CRISE HUMANITÁRIA

Ianomami: o processo do genocídio dos seres humanos

Grupo de Ianomami com os restos mortais do massacre de Haximu na década de 90 do século XX. Na maior crise humanitária dos Ianomami assistência dos ministérios da Justiça e dos Povos Originários.

A Lei n. 2.889/56, de 30 anos, se baseia no massacre de Haximu, aldeia Ianomami. (Foto: Reprodução)

Antes mesmo de surgir o termo genocídio, os indígenas Ianomami ocupavam a mira do extermínio. Para designar crimes contra povos, grupos étnicos e religiosos a Lei n. 2.889/56, há 30 anos encontrou tipificação clara no massacre de Haximu, aldeia indígena dos Ianomami, localizada na fronteira do extremo do Brasil com sul da Venezuela.

Naquele momento grave do processo de extermínio dos indígenas, assim como na recente crise humanitária que vitima crianças e adultos Ianomami, o Maranhão marca presença dos dois lados: na defesa dos indígenas e no lado pedratório. 

O primeiro processo por crime de genocídio contra os Yanomami, instaurado em 1993, foi presidido por um maranhense da baixada: o delegado federal Raimundo Soares Cutrim, ex-deputado estadual por quatro mandatos e ex-secretário de estado de Segurança Pública do Estado do Maranhão. 

Antes de presidir o Inquérito policial, o delegado maranhense havia empreendido uma batalha na primeira tentativa de desintrusão dos garimpeiros da reserva dos ianomâmi, antecedendo a conclusão do processo de demarcação do Território Indígena. 

Em 1989, no governo do maranhense José Sarney (1985-1990) houve a transição do território para o estado de Roraima. Naquele ano, o delegado da Polícia Federal no Maranhão foi convocado para coordenar a operação ‘Selva Livre’, primeira grande movimentação para retirada dos garimpeiros da área, iniciada em 4 de janeiro de 1990. Centenas de agentes participaram da operação. Cada estado enviava em média 20 homens para se integrar ao grupo. Cutrim enfrentou a resistência dos garimpeiros e bateu de frente com a classe política de Roraima. Mas, cumpriu a missão.

Perimetral

O processo que desembocou na crise humanitária vitimando centenas de Ianomami em 2023, remonta quase meio século de permissividades, acentuada ao extremo nos últimos quatro anos. O marco inicial desse processo pode ser considerado a construção da Rodovia Perimetral no início da década de 70, em plena construção da Transamazônica. 

A ação do garimpo na década de 80 dizimou parte da população a ponto dos Ianomami serem reduzidos a menos de dez mil índios no território do Brasil. No final desta década Raimundo Cutrim recorda que estimativas davam conta de que ao menos 40 mil garimpeiros se espalhavam na topografia desenhada por montanhas, rios encachoeirados e uma densa floresta tropical dominante da ainda não demarcada Terra Indígena dos Ianomami. 

Por cerca de doze meses o delegado Cutrim permaneceu no local, dormindo em média duas ou três horas por noite. Nesse período colecionou malárias. Dezenas de inquéritos foram abertos durante a operação; dezenas de pistas clandestinas foram dinamitadas e centenas de aeronaves formam apreendidas. As apreensões tinham como lastro legal uma liminar que enquadrava as aeronaves para uso de crimes. Contou com várias aeronaves da FAB modelo conhecido como sapão. e outros para retirada de garimpeiros. 

Para evitar que os garimpeiros minassem as terras indígenas foram mapeadas todas as pistas que eram homologadas. As pistas eram nomeadas pelos proprietários. Por conta da ação de desocupação, o delegado maranhense foi taxado de persona non grata no estado de Roraima. “Todos eram favoráveis ao garimpo; a sociedade e a classe política, inclusive o governo do estado”, recorda o delegado.

Habitantes há mais de mil anos das Américas, os Ianomami são o maior grupo indígenas do Brasil e considerados uma relíquia antropológica. Há décadas atraem olhos científicos de todo mundo. O território Ianomami ocupa mais de 9 milhões de hectares dono Brasil e quase 10 milhões da Venezuela.

