“O país não precisa de ídolos. Precisamos da lei”, diz Presidente da OAB
A Ordem dos Advogados do Brasil protocola na proxima segunda-feira, dia 28, novo pedido de impeachment
É nesse contexto que as atenções estarão voltadas ao recém-empossado presidente nacional da OAB, Claudio Lamachia. Aos 55 anos, o advogado gaúcho foi vice-presidente da Ordem. Na época, comprou brigas com as companhias telefônicas e com governo estadual.
A briga que ele quer comprar agora, no entanto, é maior. No fim do ano passado, uma comissão da OAB sinalizou que o pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff baseado apenas nas operações contábeis conhecidas como “pedaladas fiscais” não era suficiente para um apoio da entidade. Agora, três meses depois, a história é outra. Após incluir outros dados em um pedido, a Ordem mudou a posição.
Na última quinta-feira, em entrevista exclusiva, Lamachia explicou essa mudança na posição e disse que o atual pedido em trâmite do impeachment tem menos amplitude que o da Ordem. Ele defendeu rapidez no processo, avaliando que a divisão que o país enfrenta é negativa para toda a população. Ainda assim, disse que não está pronto para sofrer ataques daqueles que eventualmente discordem da posição da OAB. “Nós vivemos uma democracia e as pessoas e as ideias devem ser respeitadas.” Confira a seguir os principais trechos da entrevista:
O governo é corrupto?
Temos inúmeros casos de corrupção que estão próximos (do governo) hoje e não podemos desconsiderar isso. Inúmeros casos que estão aparecendo e sendo denunciados. Desde aqueles da operação Lava-Jato, seja por meio de outras operações que são postas e essa é uma realidade que a sociedade tem visto.
Por que, mesmo com um pedido de impeachment tramitando na Câmara, a OAB resolveu fazer um novo pedido?
Depois de um amplo processo de consulta, onde ouvimos todas as OABs estaduais, que foram instadas a produzir um exame jurídico dessa questão, tivemos a aprovação por parte das bancadas do conselho federal, representando todos os estados da Federação, por 26 votos a 1. A partir disso, temos uma decisão legítima, democrática. Tanto os conselheiros locais quanto os federais são legítimos representantes de praticamente um milhão de advogados hoje.
Mas esse pedido é uma revisão da decisão da gestão anterior, tomada em dezembro do ano passado, contra o impeachment?
Na verdade, não houve decisão contrária com relação à anterior. Uma comissão de cinco pessoas entendeu que as pedaladas fiscais, naquela circunstância, não seriam ensejadoras para o ajuizamento de um pedido de impeachment. Esse mesmo grupo de trabalho, quando analisamos os votos, entendeu que tínhamos que ampliar o espectro de atuação, do exame do que ali estava. Primeiro, diante de novos fatos que foram surgindo e, segundo, porque entendi que tínhamos que ampliar a apreciação jurídica de forma democrática com todas as sessões do país. Assim, fomos buscar no STF o levantamento do sigilo sobre a delação.
A comissão do impeachment na Câmara, entretanto, vai considerar apenas as pedalas fiscais.
Não sou membro da Câmara nem da comissão. Temos que respeitar e aguardamos que haja celeridade no exame dessas questões. O Brasil precisa de celeridade, seja no âmbito do Congresso, na apreciação dessa questão, seja no âmbito do Judiciário para que possamos ter respostas eficazes, rápidas, porque é isso que o Brasil está esperando e precisa.
O pedido da OAB não pode gerar conflito com a atual análise da comissão na Câmara?
Vamos ajuizar um novo pedido, porque o nosso tem outros fundamentos, que não apenas as pedaladas e vamos entregar ao presidente da comissão formalmente uma cópia através de ofício da OAB, com todos os fundamentos utilizados. Vamos trabalhar nos dois fronts.
O que a OAB pensa com relação a esse processo baseado somente nas pedaladas?
A OAB entende que de fato temos presente crime de responsabilidade. A representação da OAB agrega outros fatores. O exame de ordem foi técnico, e entendemos que é fundamental.
O atual está incompleto?
Não é que ele esteja incompleto. Na realidade, o pedido da Ordem é mais abrangente. Ele observa outros fatores, que não somente as pedaladas. Entendemos que os demais fatos são muito graves e que também embasam um ajuizamento de uma representação pelo crime de responsabilidade da presidência da República.
