ESPECIAL MULHER

Transexuais: agora é que são elas

A batalha de mulheres que nasceram em corpo masculino pelo reconhecimento, mudança de nome e aceitação na sociedade

Larissa Dominici

Larissa, 19 anos, estudante de psicologia. Nascida no Rio de Janeiro, mudou-se para São Luís há cinco anos. Chegou para jogar voleibol na Seleção Maranhense e optou por ficar em definitivo. Uma história normal, não fosse por um detalhe – Larissa nasceu André. Desde pequena, ela conta que se sentia diferente, mas não sabia entender o que acontecia. Quando cursava a primeira série do ensino fundamental, viveu o primeiro dilema. “Todas as manhãs, precisávamos nos organizar em filas, uma de meninos e uma de meninas. Eu sempre ia para a fila de meninas porque me sentia assim, mas a professora me tirava pelo braço. Eu me perguntava o porquê de estar errada”, revela.

A transexualidade, condição de Larissa, é explicada de maneira bastante simples pela Presidente do Conselho Regional de Psicologia do Maranhão, Nelma Pereira da Silva. “Uma pessoa transexual é aquela que nasce biologicamente pertencente a um determinado sexo, mas sente-se, percebe-se e tem a vivência psíquica de pertencer ao outro sexo”, esclarece.
Larissa, assim como muitas pessoas transexuais, teve dificuldades para entender-se. Por não se sentir confortável para conversar sobre o tema com os seus familiares, conheceu a transexualidade através das redes sociais. E foi através delas que descobriu os procedimentos que necessitaria fazer para tornar-se uma mulher completa – tratamentos hormonais, acompanhamento médico e psicológico, além da cirurgia de redesignação sexual.
“Você não escolhe ser transexual, você já nasce transexual. Eu nunca me vi como um garoto, eu sempre fui uma menina. Eu era uma garota com um tipo de flor diferente. Era um objeto estranho no meu corpo”, Larissa Dominici.
O procedimento foi realizado na Tailândia, país que é referência internacional para cirurgias de “mudança de sexo”. Entre internação, tratamentos psicológicos, cirurgia e pós-operatório, foram três meses de acompanhamento constante, o que não havia conseguido em São Luís. Hoje, Larissa leva uma vida normal e é feliz. Mas enfrentou dificuldades em muitas esferas da sua vida – na escola, onde era tratada como menino por vários professores; nas redes sociais, quando frequentemente sofria de comentários negativos, ou mesmo no amor, quando sofria com o preconceito de homens que não a viam por quem era, senão por como inevitavelmente nasceu.

“Saía com meninos, mas evitava qualquer tipo de afetividade. Sentia peso na consciência por não saber como abordar o tema. Com um garoto, depois de três encontros, não consegui me conter e nos beijamos. Depois postamos uma foto na rede social e as pessoas começaram a escrever para ele coisas do tipo ‘Ela já fez a cirurgia?’, ‘Ah, você está ficando com um conhecido meu da escola, que é o maior veadão’”. Conversaram, mas a reação não foi positiva. Ele alegava ter sido enganado. Deixaram de sair e perderam o contato. A não aceitação já levou Larissa a tentar o suicídio em algumas ocasiões. “Eu pensava: vou tirar a minha vida porque não vou fazer diferença para ninguém, ninguém gosta de mim, me aceita, então vou logo terminar com isso”.

Hoje, namora alguém que diz apoiá-la e protegê-la. Sonha em ser uma profissional exitosa e a ajudar pessoas que enfrentem situações parecidas à sua. “Eu penso muito em dar palestras, em ajudar famílias, porque é muito complicado você nascer diferente e não saber como expressar isso para alguém que você ama. Penso em me formar, em fazer uma especialização, e me voltar pra essa área, pra ajudar essas pessoas e ser um ponto de referência na vida de alguém”, afirma.
Defesa dos direitos

Larissa é apenas um exemplo das muitas lutas que as pessoas trans vivem dia a dia. Andressa Sheron Santana, presidente da Associação Maranhense de Travestis e Transexuais (Amattra), descreve a luta da organização contra os preconceitos gerados pela incompreensão sobre as identidades de gênero.
“Nosso objetivo é lutar pela inclusão das identidades de gênero das mulheres travestis e de mulheres e homens transexuais. Queremos politizar e empoderar as mulheres e homens trans sobre seus direitos e deveres”, afirma.

Questionada sobre a dificuldade que pessoas transgênero encontram para lidar com a sua identidade dentro de casa, comenta: “Para que os nossos pais se adaptem a isso é bem difícil, porque eles não estão acostumados à ideia. Porque a primeira coisa que os pais têm é expectativa. Pensam ‘vou ter um filho homem’; não pensam primeiro no bem-estar da criança. Então, quando vêm essas identidades, de certa forma elas rompem com as expectativas para o filho, mas esquecem que ele nunca foi perguntado sobre quem ele quer ser”, declara.
Nome social

“Qualquer pessoa que comprovadamente viva o papel social de um sexo oposto ao seu e pode comprová-lo, pode requerer o registro de um nome social”, afirma a defensora pública Lourena Moniz, titular do Núcleo de Defesa de Mulheres e da População LGBT. O direito é garantido em lei em alguns âmbitos, como no funcionalismo público federal, nas instituições de ensino, nos registros de boletim de ocorrência, na realização de certames, como o Enem, e também nos registros públicos e documentos civis. Segundo a Defensoria Pública Estadual, para tramitar nome social, o(a) interessado(a) deve comparecer à sede do órgão, no bairro do Centro, em São Luís, portando: documentos de identificação pessoal, fotos que comprovem o papel social do gênero com o qual se identifica, além de apresentar testemunhas. O serviço é gratuito.

Diferenças
Transexual/travesti: indivíduo que nasce biologicamente pertencente a um determinado sexo, mas sente-se, percebe-se e tem a vivência psíquica de pertencer ao outro sexo. A principal diferença entre ambas as categorias é a autoidentificação e os valores socioeconômicos do ambiente em que vivem. Anteriormente, costumava-se distinguir estas categorias pela vontade de realizar ou não cirurgia de redesignação sexual.
Drag queen: artistas performáticos que se vestem com roupas femininas, independente da sua identidade de gênero, para apresentações e shows, através da criação de personagens.

Cross dresser: pessoas que usam roupas associadas ao gênero oposto no dia a dia, por interesse ou fetiche.

Violência contra trans

Segundo dados da ONG Transgender Europe, o Brasil é o país no qual ocorre o maior número de mortes de indivíduos transgêneros por ano, desde 2008. No último levantamento oficial sobre a violência homofóbica no país, coordenado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República no ano de 2012, 9.982 violações de direitos foram registradas em todo o território nacional, sistematizadas em 3.084 denúncias. Destas, 105 ocorreram no estado do Maranhão, no qual o índice cresceu 56,7% em comparação ao ano anterior. No entanto, os dados são reconhecidamente subnotificados, em virtude de dois principais fatores: a categorização incorreta de pessoas transexuais como homossexuais, em algumas estimativas, além da dificuldade no acesso aos meios de proteção para a população LGBT.

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