Delator de Tiradentes teria fugido para São Luís e vivido seus últimos anos na ilha
Neste 17 de fevereiro, marca-se o bicentenário da morte de Joaquim Silvério dos Reis, o ‘traidor’ da Inconfidência Mineira. Segundo historiadores, o anti-herói veio morar na capital maranhense para fugir de escândalo
Às quintas-feiras, o local costuma reunir amantes e simpatizantes do reggae. Antes batizada de Praça da Criança, hoje Praça do Reggae, quem passa atualmente pelo Centro Histórico nem imagina que ali foi a primeira morada de Joaquim Silvério dos Reis, o delator de Tiradentes.
Neste 17 de fevereiro, ano em que se completa o bicentenário da morte dele, conversamos com historiador e vice-presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão (IHGM), Euges Lima, que nos apontou os fatos que comprovam a data da verdadeira morte do Coronel de Milícias, e de como a história, dele, assim como o próprio, é cheia de polêmicas e controvérsias.
Existe uma contradição quanto à data real da morte de Joaquim Silvério dos Reis. E este é só um dos pontos em que muitos textos biográficos diferem. Porém, o assento de óbito do mesmo encontra-se no Arquivo Público do Estado do Maranhão. “No referido Assento, está registrado que o Coronel de Milícias Joaquim Silvério dos Reis Montenegro, natural da freguesia da Sé da Cidade de Leiria, Patriarcado de Lisboa, faleceu no dia 17 de fevereiro de 1819, em São Luís, e que foi sepultado na Igreja de São João Batista”, diz o historiador Euges Lima.
O documento foi lavrado pela Catedral da Sé de São Luís. Porém, o túmulo de Silvério dos Reis que durante muito tempo foi identificado por uma lápide na Igreja de São João, localizada no Centro, devido a sucessivas reformas, acabou desaparecendo.
Segundo o pároco da Igreja de São João, padre Heitor Costa Moraes, os restos mortais dele podem ter sido retirados e enterrados em uma cova coletiva em que não houve identificação, mas também não se sabe onde. O Padre João Rezende, da Paróquia Nossa Senhora Aparecida, da Vila São Luís, confirma a informação da retirada do túmulo, mas acrescenta que os restos podem ter sido enterrados em ossário comum embaixo do piso da própria igreja, ou no Cemitério do Gavião. Esse mistério permanece. “O fato é que com as reformas ocorridas no Templo em décadas passadas que não observaram a importância histórica desses sepultamentos, o túmulo acabou desaparecendo, sem deixar vestígios e não sabemos atualmente o paradeiro dos seus remanescentes mortais”, aponta Euges Lima.
Silvério dos Reis ficou para a história do Brasil como: o delator, o anti-herói, uma persona non grata, sinônimo de traição, o algoz de Tiradentes (Joaquim José da Silva Xavier, 12 de novembro de 1746/21 de abril de 1792), o mártir da Inconfidência Mineira. Mas, segundo Euges, também é um personagem histórico pouco estudado, carente de biografias e esclarecimentos sobre passagens de sua vida e atuação na Inconfidência Mineira. “Historicamente falando, neste ano de 2019, um bicentenário, pois como foi dito, esse personagem controverso da história do Brasil, teve sua importância também para história do Maranhão e que poderá servir de estímulo para que possamos fazer o debate acerca de sua história e experiências aqui em São Luís, temática ainda tão cheia de sombras e poucas informações, enfim, uma oportunidade de se promover pesquisas que possam aprofundar, esclarecer e divulgar mais sobre sua existência e trajetória em São Luís e no Maranhão, entre 1809 a 1819”, espera Euges.
Euges Lima aponta que não há dúvidas quanto a permanência e residência de Joaquim Silvério dos Reis em São Luís durante os últimos dez anos de sua vida, entre 1809 e 1819, quando faleceu. “Provavelmente, retornou ao Brasil com a vinda da Família Real em 1808, vindo para o Maranhão no ano seguinte, pois, devido sua “delação premiada” ao movimento da Conjuração Mineira, ficou sem ambiente no Rio de Janeiro e em Minas Gerais, nesse sentido, se deslocou para o norte, o Maranhão, região distante de onde ocorreram esses acontecimentos e que tinha uma grande colônia portuguesa que o acolheu.
Em Joaquim Silvério dos Reis: Honra e Prestígio no Maranhão (1989), Manuel de Jesus Martins quis provocar uma indagação: ele foi delator para quem?
Professor assistente do Departamento de História da Universidade Federal do Maranhão, Manoel de Jesus Martins disse que “Silvério dos Reis veio para o Maranhão em 1809 porque aqui era outra unidade portuguesa, que nada tinha a ver com o Brasil. A vinda dele para cá foi estratégia no sentido de tirá-lo do foco”.
Já em São Luís, Silvério dos Reis teve uma vida de regalias, afinal , era mais uma autoridade portuguesa. “Sua importância na história do Maranhão se dá, na verdade, por conta de ter se tornando um personagem histórico célebre e que passou o resto de sua vida aqui em São Luís. Silvério dos Reis foi Coronel de Milícias, agraciado com o hábito de cavaleiro da Ordem de Cristo, o título de fidalgo da Casa Real e viveu em São Luís como membro da elite portuguesa local”, conta Euges Lima.
Conforme revela o historiador, estão registrados em Assentos de Batismos que Silvério dos Reis teve dois filhos em São Luís com sua esposa D. Bernardina Quitéria dos Reis, o Luiz, nascido em 1811 e o José, nascido em 1815, este, teve como padrinho o Doutor Físico Mor Antônio José da Silva Pereira e madrinha, D. Vicência Rosa, casada com o Tenente Coronel de Milícias Isidoro Rodrigues Pereira, influente e rico comerciante, politico que depois de viúvo, iria casar-se com Ana Jansen. “Ao se mudar para o Maranhão, Silvério do Reis, passou a assinar, acrescentando Montenegro ao seu nome que era um dos sobrenomes de seu pai, mas que até então não usava. Já no Maranhão, Silvério dos Reis, em requerimento, encaminhado a D. João VI, então Príncipe Regente, expõe seus problemas de saúde e velhice e a condição de habitante em terra estranha e sem bens, alegando que não teria mais muitos anos de vida, solicita então a sua Majestade que após sua morte, mantenha para sua mulher e filhos, a pensão anual de 400 mil réis que recebia do Tesouro do Maranhão, pedido recusado pelo Príncipe de próprio punho”, relata Euges Lima.
Na capital maranhense
Local das residências de Joaquim na Ilha
A primeira residência de Silvério dos Reis foi em uma edificação na Rua da Estrela, esquina com Rua de Nazaré, onde hoje é a Praça do Reggae. As ruínas da residência, que na década de 1980 funcionava como um bar, foram destruídas com a revitalização da Praia Grande (o projeto Reviver).
A segunda e última residência dele foi um sobrado que fica em frente à atual Praça do Reggae, na Rua de Nazaré, esquina com a Rua da Estrela, número 170. O registro fotográfico é do acervo do pesquisador e historiador Antônio Guimarães de Oliveira e consta no livro de sua autoria Becos & Telhados. No local funcionou vários negócios, sendo o último uma pousada e restaurante.