Jurista diz que morte de Teori fortalece a Lava-Jato
Ministro aposentado do Supremo, o jurista Francisco Rezek, acredita que a morte de Teori Zavascki fortalece e protege a investigação da força-tarefa
Nascido na pequena cidade de Cristina, no sul de Minas Gerais, o ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal José Francisco Rezek acredita que a morte do ministro Teori Zavascki blinda, de certa forma, a Operação Lava-Jato. A comoção que envolve o episódio limita a margem de manobra daqueles que pretendiam retardar ou sabotar o processo, que, na opinião do jurista, sofrerá apenas um pequeno atraso. “Até mesmo em honra da memória do relator, o tribunal tem consciência do seu dever de prosseguir no ritmo que ele havia podido imprimir ao caso.”
Aos 73 anos, completados em 18 de janeiro, Rezek sugere, em conversa com o Correio, que o decano da Suprema Corte, ministro Celso de Mello, assuma a relatoria da Operação Lava-Jato, já que era o revisor do processo na turma que dividia com o colega Teori. Para o advogado, é o caminho mais simples e sem questionamentos para se resolver a questão: “O ministro Celso de Mello, o qual, diga-se de passagem, não é alvo de nenhuma espécie de prevenção, seja por parte da acusação, seja por parte da defesa, sendo isso um fato notório.”
Em relação à escolha do novo ministro da Corte, Rezek é taxativo, o presidente Michel Temer não pode errar. “Ele não pode cometer sequer um acerto que não seja o melhor dos acertos.” Entretanto, o ex-presidente do Tribunal Superior Eleitoral sugere que o melhor caminho seja apostar em nomes dos tribunais superiores, especialmente, do Superior Tribunal de Justiça, “mais apropriado” ainda se for uma mulher. “Duas em 11 é pouco.” E, na opinião de quem já foi ministro das Relações Exteriores, o corintiano por influência da família e americano de coração comenta estar apavorado com o que pode se esperar do governo do presidente americano Donald Trump. Confira abaixo os principais trechos da entrevista.
O que pode acontecer com as investigações da Lava-Jato?
Nada que prejudique, contamine, que faça estancar o processo da investigação com suas diversas vertentes, com o feixe de processos que esse caso pôs à mesa da Justiça. O que há é um inevitável atraso, mas mínimo, dos trabalhos do Supremo Tribunal Federal, por conta dessa gravíssima perda que todos nós sofremos não só o processo, o Supremo, a Justiça, o poder público e a sociedade brasileira, com a morte inesperada e dramática do ministro Zavascki, que era o condutor ideal deste caso dentro do Supremo. Mas não é nada que represente um dano de alguma expressão para o curso do processo. Sobretudo porque, até mesmo em honra da memória do relator, o tribunal tem consciência do seu dever de prosseguir no ritmo que ele havia podido imprimir ao caso.
A tragédia blinda as investigações?
Acho que sim. Acredito que esse episódio, desastre, infausto que atingiu a todos, limita seriamente a margem de manobra que alguns invasivos, interessados em retardar o processo, em sabotar esse ou outro aspecto do processo. Ficou mais difícil para os inimigos do processo.
Como o senhor acha que o STF deve proceder quanto à relatoria?
Embora a regra geral seja esperar a nomeação de um novo ministro, o Supremo fez ver e o governo deixou claro, de modo expresso até, que uma coisa não deve depender da outra. O novo ministro virá na hora certa, não deve demorar muito, mas há um tempo para que o presidente da República faça uma escolha sensata. Tudo que se discute é a questão de saber como redefinir, dentro da composição atual do Supremo, a relatoria. As opiniões se dividem porque o regimento interno é bastante flexível na sua ambiguidade, o que não é mau, é bom. As regras são um tanto flexíveis e é por isso que as pessoas hoje estão opinando pelo sorteio da nova relatoria entre os membros do tribunal em plenário ou apenas entre os membros da segunda turma.
E a sua sugestão?