Das cinzas 

O estopim do massacre de Haximu foi uma rede, prometida pelo João Neto ao tuxaua Kerrero. Pelos relatos dos envolvidos na chacina, primeiramente foram quatro índios assassinados a espingarda. Era 15 de junho de 1993. Contrariando a cultura ianomâmi os corpos foram enterrados pelos garimpeiros. Mais tarde foram desenterrados e cremados, segundo a tradição milenar. 

Posteriormente houve a ingestão das cinzas dos mortos. Em episódios históricos de massacres, o costume dificultou a precisão do número de vítimas. No massacre de Haximu, ocorrido em 1993, foi um entrave na contagem das vítimas, alimentando especulações sobre o fato. A imprensa noticiou a ocorrência de pelo menos 16 mortos. 

O tratamento ritual dos ossos dos mortos é um ponto central e imprescindível da cerimônia funerária dos ianomâmi. Isso ocorre em dois tempos: primeiro, através da cremação e trituração dos ossos cremados são colocados em uma cabaça. No segundo tempo, essas cinsão são utilizadas em grandes rituais intercomunitários para serem enterrados perto da fogueira de seus familiares. Quando se trata de adulto e quando são crianças, as cinzas são misturada no mingau de banana e são ingeridas pelos participantes das festas. 

Em outubro de 1993, concluído o relatório do inquérito, Raimundo Cutrim recebeu o ofício elogioso do Procurador Geral de Justiça do estado da Paraíba, Luciano Mariz Maia, pelo extraordinário trabalho de materialidade e da responsabilidade da chacina da maloca Haximu, localizada em território venezuelano. Todos os indígenas mortos eram do Brasil. 

No relatório o delegado recomendava “a retirada imedia6ta da população garimpeira do território tradicional, por se constituir no principal fator de risco para a ocorrência de doenças que ameaçam a existência dos Ianomami”. O decreto presidencial de 12 de dezembro de 1989 reconhecia o prejuízo que os garimpeiros traziam à saúde, patrimônio, vida e segurança daqueles povos. 

Foi graças ao trabalho acurado do delegado maranhense que foram denunciados Pedro Emiliano Garcia (Pedro Prancheta), natural de São Luís (MA); Eliézio Monteiro Néri (Néri), de Trairoi (CE), Waldinéia Silva Almeida (Ouriçada), de São Mateus (MA), Juvenal Silva (Cururupu), natural da cidade maranhense do apelido; e Wilson Alves do Santos (Neguinho), de Codó (MA); e outros conhecidos apenas pelos codinomes, como Maranhão Uriçado, Carequinha, Goiano Doido entre outros. Todos, garimpeiros participantes do massacre de Haximu. Mais de 20 garimpeiros foram envolvidos. Cutrim pediu ao juiz federal Renato Pratos a prisão de 16 pessoas. 

A ação dos garimpeiros contra os Ianomami em Haximu configura o delito de genocídio. Quem usou primeira essa expressão foi o jurista R. Lemkin, conceituando como crime especial, consistente em destruir intencionamente grupos humanos, raciais, religiosos ou raciais. Pode ser cometido tanto em tempo de paz como em tempo de guerra.

ENTREVISTA

Raimundo Cutrim: “Os indígenas nunca foram vistos com bons olhos pela classe política”

Quarenta anos depois de se embrenhar nas matas da Amazônia para varrer garimpeiros das terras indígenas dos Ianomami, o delegado Raimundo Cutrim ainda mantém intacto o dossiê com copias de documentos que descrevem em minúcias a operação Selva Livre, assim como relatórios do processo de genocídio por conta do massacre de Haximu. 

Sem hastear bandeiras, o ex-deputado estadual por três mandatos é modesto em avaliar os embates que se envolveu para levar a cabo a missão de desocupação da área de reserva (1989), e mais retraído ainda quando fala do processo de genocídio (1993), o primeiro do país, presidido por ele. Seu relatório arrancou elogios do procurador da República. No período do inquérito era Aristides Junqueira. A requisição de Cutrim para presidir o inquérito foi sugerida pelo governo de Roraima referendado pelo trabalho primoroso realizado na operação Selva Livre em 1983. 

Cutrim recebeu O Imparcial em sua residência para lembrar o passado e compará-lo com esse momento da maior crise humanitária dos Ianomami.

