ARTIGO

Honesto morre de fome

A história não é minha. Conto como li. Narro como foi escrita. O episódio oferece oportuno motivo para discuti-lo nestes tempos de falcatruas políticas espalhadas pelos muitos cantos do Brasil. O assunto tem importância à medida que nos transporta para uma reflexão – a ética. Conto um conto que diz respeito de um lugar imaginário […]

A história não é minha. Conto como li. Narro como foi escrita. O episódio oferece oportuno motivo para discuti-lo nestes tempos de falcatruas políticas espalhadas pelos muitos cantos do Brasil. O assunto tem importância à medida que nos transporta para uma reflexão – a ética. Conto um conto que diz respeito de um lugar imaginário onde todos os moradores são ladrões. Autoria: escritor e fabulista Italo Calvino. Que cada um julgue e tire suas conclusões.
A palavra ética há milênios desfrutou de prestígio. Impôs-se pelo significado, extensão e respeito pelos princípios defendidos. Sabedoria grega. Certos políticos resolveram desmoralizá-la, transformando-a em lugar comum. Destino, o lixo.
Não passa de um argumento que alguns usam, erradamente, à defesa própria quando acusados de desvio de conduta. Pouco se importam incorporar a ética, no dia a dia. Paulo Berti artista excelente do quadro global, pronunciando-se a respeito, quando tratava de questões condenáveis do seu partido (PT) com alguns “companheiros”, foi curto e grosso: “Não dá para fazer política sem meter a mão na m…” Condenável expressão. Merece ser destaque como a pior frase do ano. O compositor Wagner Tiso, competente no que faz, revelou-se um idiota, com outra frase infeliz, sobre o mesmo assunto. Lamentável: “Não estou preocupado com a ética”. Então, tá!
A política, bem verdade, não é espaço para se rezar o “Padre nosso” e menos a “Ave Maria”. Ninguém, entretanto, tem o direito de ensinar péssimas lições e maus exemplos aos jovens que sonham ingressar na política, iludidos com o que possam fazer de honesto. A propaganda eleitoral gratuita na TV, em horário nobre fala de tudo, menos de ética. Uma chatice.
Italo Calvino no conto “Ovelha Negra”, repassado de ironia escreveu sobre um país localizado no mapa da ficção e no qual só habitavam ladrões. O governo (o partidão), certo, pintava e bordava. Explorava o povo com absurdos impostos e promovia maracutaias. Como revide os prejudicados usavam de recursos desonestos para enganar os governantes. Sonegavam tributos, corrompiam funcionários, falsificavam documentos. A ação de um justificava a iniciativa criminosa do outro.
Quanto aos moradores desse país de reprovável conduta, qualquer semelhança é mera coincidência no planeta. Estabeleceram horário do furto coletivo: à noite. E como acontecia? Havia um consenso geral. Naquele horário saiam após planejamento sobre o que tirar do outro. Assim decidido ninguém se queixava. Todos tinham como se alimentar, uma vez que, os objetos de dentro de uma residência eram recuperados na casa do vizinho. Repito: um furtava do outro.
A harmonia consensual e delituosa quebrou-se ao chegar um novo morador. Reconhecidamente honesto recusou-se a participar da faxina suja. Como nenhum gatuno tirava nada da sua casa por permanecer na mesma, o vizinho ao lado no dia seguinte, não tinha o que comer, além de ficar sem os utensílios e a comida guardada na geladeira. Os habitantes incomodados formaram uma comissão de salteadores para censurar o forasteiro.
Disseram-lhe que prejudicava o “trabalho” dos colegas com tal comportamento. Alguém passava fome por sua causa. A quadrilha deu-lhe um ultimato: “Você tem que sair, ficar distante, e no horário combinado” – ou então…
O homem honesto obedeceu. Resolveu passear à noite e dirigiu-se para uma ponte, com bela paisagem. Sentia-se bem e feliz olhando as águas passarem mansas e limpas, motivo bastante para entretê-lo. E os bandidos fizeram um estrago. Levavam tudo da casa. Como não tinha mais nada, sem o que comer, nem queria furtar, selou a sorte: morreu de fome. Triste país que age assim. O Brasil? País cordial, geralmente infestado de gente ordinária.
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