Nem uma coisa, nem outra. A redefinição dessa relatoria não deveria depender da dança das bolinhas de madeira dentro daquela esfera de ar, nem sei se ainda se sorteia assim. Qualquer que seja a metodologia, esse é o bom caminho. Somos um país dividido por várias razões relacionadas ao nosso passado recente e certos aspectos da divisão repercutem sobre o tribunal. Existem hoje no Supremo alguns magistrados que ora inspiram alguma ansiedade, alguma inquietude, algum temor, a um dos lados do conflito no processo penal, ora a outro setor. Ou seja, se dependêssemos do sorteio, alguns nomes seriam vistos com extrema apreensão pelo lado da defesa dos réus, e outros seriam vistos com extrema apreensão pelo lado da acusação. Porque se manifestaram, conhece-se a posição e até os sentimentos mais íntimos desse ou daquele magistrado a respeito do caso. Acho que o tribunal se exporia muito a uma situação de constrangimento se deixasse que a roleta da sorte definisse o novo relator, quando o caminho mais simples é resolver essa questão à luz de uma lógica elementar: designar relator quem até hoje vinha sendo o revisor da turma. O revisor é o número dois.
E por que não o novo ministro?
Uma das diversas razões pelas quais não convém esperar por um novo ministro é o fato de que esse novo ministro chegaria ao tribunal sem nenhum conhecimento do processo e, se ele conhecesse, seria pior ainda. Esse é o motivo pelo qual, no passado, na história da nossa República e do Supremo, existem sempre candidatos naturais. O mais natural vinha sendo, na história do Supremo, o procurador-geral da República. Não faz muitos anos que se quebrou essa tradição. Mas, o fato é que, hoje, por força das circunstâncias, o procurador-geral não pode, porque ele comanda a acusação nesse processo tormentoso. Dos ministros do STF, ninguém conhecia melhor o processo do que o relator, o segundo a conhecer melhor é o revisor, que, no caso, é o Celso de Mello. Há dois revisores, o da turma e o do Supremo. Estou me referindo ao revisor da turma. E, se nos defrontamos com essa situação rara, que é a dispensa de dois revisores, quem seria? Aquele que está mais acima na ordem de precedência, que é justamente o decano do tribunal, o ministro Celso de Mello, o qual, diga-se de passagem, não é alvo de nenhuma espécie de prevenção, seja por parte da acusação, seja por parte da defesa, sendo isso um fato notório.
A solução que vem sendo considerada de o ministro Edson Fachin ser transferido de turma para assumir a vaga de Teori e assumir a relatoria é uma saída pouco natural?
O nome que me parece mais evidente é o do decano Celso de Mello, porque ele já é o revisor na turma. O ministro Fachin tem as características do ministro Mello no que concerne, eu não direi isenção, eu acho que os ministros são, na realidade, isentos, cada qual à sua maneira, assim como o país inteiro sabe que são todos qualificados e de uma integridade a toda prova. Tudo aquilo que a defesa ora contesta e a acusação ora contesta é a possível tendência mais austera ou menos austera em relação aos réus. Não acho que o ministro Fachin seja, nesse sentido, objeto de qualquer espécie de prevenção seja da acusação, seja da defesa, assim como Celso de Mello.
É natural que um ministro do STF exponha opiniões sobre fatos que estão sendo julgados pelo tribunal ou, de fato, devem falar só nos autos?
Quando eu presidia o Tribunal Superior Eleitoral, em 1989, eu dizia que esse ditado de “falar nos autos” deve ser interpretado com temperamento. O juiz tem não apenas o direito, mas até o dever de falar fora dos autos para explicar, por exemplo, a opinião pública uma decisão já tomada que pareça pouco clara na sua motivação. Fora dos autos, sempre foi algo que eu achei apropriado, não apenas correto, mas necessário. Agora, você dar opiniões preliminares, precoces, antecipadas, sobre algo que não foi julgado, isso, qualquer estudante de direito lhe responderia que não é apropriado, mas o fator humano deve ser considerado. Os temperamentos variam muito. A composição atual do Supremo mostra que os temperamentos variam muito. Nós não podemos exigir de todo ser humano um comportamento não condizente com as deficiências da condição humana. Tem acontecido muito de transparecer este ou aquele debate mais áspero, esta ou aquela manifestação mais condimentada de um ou outro membro. Eu não culpo ninguém por isso, acontece por força das circunstâncias. O STF é o único tribunal do mundo em que o debate é em público. Em todos os outros tribunais de qualquer natureza, discutem a portas fechadas. Os tribunais brasileiros, por força da nossa Constituição, que, nesse particular, é única e absolutamente original, determina que as sessões sejam todas públicas.