O IMPARCIAL – O senhor participou da primeira desintrusão dos garimpeiros em 1989, antes mesmo da demarcação do território indígena Ianomami. É um crime reincidente? 

Raimundo Cutrim – A Operação Selva Livre precedeu a demarcação do Território Indígena Ianomami, condição para que houvesse a homologação. Esse era o objetivo da operação. Coordenei uma operação naquela região em 1989. Falo que a grande invasão ocorreu em 1987. Para se ter uma ideia: duas aldeias, entre elas a de Surucucu, foram praticamente extintas à época. Naquela invasão e nas outras, os índios viviam ali da pesca e da caça e estavam desprotegidos. Os garimpeiros levaram para lá a gripe que matava índios. Isso vem se arrastando ao longo de muitos governos, tanto estadual como federal. No massacre de Haximu em 1992, se verificou que a intenção era extinguir a etnia ou parte dela. A Lei do genocídio é de 1956 e deixa claro que o crime é a intenção de destruir grupo nacional ou étnico que está em seu artigo primeiro. 

O IMPARCIAL – De que maneira a classe política do estado de Roraima segue contribuindo para que o problema seja crônico? 

Raimundo Cutrim – Ali é área da União, mas há uma grande influência dos governos estaduais desde a época em que o Estado era território. Os indígenas nunca foram olhados com bons olhos pela classe política de Roraima. Essa situação de calamidade perpassa épocas. Embora os médicos missionários ali doassem suas vidas. O que se enxerga ao longo dos anos é que muitos que presidiram a Funai foram pessoas que não tinham a menor ligação com os índios. São nomeados pelo Governo Federal, mas que não tem nenhuma vinculação, identidade ou trabalho com os índios. Nem mesmo conhecem o povo indígena. A instituição não conta nem mesmo com os meios para realizar o trabalho. 

O IMPARCIAL – Como o senhor observa as medidas que estão sendo tomadas para mais uma retirada dos garimpeiros da reserva dos Ianomami? 

Raimundo Cutrim – É fácil em um gabinete se planejar ações. Quando se verifica a realidade se percebe que não é simples. As aeronaves voam naquela região apenas até às 17 horas, por conta da altitude. Lembro que muitas das vezes passávamos dias na mata por contas das aeronaves serem impedidas de pousar devido a chuva amazônica. Mesmo com o avanço da tecnologia, muitas vezes não funcionam instrumentos como radar devido os voos serem muito baixos. O que acontece em Roraima acontece em grande parte da Amazônia. Com os instrumentos como GPS você tem informações em tempo real sobre desmatamento. No entanto, nada é feito. Isso é falta de querer fazer. Sempre houve afrouxamento na fiscalização. Deixei a TI sem nenhum garimpeiro, mas eles foram voltando, voltando, ao ponto de não sabermos mais a quantidade deles. 

O IMPARCIAL – Quem retroalimenta essa relutância dos garimpeiros em continuar na área?

Raimundo Cutrim – O problema ali é a febre do ouro. A cabeça do garimpeiro funciona como de um jogador; todos os dias ele acredita que vai enriquecer. É uma história que precisa ser enfrentada com trabalho permanente. Não adianta fazer uma operação para depois retornar tudo como antes. A Funai não tem condições de fazer essa fiscalização sem a Polícia Federal. É um trabalho permanente, como quem enxuga gelo. 

O IMPARCIAL – Existem semelhanças entre os garimpeiros das terras ianomâmis e os madeireiros que agem em territórios indígenas do Maranhão?

Raimundo Cutrim – Eles são semelhantes. Acontece que o garimpeiro tem a intenção de dizimar os indígenas. Ouvia histórias de que, embriagados, a diversão deles era matar os índios que não tinham menor condições de defesa. Ali impera a lei do cão. 

O IMPARCIAL – O que o senhor sugere para enfrentá-los como estratégia? 

Raimundo Cutrim – Acho que precisa primeiro de uma equipe de saúde para que os indígenas se reestabeleçam e se zere novamente a presença dos garimpeiros e ali se instale uma fiscalização permanente. Acredito que tem de haver um trabalho na zona urbana de Roraima. Primeiro tem de haver um trabalho nos rios, evitando que as balsas naveguem e que as aeronaves voem para o garimpo. O aeroporto de Roraima chegou a ser um dos mais movimentados do mundo. Era um decolando e 50 querendo decolar. Hoje isso foi muito reduzido. Tem de haver também acompanhamento nos postos de combustíveis, evitando assim o abastecimento, e o transporte de alimentação. 

