Impactos indiretos

Quais os impactos do atentado contra Donald Trump para a política no Brasil?

O atentado contra Trump reacendeu a preocupação sobre violência política nos Estados Unido.

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atentado a tiro contra o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump, durante um comício no sábado (13), em Butler (estado da Pensilvânia), teve repercussão global e também pode produzir impactos indiretos sobre a própria política brasileira, onde o quadro de polarização cristalizada já dá as cartas desde os últimos processos eleitorais.

O episódio, às vésperas da Convenção Nacional Republicana que confirmará, pela terceira vez, uma candidatura de Donald Trump pelo partido à presidência dos EUA, não é inédito na história do país. Há um rol extenso de candidatos vítimas de ataques durante a disputa pela Casa Branca.

O cientista político Felipe Nunes, diretor do instituto de pesquisa Quaest e professor da UFMG, listou, em postagem feita na rede social “X” (o antigo Twitter), 10 episódios de atentados a presidentes ou candidatos nos EUA. Quatro deles morreram: Abraham Lincoln (1865); James Garfield (1881); William McKinley (1901); e John Kennedy (1963).

O atentado contra Trump reacendeu a preocupação sobre violência política nos Estados Unidos, em meio a um ambiente de forte polarização política − que os brasileiros também conhecem, com as devidas diferenças entre as realidades dos países.

O analista político Ricardo Ribeiro, da MCM Consultores, destaca que a corrida à Casa Branca sempre tem grande importância para o mundo, mas que o pleito deste ano ganhou contornos ainda mais acentuados para a política brasileira, “por causa das circunstâncias que envolvem o possível retorno de Trump ao poder e, no que diz respeito ao Brasil, suas conexões com a direita bolsonarista”.

Ele também traça um paralelo entre o episódio e a facada sofrida pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) durante ato de campanha em Juiz de Fora (MG), em 2018, ano em que ascendeu ao poder. Por tal lógica, Trump teria ampliado seu favoritismo na disputa presidencial americana, seja pela comoção gerada pelo episódio, o maior controle da narrativa política após o evento ou mesmo a redução de espaço para adversários políticos lançarem críticas em um momento sensível na sociedade.

“O atentado contra Trump, tal como o que aconteceu contra Bolsonaro em 2018, tende a impulsionar o favoritismo do candidato republicano. Dará a Trump, assim como ocorreu com Bolsonaro, condições para dominar a agenda da disputa e modular seu discurso, alternando momentos de mais radicalismo – Trump pode responsabilizar os democratas pelo ambiente de animosidade que teria favorecido o atentado – com o de moderação, com eventuais apelos para a diminuição da violência na campanha americana. E tende também a aumentar o engajamento do eleitorado trumpista na campanha e na eleição. Tudo isso favorece a reeleição de Trump”, diz.

Para ele, no entanto, uma eventual reeleição de Trump não alteraria de maneira significativa as condições da direita na próxima disputa pelo Palácio do Planalto, nem elevaria as chances de Bolsonaro reverter sua inelegibilidade. “Mas serviria de combustível para os políticos e a militância de direita no Brasil e dificultaria a relação política e, talvez, até mesmo comercial e econômica entre o governo brasileiro e americano”, pondera.

O analista político Carlos Eduardo Borenstein, da consultoria Arko Advice, também destaca o sincronismo nos movimentos de grupos que ele classifica como “nova direita” mundo afora, com a principal referência na figura de Trump, e alguns fenômenos recentes observados pela ciência política, como a cristalização da polarização − já muito presente na sociedade brasileira − e um processo de radicalização das sociedades.

“As preferências partidárias ficam muito enraizadas. E a migração de um lado do espectro para outro fica cada vez mais restrita”, observa. Segundo ele, pesquisas recentes divulgadas pelos principais institutos brasileiros mostram que a opinião pública pouco se moveu desde a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2022.

Para o especialista, apesar de hoje não observarmos episódios de violência política na mesma intensidade no Brasil, a polarização, que se manifesta até mesmo em um aspecto afetivo − transbordando do sistema partidário e influenciando relações familiares e até negócios −, segue presente.

Mas ele não acredita em um aumento de episódios violentos no curto prazo no país. Por outro lado, a instabilidade da política americana pode ter algum efeito de contágio. “No Brasil hoje, como o pleito é municipal, não devemos observar um evento como uma tentativa de assassinato de algum candidato. Mas temos que observar como vai se dar esse processo nos EUA do pleito presidencial”, observa.

Um dos grandes diferenciais do momento da nova direita nos Estados Unidos e no Brasil, conforme pontua o analista, diz respeito à própria situação política de Bolsonaro, que está inelegível por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e não possui o mesmo controle sobre o Partido Liberal (PL) do que Trump em relação ao Partido Republicano.

Para Borenstein, o ataque a Trump pode ajudar o republicano no enfrentamento à imagem de “líder extremista” − estratégia que seria fortalecida por conta das dificuldades de democratas em atacá-lo nos próximos dias. A retórica também tem espaço para ser usada no Brasil, como alguns aliados de Bolsonaro já começaram a fazer.

O especialista, por fim, chama atenção para impactos menores de elementos econômicos sobre a decisão dos eleitores do que ocorria no passado. Para ele, a famosa máxima “é a economia, estúpido”, atribuída ao estrategista eleitoral James Carville, pode ser posta à prova. A avaliação é que o atual contexto de polarização política, tanto nos EUA quanto no Brasil, pode aumentar a correlação entre pauta de costumes e voto nos pleitos.

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