Alguns advogados reclamam que a TV Justiça termina por deixar o tribunal exposto a pressão popular. Como o senhor analisa isso?
Não há mal nenhum que o juiz fique exposto à pressão popular no sentido de que ele deve ter conhecimento dos sentimentos populares. Ele deve ter maturidade e coragem suficientes para se pautar de acordo com o que lhe parece ser a aplicação do direito, mesmo que isso contrarie a pressão da opinião pública. Somos um país dividido. Alguns dizem que é uma divisão bastante desequilibrada, 80% de um lado e 20% de outro, mas o índice de agressividade, de virulência é bastante equilibrado. O juiz não pode se encapsular, tem que ter conhecimento daquilo que é a opinião pública, ainda que dividida. O que ele não pode é pautar as decisões pela opinião pública, sobretudo porque ela nunca é unânime.
Qual seria o perfil ideal do novo ministro?
O presidente Temer é um homem mais do que qualificado para essas circunstâncias, para ter consciência da obrigação absoluta que ele tem de fazer uma escolha de uma sensatez irrepreensível. Ele não pode errar, mais do que isso, ele não pode cometer sequer um acerto que não seja o melhor dos acertos. Ele tem tudo nas mãos para fazer uma escolha sensata, conhecedor que é do cenário jurídico brasileiro. Ele não é uma criança, tem décadas de experiência, conhece profundamente todos esses setores dos profissionais que se chamam, hoje em dia, operadores do direito. Feita essa escolha, não há dúvida de que a sabatina do Senado será coroada de êxito e aprovação. Os ministros dos tribunais superiores oferecem um bonito cenário. Temos, no Superior Tribunal de Justiça, diversos nomes de primeira qualidade, seja quanto à formação intelectual, à capacidade, ao discernimento, seja quanto à isenção, a não terem se exposto a qualquer espécie de situação que os torne vulneráveis. Há nomes de excelente qualidade, masculinos e femininos. Se o presidente resolver por qualquer razão, que deve ser uma mulher, acharia isso muito apropriado, duas em 11 é pouco. Se o presidente Temer preferir indicar um nome de mulher, o horizonte se alarga um pouco mais, há nomes também de primeira qualidade no Superior Tribunal do Trabalho e no Superior Tribunal Militar.
O escolhido terá de passar por uma sabatina no Senado, por uma comissão com vários senadores investigados na Lava-Jato. Como o senhor vê essa situação?
Esse fato não atrapalha em nada, e justamente não atrapalha por causa da transparência. As sessões da Comissão de Constituição e Justiça do Senado também são públicas. Cada sílaba que é dita, suspiro e contorção facial, a sociedade brasileira, na sua integralidade, vai ver. Não acredito que haverá alguém ali insensato o bastante para fazer algo. Seja na inquirição do candidato, seja provocando, tornando as coisas difíceis ou emitindo um voto de reprovação.
Um dos nomes citados é do ministro da Justiça, Alexandre de Moraes. Como vê a sugestão?
O Alexandre de Moraes, muito antes de ocupar qualquer função pública de alguma visibilidade, já era um homem conhecido, como um dos mais expressivos autores de direito constitucional que a literatura jurídica do Brasil conheceu. Se há alguém a quem não falta notório saber jurídico e reputação ilibada é Alexandre de Moraes. A questão é saber se, sendo ele alguém que hoje está envolvido no embate político, seria um nome ideal. Existem circunstâncias em que o mais notório saber jurídico e a mais ilibada das reputações podem ser contraindicados para o tribunal por força das funções que exercem naquele momento.
E sobre o debate de réus ocuparem as presidências do Congresso?
