EDITORIAL

Sintoma do descalabro

São milhões os brasileiros de boa-fé que não fizeram parte nem foram beneficiados por milionários esquemas de propinas ou de qualquer outra rendosa armação para desviar dinheiro público. Há, hoje, um sentimento que os une e um desejo que os aproxima: estão cada vez mais indignados com a enxurrada de escândalos que assola e envergonha […]

São milhões os brasileiros de boa-fé que não fizeram parte nem foram beneficiados por milionários esquemas de propinas ou de qualquer outra rendosa armação para desviar dinheiro público. Há, hoje, um sentimento que os une e um desejo que os aproxima: estão cada vez mais indignados com a enxurrada de escândalos que assola e envergonha o país e não abrem mão de ver os responsáveis severamente punidos.
São a maioria, felizmente. Por isso mesmo, o melhor que se faz é respeitá-los. Frustrá-los com novos deslizes ou com espertezas destinadas a aliviar as penas que merecem os que se aproveitaram de cargos públicos para enriquecer será provocar mais indignação e revolta. Se a legislação é frouxa e favorece o criminoso possuidor de recursos financeiros, é urgente mudá-la, especialmente se se trata de assalto ao dinheiro que anda faltando para a saúde, a segurança e a educação públicas.
É dentro desse contexto que a extradição do ex-diretor de marketing do Banco do Brasil no governo Lula, Henrique Pizzolato, da Itália, foi recebida como uma vitória da sociedade brasileira. Ele era o único condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no processo do mensalão que não cumpria pena no Brasil e, desde 23 de outubro, graças aos esforços do Ministério Público Federal (MPF), divide uma cela do presídio da Papuda, em Brasília, com um dos condenados de um escândalo dos anos 1990, conhecido como Anões do Orçamento.
Mas, em meio à discreta comemoração desse sucesso, passou quase despercebida a informação do procurador da República e secretário de Cooperação Internacional do MPF, Vladimir Aras: “Se cumprir todas as regras, ele poderá comemorar a festa de São João no regime semiaberto”. Como se sabe, os mastros que homenageiam o popular santo, que teria batizado Jesus nas águas do Rio Jordão, são erguidos à véspera de 24 de junho.
Ou seja, Pizzolato cumprirá regime fechado no Brasil por apenas oito meses. Depois disso, vai passar apenas umas horas por dia na cadeia, podendo desfrutar do conforto do lar e de passeios pela cidade, ainda que com uma tornozeleira encoberta pela roupa. É que, segundo juristas, basta ao condenado de bom comportamento cumprir um sexto da pena para ter direito a essa progressão. Mais: os 18 meses em que Pizzolato ficou preso na Itália contam para abreviar esse tempo.
Não será fácil explicar isso ao comum dos mortais, até porque foge ao bom senso. Pizzolato não é um “ladrão de galinhas”. Não levou pena pesada — 12 anos e sete meses — à toa, mas por crimes de lavagem de dinheiro, corrupção passiva e peculato dentro do mensalão petista. Ele foi acusado de um repasse irregular de R$ 73,8 milhões do Banco do Brasil para a agência de publicidade de Marcos Valério.
Mas Pizzolato fez mais: falsificou documento de identidade de um irmão falecido para, em 2013, fugir do Brasil e se abrigar em sua segunda cidadania, a italiana. Para isso, cumpriu roteiro que deixa claro o quanto arquitetou para zombar da Justiça e da sociedade brasileiras. O Ministério Público pretende cobrar-lhe o custo da extradição (cerca de R$ 700 mil), mas isso é pouco ante a constatação de que terão valido a pena o crime e a fuga. É esse um claro sintoma do descalabro a que nos leva a permissividade das leis brasileiras. Urge torná-las mais desencorajadoras, para que possam, de fato, servir de instrumento contra a corrupção, como deseja a maioria dos brasileiros de bem.
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