Desde que o motim de PMs começou, Ceará registrou 147 homicídios
Integrantes da corporação que pedem reajuste nos salários cruzaram os braços e têm promovido uma série de atos de protesto contra o governo local
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, garantiu nesta segunda-feira (24) que a situação no Ceará “está sob controle” e que “não há uma situação de absoluta desordem nas ruas”. Mesmo diante da alta de crimes — números da Secretaria da Segurança Pública cearense contabilizam 147 homicídios desde a deflagração do movimento paredista —, ele disse que, desde a chegada das tropas a Fortaleza, a quantidade de homicídios por dia está em queda: na sexta-feira passada, foram 37; no sábado, 34; e no domingo, 25. Números do estado, porém, destacam que a média é de 29 mortes violentas diariamente.
“As forças estão aqui subsidiariamente para atender a uma situação que nós entendemos ser temporária e que deve ser resolvida brevemente. Existe um indicativo de aumento de alguns crimes mais violentos, mas não há uma situação de absoluta desordem nas ruas. As pessoas estão nas ruas, nós circulamos nas ruas. Não existem, por exemplo, saques a estabelecimentos comerciais, nem nada disso. A situação está sob controle, claro, dentro de um contexto relativamente difícil em que parte da polícia estadual está paralisada”, analisou Moro, em coletiva no Palácio da Abolição, sede do governo estadual.
Segundo Moro, “o governo federal veio para serenar os ânimos, não para acirrar. Os policiais do país inteiro, não só do Ceará, são profissionais dedicados, que arriscam suas vidas, são profissionais que devem ser valorizados. É o momento de servir e proteger, acalmar os ânimos. Serenar é importante, temos que colocar a cabeça no lugar e pensar o que é preciso para que os policiais possam voltar a realizar o trabalho”, afirmou, depois de sobrevoar Fortaleza ao lado do ministro da Defesa, Fernando Azevedo, e do advogado-geral da União, André Luiz Mendonça.
A comitiva visitou Fortaleza para acompanhar a atuação das tropas da Força Nacional, do Exército e da Polícia Rodoviária Federal (PRF), formadas por aproximadamente 2,9 mil soldados e agentes, que foram deslocadas para a capital do Ceará para tentar conter o motim de policiais militares no estado. Há oito dias, integrantes da corporação que pedem reajuste nos salários cruzaram os braços e, desde então, têm promovido uma série de atos de protesto contra o governo local. Outro reflexo da insurreição de policiais foi a invasão de batalhões da PM: em Fortaleza, ao menos três seguem tomados pelos amotinados.
A princípio, os grupamentos do Exército permanecem no Ceará até a próxima sexta-feira, prazo estabelecido pelo presidente Jair Bolsonaro ao assinar a Garantia de Lei e de Ordem (GLO), que deu aval à atuação das Forças Armadas em Fortaleza e na região metropolitana. As tropas da Força Nacional e da PRF, por sua vez, ficarão no mínimo até a terceira semana de março. De acordo com Moro, o principal objetivo é garantir a segurança da população. Por enquanto, está descartada a atuação das equipes para a reintegração de posse dos batalhões invadidos.
“Nós temos que colocar a cabeça no lugar e pensar o que é necessário daqui em diante para solucionarmos essa crise específica, para voltarem os policiais a realizar seu trabalho. O governo veio para permitir que o estado possa resolver essa situação, sem que, nesse lapso temporal, a população fique desprotegida”, afirmou o ministro.
“Folhear a Constituição”
O ministro Fernando Azevedo reforçou o discurso de Moro. “As tropas da Defesa terão como principal missão a ordem pública e a segurança das pessoas e do patrimônio. Desde a Rio-92, nós já realizamos 140 operações de GLO. Então, acho que as Forças Armadas sempre deram uma resposta efetiva àquilo que os governadores, o país e a população solicitaram. Esta é mais uma”, analisou.
Para ele, o movimento dos PMs manifestantes no Ceará é ilegal. “Qualquer instituição fardada, seja ela das Forças Armadas, seja da Polícia Militar, tem que folhear a Constituição. Ela é baseada na hierarquia e na disciplina, e é vedado o direito de greve e de associações com fim político. Essa é a lei”, afirmou Azevedo.
