vez de mandar meu irmão fazer as tarefas domésticas ela mesma fazia tudo sozinha. Aquilo me deixava mais irritada ainda, mas eu continuava batendo o pé, enfrentando-a eventualmente e não fazendo qualquer coisa dita ‘de menina”.
As coisas de menina vêm de um processo antigo e enraizado na sociedade que tende a naturalizar as atividades, dividindo-as por gênero, quando, segundo especialistas, não há evidências biológicas para essa necessidade.
“Desde o início da minha educação, meus pais deixaram bem claro a igualdade de obrigações entre homens e mulheres em qualquer lugar, inclusive dentro de casa. Assim, tarefas como arrumar o quarto, lavar a louça e aprender a cozinhar deveriam ser realizadas tanto por mim quanto pelo meu irmão”, conta a engenheira Terezinha Saavedra, que atribui a escolha de sua profissão à igualdade em casa. “Minha profissão é massivamente dominada por homens, mas eu não tinha esse entendimento, não me foi dito em casa que não podia ser engenheira”, conta.
“Outra consequência positiva foi o desenvolvimento desde cedo no meu irmão da ideia de que as mulheres deveriam ser respeitadas, já que possuíam as mesmas prerrogativas e direitos que os homens. Dessa forma, comentários misóginos lá em casa não têm vez”, diz Terezinha.
A visão de que mulheres podem fazer o que quiser e ser reconhecidas como pessoas com tanta capacidade quanto qualquer um é compartilhada pela família Ferreira Pires, que abre essa reportagem.
“Temos de romper essa visão de que a mulher não é capaz de algumas coisas, apenas por ser mulher. Me diziam na rua que mulheres era muito doidas e estressadas, como eu poderia aguentar vivendo numa casa com várias. Fui criado com muito amor por minha mãe e minhas irmãs. Todo mundo aqui faz de tudo, ser menina não as impediu de nada e não vejo razão para esses estereótipos”, relata Jorge Luís Ferreira Lima, o filho da dona Solange.
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Violência simbólica

Meninas devem usar rosa. Vestir roupas comportadas. Não devem falar palavrão. Mulher não pode responder o marido. Mulher tem de cuidar da casa. “A naturalização busca justificar comportamentos repressores e o assédio. Diz que o homem teria uma libido maior e é aceitável que ele tenha uma maior liberdade sexual, enquanto mulheres devem ser castas. O machismo está enraizado na sociedade, inclusive em mulheres”, diz Giovana Vieth. Ela ressalta ainda que quando a mulher sai dos moldes impostos ela é estigmatizada de masculina. Mulheres que estudam ciências exatas, por exemplo, tiveram de romper com padrões.

“Isso está mudando”, diz Vieth, “mas é um processo lento e que deveria começar em casa, com meninas sendo ensinadas o poder da escolha. Nós não somos educadas para escolher, mas para aceitar, e quando a mulher chega na vida adulta ela não tem poder de escolha sobre sua vida, seu corpo, sua profissão, ela vai repetindo o que lhe foi ensinado, que mulher tem de fazer tarefas domésticas e aceitar a superioridade masculina”, sublinha a psicológa.
Para as entrevistadas, as famílias devem ensinar meninas a reconhecer seu valor, para que quando adultas busquem relacionamentos onde possam compartilhar suas vitórias, afinal, uma menina empoderada é uma mulher empoderada, que se reconhece enquanto principal agente de sua felicidade e decide livremente sobre sua vida.
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