FUNDAÇÃO

São Luís: fundada por franceses mas com alma brasileira

A tentativa de instalar uma França Equinocial no Maranhão, em São Luís, não foi bem-sucedida por conta da colonização portuguesa, que expulsou os franceses em 1615

São Luís foi fundada pelos franceses e colonizada pelos portugueses. Estes expulsaram os primeiros e, de posse das terras, implantaram um modelo administrativo caracterizado pela opressão, exploração, subdesenvolvimento e desigualdade social, que se estende aos dias atuais. Se diferente fosse, hoje poderíamos desfrutar de uma cidade mais próspera, igualitária e humana. É o que defende o pesquisador, especializado e referência em colonização do Maranhão, Antônio Noberto. Segundo ele, “o ‘Maranhão francês’ sempre foi forte e líder, mesmo que alguns insistam em não reconhecer esse momento”. Baseado em estudos realizados ao longo dos últimos 20 anos, Noberto avalia que “quando a França foi expulsa da capital levou consigo várias esperanças de um país melhor”. Passados 403 anos, a história mostra as consequências.
O ponto de chegada dos franceses no Brasil foi o Rio de Janeiro, em 1555, encerrando no Maranhão em 1615. Os portugueses já estavam nas terras e foram expulsando os franceses, tomando-lhes a região iniciando onde hoje é Natal, e instalando fortes. Os franceses habitavam a área do atual Vinhais Velho e foram vencidos pela força da relação diplomática entre Portugal e Espanha, e por não possuírem poder de armamento. Historiadores têm essa passagem como a primeira tentativa real de colonização do Maranhão. A Espanha, ao aliar-se com Portugal, queria proteger seus domínios e suas minas na região do Peru, ao norte.O Maranhão era uma das entradas para essas regiões mineradoras e uma das poucas áreas restantes do litoral brasileiro livre da ação portuguesa.Por isso, a expansão francesa preocupava. A colonização portuguesa, após a união da Península Ibérica, coincidiu com a expulsão dos franceses dessas regiões mais localizadas ao norte.
Uma vez na região, os franceses iniciaram o desbravamento. Para cá trouxeram diverso profissionais – artesãos, tecelões, sapateiros,alfaiates, serralheiros -além de astrônomos e religiosos. Construíram os fortes de Itapari, Sardinha e Cahur, fechando os principais pontos de entrada e saída. No pouco espaço de tempo, os franceses procuraram se unira os primeiros habitantes – os indígenas. Sem o apoio das tribos Tupinambás do Maranhão, não teriam condições de se estabelecer na região. A aproximação dos ‘mairs’ – como índios chamavam franceses – gerou um bom relacionamento que era a estratégia para o sucesso do desbravamento territorial e exploração das riquezas. Para manter essa relação e proximidade, os franceses criaram leis que protegiam os índios, preservando sua língua, cultura e ritos. Quando os precursores franceses Abbeville e d’Evreux chegaram ao Maranhão em 1612, encontraram índios pouco inclinados à cultura do chamado ‘homem branco’. Os índios, por sua vez, queriam se proteger da dominação violenta de Portugal. 
O objetivo era consolidar aqui a França Equinocial – o que se o berço comercial e base do processo de exploração na região. A França Equinocial ia do Para à Guiana e, durante esse desbravamento, os portugueses tomaram o território e trouxeram com eles as mazelas da opressão, dos altos impostos, da desigualdade social. O historiador relata que os índios não gostavam dos portugueses, chegando a apelidá-los de ‘peró’, que significa ‘mau’. Com os lusitanos instalou-se a era da ‘brigança’ – relativo a Bragança. “Com a expulsão dos franceses, quem perdeu foram os brasileiros”, diz ele, referindo-se à prosperidade que hoje representa a Guiana Francesa. “Há uma multidão pulando a cerca para se abrigar na Guiana por ser ali um país com qualidade de vida. Assim era para sermos no Maranhão,no Brasil, caso os franceses tivessem concluído sua missão”. 
Sonho da colonização frustrado
Durante a estada dos franceses na região, pouco mais de três anos, houve um período marcado pela paz, convivência harmoniosa entre diferentes religiões culturas, desenvolvimento e progresso. O pesquisador reconhece a porção exploradora desse relacionamento, algo “natural”, mas com a contrapartida que pressupunha o progresso. “Era, na verdade, uma relação leal entre colonizador e colonizado, onde o primeiro explorava a terra, mas possibilitava ao segundo a liberdade e a vida”. Com Portugal, segundo suas pesquisas, iniciou a turbulência, o controle e a matança. O pesquisador compara ainda a lista de nações colonizadoras que mais dizimaram, em que a França está em último lugar, ficando atrás de Inglaterra, Portugal, Espanha e Holanda. “O propósito francês também era desenvolver a região e se estabelecer aqui, ainda que houvesse o interesse nas riquezas”,afirma. Fato é que a ocupação dos franceses no Maranhão e em São Luís foi uma tentativa de colonização frustrada com a vinda dos portugueses.
Ainda assim, os gauleses deixaram sua marca. Uma destas foi a fundação da Vila de São Luís, em 1612, homenageando o rei Luís XIII, feito do corsário Daniel de La Touche, ‘Senhor de La Ravardière’. Desbravaram os rios facilitando a navegação e nomeando-os; construíram fortes, sendo o de Caillou o primeiro forte de pedra do país (hoje, área da Praia de Caúra e que nominou o bairro Calhau); abriram estradas ligando comunidades; mapeamento da região; nomearam a cidade e muitas igrejas; liberdade de culto; a organização geográfica da cidade; construíram o primeiro porto; traços da cultura; e referência aos primeiros habitantes com nomeação de área como Itapecuru e Araçagi. Destaca-se também o traçado da atual Praça Pedro II, que à época concentrava os poderes político/administrativo, justiça poder militar com os fortes e o religioso. Organização essa que e conserva atualmente com os palácios dos governos municipal e estadual, o Tribunal de Justiça e a Igreja da Sé.
“Os franceses tentaram fazer um país bonito, mais honesto e justo. Mas foram impedidos pelos portugueses”, diz o pesquisador. Ele aponta como maior consequência da expulsão dos franceses o legado negativo dos portugueses que “se arraigou na mente do povo”. O pesquisador enumera que tudo que consumimos vem de fora – do alimento ao objeto de uso pessoal, os meios de transporte e as tecnologias. “São resquícios de séculos atrás, de uma colonização portuguesa que tolhia e oprimia o colonizado, afastando-o do conhecimento e do desenvolvimento. Continuamos colonizados como antes”. Noberto acredita que se pode retomar uma nação que era vislumbrada com a estada da França no país. Ele reforça essa ideologia parafraseando dito que diz ser “o mundo feito pelos loucos, mas que sempre nessa loucura há um pouco de lucidez”.
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