Segundo André Luiz Mendonça, a expectativa do governo federal é de que a situação da segurança no Ceará seja solucionada o mais rapidamente possível.
“Queremos conclamar àquelas pessoas que estão envolvidas que adotem uma postura de retração desse movimento. A população do Ceará é quem sofre. E ela precisa confiar nas suas instituições e, entre elas, a polícia”, observou o advogado-geral da União. “O exemplo de todos os integrantes desse movimento é importante”, completou.
Episódio com Cid Gomes deflagrou envio das tropas
O envio dos agentes da Força Nacional e do Exército foram determinados, respectivamente, pelo ministro Sergio Moro e pelo presidente Jair Bolsonaro, a pedido de Camilo Santana, depois que o senador licenciado Cid Gomes (PDT-CE) foi baleado em Sobral, interior do estado, quando tentou furar um bloqueio de amotinados a bordo de uma retroescavadeira. Levou dois tiros de amotinados usando balaclavas, que ainda não foram identificados. No domingo, o parlamentar deixou o hospital para continuar o tratamento em casa. As duas balas e mais um fragmento continuam no corpo de Cid, que não vai tirá-los por determinação dos médicos que o acompanharam.
Governo local descarta negociação
O governador do Ceará, Camilo Santana (PT), se reuniu com a comitiva interministerial do governo federal para tratar da situação no estado e garantiu que não vai conversar com os policias militares enquanto os integrantes da corporação continuarem invadindo batalhões. “Continuarei apoiando e valorizando nossos policiais que cumprem com suas obrigações e honram a farda que vestem. A quem praticar ilícitos, o rigor da Justiça”, afirmou.
Camilo também disse que não pode extrapolar nas negociações, pois a oferta “está no limite do que o estado pode dar”. Para soldados, por exemplo, o governo propôs um reajuste de R$ 3,4 mil para R$ 4,5 mil, que deve ser pago em três parcelas até 2022.
“Sentamos e negociamos com as classes dos policiais, que saíram da reunião satisfeitos com o que foi fechado. Sempre permitimos o diálogo. O que não podemos permitir é que grupos da segurança façam o que estão fazendo, com carapuças, balaclavas, com armas que a Constituição deu concessão para protegerem a sociedade e ameaçando a sociedade. Ninguém está acima da lei. Sempre haverá abertura de diálogo e negociação, mas ninguém pode estar acima da lei neste país”, frisou Camilo.
Processos em série
O secretário da Segurança Pública do Ceará, André Costa, endossou o discurso do governador. Para ele, é inadmissível dialogar com “pessoas encapuzadas”, “indivíduos que cometem crimes” e “ameaçam cidadãos”. Por enquanto, 230 policiais militares estão afastados das funções por terem participado dos motins. Todos serão alvo de processos administrativos por parte da Controladoria- Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário (CGD) do Ceará. Outros 37 PMs foram presos por trocarem o serviço de vigilância pública para trabalhar em festas de carnaval durante o fim de semana.
Até o fechamento desta edição, seis dos 43 batalhões do estado continuavam invadidos.
Segundo Costa, “não há possibilidade de anistia” para os envolvidos nos protestos. “O que a gente não pode nunca é negociar com pessoas encapuzadas. Pessoas cometendo crimes e, inclusive, usando aparato da corporação, como viaturas, motocicletas da corporação, armas da corporação, para ameaçar cidadãos”, frisou.
De qualquer forma, o secretário está otimista e estima que a onda de manifestações dos PMs esteja normalizada até a próxima sexta-feira, mesmo sem considerar, assim como Moro, o deslocamento das tropas enviadas pelo governo federal para atuar na reintegração de posse dos batalhões.
“Não tem nenhuma previsão, até o momento, de reintegração. Não tem nada a se tratar sobre isso. Tudo isso pode ser avaliado. Tem que ser questionado aos representantes do governo federal. Mas tudo isso pode ser reavaliado. É um prazo inicial. A gente acredita que até lá (sexta-feira) consiga restabelecer a normalidade”, afirmou Costa.