EDITORIAL
Uma reação inexplicável
A inédita prisão de um senador da República, em pleno exercício do mandato, confirma que as instituições do Estado democrático de direito estão funcionando. Mas tem também o lado negativo. Revela o preocupante despreparo e o comportamento discutível da chefe do governo, de seus principais ministros e das lideranças do partido no poder. Afinal, Delcídio […]
A inédita prisão de um senador da República, em pleno exercício do mandato, confirma que as instituições do Estado democrático de direito estão funcionando. Mas tem também o lado negativo. Revela o preocupante despreparo e o comportamento discutível da chefe do governo, de seus principais ministros e das lideranças do partido no poder.
Afinal, Delcídio do Amaral (PT-MS) não é um senador qualquer. A ele foi confiada a delicada e crucial tarefa de exercer o papel de principal negociador das políticas oficiais no Senado Federal, na condição de líder do governo naquela Casa. A depender de sua inegável vocação para costurar consensos, estavam projetos fundamentais para o ajuste fiscal e os encrencados orçamentos de 2015 e 2016.
Nem isso fez que a presidente Dilma Rousseff rompesse o sintomático silêncio em que se fechou, desde a manhã de quarta-feira, quando a Polícia Federal levou preso o senador, por ordem do ministro do Supremo Teori Zavascki, relator da Lava-Jato. Naquele dia, a presidente receberia a Seleção Feminina de Handebol no salão nobre do palácio, com a presença da imprensa. Ao saber da prisão, transferiu o evento para sala fechada, longe dos repórteres. Sobre o líder no Senado, nem uma palavra. Sobrou a pergunta: o que Dilma não queria responder à imprensa?
A estranha reação não foi isolada. Pelo contrário. Rapidamente, Rui Falcão, o presidente do Partido dos Trabalhadores, ao qual Delcídio é filiado, emitiu nota atirando o senador aos cães. Para a cúpula do PT, os atos do senador, revelados pelas investigações, nada tinham a ver com o partido, o que dispensa a agremiação de qualquer ação ou manifestação a seu favor. No partido, já se fala em expulsão. Nem parece o mesmo PT que transformou em heróis quase santificados José Dirceu, Del[ubio Soares e José Genoino, condenados no mensalão, e João Vaccari Neto, tesoureiro preso pela Operação Lava-Jato.
Não custou barato. Na noite da prisão, o partido acabaria expondo seus constrangimentos e sua falta de argumentos em histórica sessão do Senado, chamado a manter ou negar a prisão decretada pela Justiça. Acabou levando duas contundentes derrotas. Primeiro, por defender o voto secreto, negado pelo voto da maioria dos senadores. Depois, por querer libertar o preso, ideia largamente derrotada pelo plenário.
De onde viriam tão equivocadas orientações? Pode não ter sido do ex-presidente Lula, o principal líder do PT. Mas, provocado, o que ele teria comentado durante almoço na sede da CUT não recomenda o líder do governo no Senado. Lula, segundo participantes do evento, disse que o senador fez uma “coisa de imbecil”, uma grande “burrada”, em referência às acusações de que Delcídio estava atrapalhando as investigações da Lava-Jato.
Tentando desesperadamente evitar qualquer ligação com o senador preso e com os motivos que levaram mais uma de suas lideranças ao xadrez, a presidente e seu partido acabaram por provocar mais uma paralisia do governo e do Congresso. Na quinta-feira, o Congresso deveria ter votado projeto de alteração da meta fiscal de superavit de 1,1% do PIB no execício de 2015, passando-a para deficit de R$ 119,9 bilhões (com as pedaladas). Com isso, a presidente terá de publicar na segunda-feira decreto de contingenciamento de gastos que vai paralisar grande parte dos serviços do governo federal. É mais um sacrifício imposto a quem mais precisa desses serviços.
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