2014

Mais de 20 adolescentes foram mortos enquanto respondiam a processo

Relatório elaborado pela 2ª Vara da Infância e Juventude de São Luís mostra que 29 adolescentes foram vítimas de homicídio antes do cumprimento de medida socioeducativa

Estudo elaborado pela 2ª Vara da Infância e Juventude de São Luís (2ª VIJ) – competente para apurar a prática de atos infracionais cometidos por adolescentes, monitorar e fiscalizar a execução das medidas socioeducativas em meio aberto e fechado – revela que 29 jovens que respondiam a processo foram vítimas de homicídio antes da apuração do crime ou cumprimento de medida socioeducativa. O número corresponde a 4% do total dos adolescentes (717) que figuravam em 910 ações judiciais referentes a autos de apuração, execução e procedimentos policiais.
De acordo com o documento “Justiça Juvenil em 2014: atos infracionais, medidas socioeducativas e óbitos”, concluído a partir da análise de processos distribuídos na 2ª VIJ no ano de 2014, a maioria dos adolescentes assassinados são do sexo masculino, afrodescendentes e morreram vítimas de causas externas, exclusivamente por homicídio.
O estudo apresenta, ainda, dados estatísticos sobre as ações que envolvem adolescentes em conflito com a lei, avaliando a execução de medidas socioeducativas de responsabilidade da vara, para responder às demandas.
Para o juiz titular da 2ª Vara da Infância e Juventude, José Santos Costa, o estudo tem o propósito de servir de fonte documental, que leve a uma reflexão por parte das autoridades e da sociedade quanto ao perfil, à atual situação dos adolescentes e do real alcance da Justiça.
“A sistematização dessas informações permitirá ações de enfrentamento diretas e efetivas, proporcionando melhorias no sistema de atendimento socioeducativo, como já vem ocorrendo internamente na 2ª VIJ,” enfatiza o juiz.
Números
O relatório mostra que foram distribuídos 1.493 processos à vara, sendo a maior parte (910) referente a autos de apuração, execução e procedimentos policiais (60,95%); 433 (29%) tramitações no Ministério Público e outros relativos a cartas precatórias, petições diversas e distribuições canceladas.
Nos 910 autos, figuram 717 adolescentes, já que em alguns casos um mesmo jovem responde por mais de uma ação judicial. Desse universo, pouco mais de 50% tiveram sua primeira passagem pela Justiça.
Em relação às decisões ou sentenças proferidas, para a maioria deles foram determinadas medidas socioeducativas (63,73%); em seguida, arquivamentos requeridos pelo Ministério Público (25,10%), nas seguintes situações que impedem a conclusão do processo: quando não há elementos suficientes para deflagrar a ação; quando o adolescente atingiu a maioridade; quando não foi possível localizá-lo ou, ainda, estavam ameaçados de morte, no decorrer do processo, e chegaram a óbito.
Dentre as principais medidas socioeducativas, há prevalência pelas realizadas em meio aberto. A liberdade assistida (160) e a advertência (156) foram as mais aplicadas, correspondendo a 35,01% e 34,13%, respectivamente. As demais foram internação (58 – 12,70%), prestação de serviço à comunidade (56 – 12,25%), semiliberdade (21 – 4,60%) e obrigação de reparar o dano (6 – 1,31%).
A pesquisa constata que a advertência – aplicada na maioria das vezes durante a audiência – foi a medida que apresentou o melhor índice de cumprimento pelos jovens. Já a liberdade assistida foi a mais aplicada, porém com alto índice de descumprimento e de reincidência/ reiteração.
Identificam-se 177 adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa em meio aberto, sendo 51 em prestação de serviço à comunidade e 126 em liberdade assistida.
Os resultados apontam que a maioria dos adolescentes é do gênero masculino. Em relação à faixa etária, a idade entre 17 e 18 anos possui uma maior concentração de adolescentes e jovens cumprindo medidas socioeducativas em meio aberto.
No que diz respeito aos atos infracionais praticados pelos adolescentes, o roubo é o mais frequente com 67,23%, seguido pelo tráfico de drogas (10,17%), associação criminosa (5,08%), homicídio (3,96%) e lesão corporal (3,96%).
Projetos
Diante das dificuldades apresentadas, a 2ª VIJ, no início de 2015, implantou o Projeto Eficiência, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que visa garantir agilidade e qualidade à prestação dos serviços jurisdicionais, oferecendo um plano prático de gestão, com orientações aos magistrados e gestores, capacitação de servidores e implantação de organização cartorária, método e rotina de trabalho de forma racionalizada, padronizada e equilibrada.
Para potencializar a execução das medidas socioeducativas, a unidade judicial implementou, em março de 2015, o projeto piloto “Monitoramento e fiscalização das medidas socioeducativas em meio aberto” que visa, dentre outras ações, a criação de um banco de dados atualizado mensalmente e a elaboração de um diagnóstico acerca dessas medidas.
Seguindo o que é preconizado pelas diretrizes que regem os direitos da criança e dos adolescentes autores de ato infracional, o juiz da 2ª Vara da Infância tem priorizado a aplicação de medidas não restritivas de liberdade como a advertência, liberdade assistida e prestação de serviço à comunidade.
“A 2ª VIJ vem se preocupando, também, em sistematizar informações acerca dos adolescentes ameaçados de morte e a notificação compulsória aos órgãos responsáveis em apurar os casos em que os adolescentes relatam tortura praticada por policiais civis e militares, no momento da apreensão dos mesmos, de forma que as providências legais sejam tomadas, conforme cada caso e, assim, contribuir para reduzir os abusos e desrespeito aos direitos desses adolescentes”, informa o magistrado.
Para José Costa, essas causas poderiam ser evitadas se existissem investimento em políticas públicas básicas, de redução da violência letal e a implantação do Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAM) – criado pelo governo federal, em 2003, e instituído oficialmente, em 2007, através do Decreto nº 6.231.
Por meio da pesquisa, foi possível verificar situações que prejudicaram a finalização do processo da forma esperada, ou seja, por meio de absolvição ou determinação de uma medida socioeducativa. As principais causas foram: quando adolescentes completaram a maioridade, não foram localizados ou, ainda, que estavam ameaçados de morte e chegaram a óbito.
Os dados foram apurados por uma equipe formada pelo juiz, secretária judicial, assessora judicial, assistente social, psicóloga, estagiárias de Serviço Social e Psicologia. Os dados foram organizados pelas servidoras Ana Letícia Barbosa Lima (psicóloga) e Maria Betânia Silva Magalhães (assistente social).
A metodologia utilizada na pesquisa foi de base quantitativa, através dos dados registrados no sistema Themis PG, de informações obtidas a partir dos processos distribuídos em 2014, e dos relatórios produzidos pelas instituições executoras das medidas socioeducativas referentes a processos oriundos de 2014 e anos anteriores.
A assistente social Maria Betânia Silva ressalta que o estudo aponta para uma impotência do sistema socioeducativo no Estado, situação que segundo ela, pode ser amenizada por meio de um trabalho preventivo e de uma articulação em rede.
“Os adolescentes em conflito com a lei, por estarem inseridos num universo de violência, estão num nível elevado de vulnerabilidade, vivenciando violações sejam como algozes da violência ou vítimas dela. Sob esse aspecto, o que vem ocorrendo ao longo dos anos é a elevação das taxas de homicídio contra adolescentes e jovens”, pontua a assistente social.
VER COMENTÁRIOS
Polícia
Concursos e Emprego
Esportes
Entretenimento e Cultura
Saúde
Negócios
Mais Notícias