Previdência garante benefícios difíceis de ser cobertos pelo setor privado
Por conta própria, é possível contratar, por exemplo, um seguro de vida, que poderia substituir, com algumas diferenças, a pensão por morte
A reforma da Previdência em discussão pelo Congresso não é a primeira e, certamente, não será a última a ser proposta. Várias alterações já foram feitas em todos os benefícios desde que a Previdência Social foi criada oficialmente, em 1960. Uma constatação, no entanto, não mudou nesse período: o sistema previdenciário do Brasil continua sendo considerado um dos seguros sociais mais completos do mundo. Nas palavras do economista Kaizô Beltrão, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), certamente é “o mais generoso”. O secretário da Previdência Social, Marcelo Caetano, evita usar adjetivos, mas concorda que o sistema está entre os melhores. Ou seja, os benefícios pagos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) vão muito além da aposentadoria.
Afinal, não é em qualquer lugar que os trabalhadores têm direito a receber auxílio em casos de doença, ajuda de custo se tiver filhos, mesmo adotados, e garantia de uma pensão para os dependentes caso morra – que pode, inclusive, durar a vida inteira, de acordo com a idade do pensionista. Conseguir os mesmos benefícios, na iniciativa privada, com preço e abrangência similares ao que oferece o INSS, é inviável.
Por conta própria, é possível contratar, por exemplo, um seguro de vida, que poderia substituir, com algumas diferenças, a pensão por morte. O preço médio da apólice varia de acordo com a idade do segurado e o montante a ser recebido, mas poucas opções custam menos de R$ 100 mensais. A contribuição mínima para a Previdência Social equivale a 8% do valor do salário mínimo, o que significa que, atualmente, a parcela fica na faixa de R$ 70. Essa alíquota vale para quem ganha até R$ 1.659,38 mensais.
No caso de microempreendedores individuais, a alíquota é de 5% do salário mínimo, o que, em 2016, equivalia a R$ 44 por mês. Por menos de R$ 100, é impossível contratar o número de seguros a que o beneficário do INSS tem direito. Entre eles, além de aposentadoria e pensão por morte, entram auxílio-acidente, que indeniza o segurado que tenha capacidade de trabalho reduzida por sequela decorrente de acidente de trabalho, e auxílio-doença, que é concedido ao trabalhador que fica afastado por mais de 15 dias do emprego por problema de saúde. “Não tem seguro privado que oferte muitos desses benefícios. Desconheço, por exemplo, algum tipo de auxílio-doença nos moldes da Previdência”, afirma o pesquisador do Instituto de Política Econômica Aplicada (Ipea) Rogério Nagamine, especialista em previdência.
Auxílio-reclusão
Outro exemplo é o auxílio-reclusão, pago aos dependentes de segurado de baixa renda que forem preso. Atualmente, o benefício é pago a mais de 47 mil famílias que, em outros países, poderiam estar desassistidas. “Esse auxílio não é nem um pouco comum fora do Brasil. Há também países em que não existe um salário-maternidade como o nosso. Nos Estados Unidos, por exemplo, entra como se fosse no auxílio-doença”, explica o professor Kaizô Beltrão. No Brasil, esse auxílio é pago a qualquer segurada que precise se afastar do trabalho por motivo de parto, adoção e até aborto não criminoso. Na lista de benefícios do INSS, há, ainda, o salário-família, destinado aos trabalhadores carentes com filhos menores de 14 anos ou deficientes de qualquer idade.
O diferencial do Brasil, segundo Marcelo Caetano, não se explica pela quantidade de benefícios concedidos, mas pelas regras mais abrangentes. “Nossa estrutura, em termos de quais benefícios são concedidos, está compatível com padrão internacional. A questão é que, aqui no Brasil, você tem gente que se aposenta na idade de 50 anos, por exemplo. Quando você olha para a realidade internacional, isso não é comum de se observar”, diz.
Regras gentis
A aposentadoria brasileira, de fato, tem regras mais generosas que em outros lugares do mundo. A começar pelo acesso ao benefício e por sua manutenção. “Nos Estados Unidos, o teto é de US$ 2,6 mil, mas é reduzido se a pessoa tiver alguma renda fora da aposentadoria”, compara Beltrão. Com base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ele conta que, no Brasil, 81% da população masculina entre 65 e 69 anos está aposentada. Ainda assim, 30% dos homens nessa faixa etária trabalham.
Os pontos positivos da aposentadoria pública brasileira, segundo ele, são inegáveis. “Nenhum sistema tem uma taxa de cobertura tão alta. Aqui, você pode se aposentar com 100%, mesmo que depois da reforma fique um pouco mais complicado. Essa possibilidade não existe em outros países. Eles costumam pagar, no máximo, a metade”, comenta o professor. Como exemplo, ele cita a França, onde os trabalhadores se aposentam com 50% do salário de referência. “No Brasil, mesmo depois da reforma, já vai começar com 76% garantidos”, compara.
O percentual tem recebido críticas, mas, segundo Marcelo Caetano, é alto, dadas as comparações internacionais. “O piso de 76% não é alto somente ao comparar com outros países, mas também com o histórico recente do Brasil, quando valia o fator previdenciário sem a vigência da fórmula 85/95”, lembra. Com o fator, a aposentadoria ficava na faixa de 70%, segundo ele.
O vínculo com o salário mínimo é outro ponto positivo do sistema brasileiro. “Em outros países, varia. Nem sempre tem esse piso. Você encontra alguns países em que existe o vínculo da aposentadoria com salário mínimo, como a gente faz, mas também há vários países em que isso não acontece”, conta o secretário. Dadas as vantagens, ele garante que, mesmo com as mudanças propostas, a Previdência Social continua sendo um seguro muito bom em termos de cobertura, “extremamente vantajoso de se ter”.
“Nossa estrutura, em termos de quais benefícios são concedidos, está compatível com padrão internacional. A questão é que, no Brasil, você tem gente que se aposenta na idade de 50 anos”
Marcelo Caetano,secretário de Previdência Social