A regra constitucional só se refere ao presidente da República. Então, quando se tenta transplantar essa regra para outros dignitários, o Supremo viu a coisa da seguinte maneira: não há nada que nos autorize a dizer que fulano tem que cair fora da presidência de uma casa do Congresso, se tudo aquilo que a Constituição não quer é que o chefe de Estado seja réu. Então, dizemos que ele fique na presidência da casa, mas que, de hipótese alguma, venha a substituir o presidente da República. Nem é questão de suceder, pois o único sucessor possível é o vice. Nenhum deles esquenta a cadeira por mais de um mês.
Há possibilidade de separação na análise das contas da chapa Dilma-Temer, eleita em 2014?
Há um incidente da maior importância do caso, que é saber que, no caso do sistema eleitoral brasileiro, o vice é um agregado, entra ali como um nome acessório. Não era assim no passado. Alguns dizem que todo o nosso drama político começou quando, em 1960, elegeu-se Jânio Quadros para a presidência e não se elegeu o vice, seu companheiro de chapa, o governador mineiro Milton Campos. Há um bom número de anos no Brasil, o vice-presidente é um acessório. Aliás, quem mais insistiu nisso foi o próprio PT, durante os meses do processo de impeachment, ao dizer que o vice não era nada, que não foi eleito pois quem tinha os votos populares era a titular. Esse discurso hoje é altamente benéfico à tese da defesa de Michel Temer indicando que o candidato a vice não é quem controla a campanha. E que, se houve alguma irregularidade nas contas, o vice não é responsável. Eles mesmos disseram o tempo todo que o candidato a vice estava ali como acessório. Logo, acho que é possível separar. Não conheço bem direito eleitoral desse momento. Muda muito. É um dos setores mais imperfeitos e cambiantes da nossa ordem jurídica.
Essas mudanças são uma vantagem ou um defeito?
O problema todo é que o Congresso nunca teve tempo para se consagrar na feitura de um código eleitoral definitivo tão próximo possível da perfeição. Por isso, nosso direito eleitoral vive de remendos. A base de expedientes utópicos não resolve o problema maior, que é da coerência do direito eleitoral. O problema é essa falta de tempo, energia e vontade do Congresso de fazer a respeito da lei eleitoral uma coisa boa. Tem a ver com a questão da própria reforma política; essa falta de vontade é intimamente ligada, é irmã gêmea da falta de vontade de se fazer uma reforma eleitoral.
Dizem que o fim do financiamento das campanhas por empresas abriu brecha para o crime organizado financiar a política. A mudança foi uma boa solução? E sobre o tempo do período eleitoral?
Não acho que foi ruim. Houve efeitos colaterais perversos, mas aí é caso de polícia. É uma questão de o Ministério Público atuar para corrigir as disfunções do sistema para penalizar as condutas criminosas que procuram neutralizar a falta de possibilidades legais de empresas contribuírem. Sobre o tempo, não acho que as campanhas tenham de ser mais longas. O problema é a distribuição do tempo. Há quem ache injusto privilegiar exageradamente os partidos com maior representação. Isso poderia ser trabalhado e aperfeiçoado.
O senhor também foi ministro das Relações Exteriores. Como está vendo a era (Donald) Trump?
Com muita apreensão, para utilizar o termo mais brando, para não dizer com pavor. Enganam-se redondamente aqueles que pensam que esse discurso fanático de Donald Trump é para agradar eleitores. Enganam-se aqueles que acham que ele não pode fazer as coisas que ele anuncia, porque ele dependeria de aprovação do parlamento norte-americano. E, mesmo havendo maioria republicana no Senado e na Câmara, o partido está muito dividido. Quem quer que conheça o direito constitucional norte-americano sabe que o presidente pode fazer uma porção de coisas gravíssimas sem dar nenhuma satisfação ao Congresso. O sistema dá ao presidente o poder de fazer da sua própria cabeça coisas absolutamente alucinadas. Não era sensato confiar em que ele anunciava coisas perversas e que não poderia fazê-las. Ele pode, sim, e já começou.
E a relação com o Brasil?
Não vejo muito risco. As ameaças da cabeça de Donald Trump à raça humana são maiores no conjunto do que ameaças específicas ao Brasil em matéria econômica, por exemplo. Não há nada que possa nos afetar seriamente nesse domínio.