O IMPARCIAL – Circulou na rede fake news de que os índios seriam da Venezuela, isso tem algum fundamento? 

Raimundo Cutrim – A grande maioria dos ianomâmis está no Brasil. Aqueles que estão sendo resgatados são todos brasileiros. Não tem nada do lado da Venezuela. Evidentemente que os grupos se comunicam entre si. Já os garimpeiros vão do Brasil para a Venezuela, e nunca vice-versa. Os brasileiros costumam mover os marcos dos limites para garimpar no território brasileiro. 

O IMPARCIAL – O senhor concorda com o crime de genocídio praticado contra os ianomâmi? 

Raimundo Cutrim – Torno a afirmar que é necessário que se verifique o dolo. Se for caracterizado como crime de genocídio, acredito que alcançará vários governos, pois esse processo vem desde a década de 70.

Istvan Varga: “Bolsonaro incitou a expansão garimpeira”

Entre 1988 e 1991, o médico e antropólogo Istvan Varga trabalhou como consultor junto à Comissão pela Criação do Parque Ianomami (CCPY) na implantação do projeto de saúde para os Ianomami. À época o Território Indígena Ianomami ainda não havia sido demarcado. 

Como médico sanitarista da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (SES-SP) cabia a Istvan realizar um diagnóstico da situação de saúde dos Ianomami e dos invasores garimpeiros, demandados pela CCPY, pelo Ministério Público Federal e pela Secretaria Municipal de Saúde de Boa Vista. Nesse intervalo de tempo desenvolveu ações de atenção à saúde propriamente dita. 

Parte dessas informações subsidiou a criação da campanha “A todos os povos da Terra”, liderada pelo então senador por São Paulo, Severo Gomes (1924-1992), que levou à criação e demarcação da Terra Indígena Ianomami. A criação da TI acarretou em 1991 a transferência das atribuições de gestora da política de saúde para os povos indígenas, da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) para a recém-criada Fundação Nacional de Saúde (FUNASA). 

Parte dessa experiência está descrita na tese de doutorado de Istvan Varga: “Pelas fronteiras e trincheiras do indigenismo e do sanitarismo: a atenção às DST em comunidades indígenas, no contexto das políticas e práticas indigenistas e de saúde, na Pré-Amazônia”, de 2002.

Na avaliação do médico sanitarista, a contaminação por mercúrio, que é cumulativa nos organismos (inclusive dos garimpeiros) ao longo do tempo, é apenas um dos gravíssimos problemas acarretados à saúde dos Ianomami, pelas várias invasões garimpeiras em seu território. 

As cadeias de transmissão da malária, das infecções sexualmente transmissíveis (IST), da tuberculose e, mais recentemente, da COVID-19, também estão intima e inextricavelmente articuladas entre si nessa frente de expansão do garimpo. Essa expansão envolve predominantemente trabalhadores rurais provenientes do Maranhão. O impacto mais agudo, visível e dramático ocorre entre os Ianomami. 

Istvan Varga discorda da ideia de que os Ianomami “convivem” continuamente com a frente de expansão garimpeira, desde a década de 1980. “Essa frente sofre “altos e baixos”, determinados tanto pela oscilação do preço do ouro no mercado financeiro, como por conjunturas políticas regionais e nacionais (e mesmo internacionais) que a impulsionam ou arrefecem”, analisa. 
O garimpo de aluvião, além de contaminar as águas, a terra e os peixes com mercúrio, desbarranca os igarapés, “matando-os”, transformando-os em grandes lagoas barrentas em que a água não corre mais e os peixes morrem, ambiente propício para a reprodução do mosquito Anopheles, transmissor da malária (aos garimpeiros e aos indígenas).

