ARTIGO

Parte do Maranhão que Ficou Órfã

“… ‘seu doutô’ uma esmola, para um ‘home’ que é são, ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão…” Estes versos, imortalizados na canção “Vozes da Seca”, cantada por Luiz Gonzaga, descrevem a forma como os governos ditos “conservadores e de direita” tratavam os Nordestinos flagelados pela falta de chuvas, que é a regra, […]

“… ‘seu doutô’ uma esmola, para um ‘home’ que é são, ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão…” Estes versos, imortalizados na canção “Vozes da Seca”, cantada por Luiz Gonzaga, descrevem a forma como os governos ditos “conservadores e de direita” tratavam os Nordestinos flagelados pela falta de chuvas, que é a regra, em parte significativa desta região, e não a exceção como a trata quem tomava decisão política outrora e o faz atualmente, de forma muito mais despudorada.
“Nordestinos” então (estamos falando dos anos quarenta a setenta) eram considerados apenas aqueles brasileiros que moravam do Piauí até a vastidão da Bahia. O Maranhão estava fora daquela classificação geográfica porque por aqui tínhamos, como continuamos tendo, mais características de Amazônia. Éramos Meio Norte.
No final dos anos quarenta e início dos anos cinquenta, Celso Furtado havia liderado o GTDN, que fez um diagnóstico de todo o Nordeste, discorrendo sobre as causas da sua pobreza e dos desníveis em relação às regiões mais ricas do País. Dentre as soluções propostas no documento está escrito que o Maranhão deveria ser o estado receptador das populações excedentes tangidas pela seca do Nordeste semiárido.
Decorrido pouco menos de meio século daquele vaticínio, nos anos noventa, o Maranhão havia se transformado no estado com a maior taxa de emigração do Nordeste, ao qual passou a integrar pela geografia oficial. No começo dos anos oitenta o estado estava entre os três maiores produtores de arroz do Brasil. Em 1982, o Maranhão atingiu um luminar de produção agrícola que nunca houvera conseguido antes. A produção per capita de arroz, feijão, mandioca e milho, predominantemente praticada no estado por agricultores familiares, atingiu um pico que nunca mais foi alcançado. Por que será?
Naqueles anos áureos, o Maranhão tinha uma única e eficiente Secretaria de Agricultura. Possuía a EMATER que provia assistência técnica, extensão e fomento rural. Havia a EMAPA que gerava pesquisa para os agricultores maranhenses. Foi naquele ambiente fértil que surgiu o curso de Engenharia Agronômica da UEMA. Até então prevaleciam no Maranhão os Agrônomos formados pela minha querida Escola de Agronomia da Amazônia, hoje Universidade Federal Rural da Amazônia em Belém.
Nesta semana estive na microrregião do Munim, visitando alguns povoados do município de Morros, em trabalho que eu pretendo transformar em livro. Ali eu observei consternado o que a música de Gonzagão já denunciava nos anos cinquenta do século passado. Homens e mulheres ainda no vigor dos seus menos de quarenta anos dependendo de “esmolas”. Chegamos numa das casas para entrevistar o agricultor que ainda estava na roça. Encontramos na sua casa de taipa, paupérrima, uma esposa no apogeu dos seus trinta e poucos anos, e quatro crianças menores de dez anos. A família recebe mensalmente R$463,00 do Programa Bolsa Família. Aquele programa que alegam ter tirado 40 milhões de brasileiros da pobreza e que foi um dos “carros chefes” do estelionato que foi a eleição da atual Presidente. Uma aritmética simples mostra que este valor equivale para aquela família uma renda per capita mensal de R$77,00 ou R$2,57 por dia. Bem distante dos quase oito reais (dois dólares diários por pessoa) preconizados pelo Banco Mundial para ultrapassar a tal “linha de pobreza”.
Às 17:30 chegou o pai, vindo da roça que deveria prover a renda e a comida da família, trazendo um feixe contendo não mais do que cem gravetos de “manivas” que, segundo ele, seria servido como comida para o animal da família. Perguntei-lhe como estava a roça. Ele disse que tinha preparado apenas uma linha (0,3 hectares) e que iria ‘prantar’ somente mandioca. Perguntei-lhe se não iria cultivar arroz, feijão e milho. Ele respondeu que não dava mais para ‘prantar’ esses ‘ligume’. O local está muito seco, o solo ficou muito arenoso. Perguntei-lhe se ele recebe alguma assistência técnica do Estado ou do Município. Falou que nem sabia que isso existia. Indaguei-lhe se já havia ouvido falar do PRONAF. Ele perguntou do que se tratava. Detalhe doloroso: Ele faz parte do contingente de quase um milhão de maranhenses analfabetos, maiores de 15 anos. Ele apenas confirmou o que já havíamos constatado entrevistando outros agricultores naquele, e em outros povoados desse e de outros municípios maranhenses. Sem assistência técnica não tem como buscar alternativas para produzir na sua área.
Hoje os governantes se dizem de “esquerda, progressistas e populares”, mas o tratamento que devotam para aquela gente é o mesmo daqueles a quem dizem ser de “direita e reacionários”. A diferença é que hoje o estado importa o que produzia em abundância no passado, e “exporta” mão de obra sem qualquer qualificação. Por isso, talvez o mais adequado fosse fomentar programas como: Mais Assistência Técnica, Mais Pesquisa, Mais PRONAF, Mais Professores, Mais Educação e MENOS Analfabetos, em vez de Mais Bolsas. Somente assim teremos alguma chance de sair do marasmo atual, com homens e mulheres trabalhando tendo rendas e vidas dignas.
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