“Numa comunidade Ianomami acometida pela malária, em pouco tempo o número de doentes que não podem mais caçar nem pescar (o que se agrava ainda mais com a morte dos peixes e dos igarapés, e a fuga da fauna), nem cuidar das roças, chega a níveis críticos, afetando diretamente a alimentação da comunidade inteira, que passa a se tornar cada vez mais dependente dos alimentos que eventualmente lhe sejam fornecidos pelos garimpeiros. Estes se tornam cada vez mais exigentes para fazê-lo, com trocas por serviços sexuais de mulheres, por exemplo, frequentemente as engravidando. Isso cria um devastador ciclo vicioso”, descreve Istvan Varga.

Para o sanitarista houve dois momentos de grande impulsão da frente de expansão garimpeira (ilegal); no final da década de 1980 e o recente governo Bolsonaro. Esses picos de afluxo de garimpeiros ilegais ao território Ianomami foram entremeados por um importante arrefecimento entre eles. 

“Como se sabe, vivemos um cenário generalizado de aquecimento global que, por si só, tende a acelerar a reprodução, por exemplo, de grupos de insetos – entre eles, os vetores da malária, de febre amarela, da dengue, da chicungunya, da zika e de outras arboviroses”, observa o médico. 

Para Istvan, não se pode confundir, entretanto, as consequências desse aquecimento global (ou das chamadas “mudanças climáticas”) com as da atividade garimpeira no território Ianomami: muito mais agudas e devastadoras. 

No entendimento de médico, com certeza houve um grande e rápido agravamento da situação sanitária dos Ianomami, previsível, já que desde a campanha eleitoral que levou Bolsonaro ao poder instigou a sanha tanto dos dos garimpeiros ilegais como dos madeireiros, ainda antes de sua posse. Na Presidência, a política adotada foi de legitimar a devastação. 

Com algumas jazidas de minerais na região do Alto Turi, na bacia do rio Maracaçumé, o estado do Maranhão não existe a frente garimpeira com alguma semelhança com as que atuam na Amazônia. A que mais ameaça os povos indígenas, na avaliação do médico, é a frente madeireira. Mas sem comparativo com os garimpeiros que ocupam as terras Ianomami. 

“É uma comparação difícil de fazer: são povos indígenas muito diferentes, vivendo em ambientes e contextos muito diferentes. Os povos indígenas no Maranhão vivem diferentes fases de contato com a sociedade envolvente, que correspondem a diferentes perfis epidemiológicos. Entre eles, podemos afirmar que os Awá são os mais vulneráveis, desse ponto de vista”, destaca.

Febre do ouro e malária na mesma bateria 

A grande alta do preço do ouro no mercado internacional, no final dos anos 1970 (cujo pico ocorreu em 1980), induziu o surgimento de um grande surto garimpeiro em vários estados da Amazônia, notadamente no Pará, Mato Grosso, Amazonas, Rondônia, Roraima e Amapá, acarretando também grande aumento na incidência da malária. 

A presença de garimpeiros maranhenses na TI Ianomami e em outras localidades do norte da Amazônia é predominante. Pesquisa do Departamento Nacional de Produção Mineral, realizada em 1990, indicava que 31,67% dos garimpeiros ativos no país tinham naturalidade maranhense, totalizando 92.358 indivíduos. 

Para que se tenha ideia da relevância desse número, em relação às demais naturalidades, considere-se que em levantamento do DNPM realizado em 1993, as demais naturalidades mais frequentes não chegavam a 7% do total de 291.727 garimpeiros brasileiros ativos (6,99% baianos; 6,53% mineiros; 6,28% cearenses; 6,25% paraenses). 

Em meados da década de 1980, com a progressiva queda da cotação internacional do ouro, os garimpeiros mobilizados nos anos anteriores começaram a retornar a seus estados de origem, entre os quais se destacava o Maranhão que em 1987, apresentou a maior casuística de malária registrada, até então, em toda a sua história: 56.627 casos notificados (a imensa maioria dos quais importados: em alguns municípios, mais de 95% dos casos), perfazendo um coeficiente de incidência de 1.180,9 casos/100.000 habitantes. 

A clara correlação entre os principais focos de malária, e o retorno de garimpeiros a suas localidades de origem, levou a Diretoria Regional do Maranhão da Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (Sucam) a proceder ao levantamento sistemático dos garimpos de procedência desses casos, que perdurou até 1993.

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