Mas o pedido atual tem consistência jurídica?
No nosso entendimento tem, até porque isso é uma parte do voto da OAB.
O senhor mencionou a necessidade de celeridade no processo. Ao trazer um novo pedido, não se corre o risco de tornar o processo ainda mais lento?
Eu acho que não, mas isso é uma decisão que a Câmara vai ter que tomar. A Câmara e o Senado, depois de assegurado o direito à ampla defesa da presidência, terão que tomar uma decisão com relação a isso. Eles já têm um processo aberto. A Ordem está se manifestando de maneira absolutamente técnica. Por isso optamos por distribuir uma nova petição autônoma, para que o presidente da Câmara e os deputados tenham várias opções. Podem constituir uma nova comissão, e as duas caminharem paralelamente, podem aguardar o desfecho de uma para abrir outra, pode determinar que os fatos sejam levados a conhecimento da comissão. Mas não trava a comissão operante. É por isso que também vamos entregar uma cópia oficial para a comissão com a nossa manifestação. Vamos distribuir a ação nova, agregando os fundamentos que temos, e entregar cópias dessa questão para o presidente da comissão fazer o que entender o mais certo.
O que foi levado em consideração?
A OAB levou em consideração a questão das formas de nomeação do ex-presidente da República, sem considerar a questão das escutas telefônicas. Ela leva em consideração outros fatos, como a publicação no Diário Oficial de forma emergencial da nomeação do ex-presidente. Também outras informações que estão na delação premiada, no que diz respeito à tentativa de interferência no Poder Judiciário com a nomeação de um ministro vinculado a um determinado voto.
Como a OAB avaliou o bloqueio à nomeação de Lula como ministro-chefe da Casa Civil?
Essa é uma questão que a Justiça vai ter que se manifestar. A Ordem entendeu no trabalho que elaborou que há uma nítida tentativa de alteração de foro do ex-presidente da República. Isso está em um dos fundamentos nossos da nova peça de impeachment.
Como a OAB entendeu a questão dos grampos de advogados?
Nós criamos um grupo de trabalho especifico na OAB para avaliarmos e tomarmos as medidas judiciais cabíveis nos casos de grampos entre advogados e clientes. Isso é absolutamente ilegal. Nós temos uma lei federal que precisa ser cumprida. Não se pode pretender combater o crime, a impunidade, com outro crime. Temos uma lei que protege a comunicação entre o advogado e o cliente. A partir do momento que é feita essa escuta, é ilegal. A sociedade brasileira não pode aceitar. Mas, no pedido de impeachment, não levamos em consideração as escutas telefônicas.
E com relação às outras escutas?
Nós aguardaremos um posicionamento do STF.
Como avalia a divulgação das escutas telefônicas da Lava-Jato?
Não vou entrar nesse mérito porque vai ser apreciado.
Como o senhor avalia o trabalho do juiz Sérgio Moro até agora?
É um trabalho que tem sido muito importante para o Brasil, que está levantando casos de corrupção que escandalizam a todos. Agora, casos pontuais onde nós identificarmos eventuais desrespeitos à Constituição, às leis, nós temos que criticar.
Já viu algum desses pontos?
Por isso criei uma comissão, um grupo de trabalho na OAB, que está direcionado apenas para analisar esses fatos. Brevemente a OAB vai se manifestar com relação a isso também.
O protagonismo de um integrante do Judiciário não é perigoso?
No Brasil não precisamos de ídolos, notadamente dentro do Poder Judiciário. O que precisamos é do cumprimento da lei, e, acima de tudo, que a resposta do Poder Judiciário absolutamente séria, rápida. Notadamente nesse tema que hoje tem trazido tantas preocupações para a sociedade brasileira, inclusive colocando grupos contrapostos.
O senhor está pronto, após protocolar esse pedido de impeachment, para ser alvo de ataques?
Pronto para ataques nem eu nem ninguém deve estar. Nós vivemos uma democracia e as pessoas e as ideias devem ser respeitadas. Entendemos e compreendemos que as pessoas possam pensar de forma diferente. Mas tudo isso deve se dar no campo das ideias e de forma respeitosa. Vivemos em um estado democrático de direito. E nesse estado temos leis e instituições que saberão dar resposta a tudo que está posto. A sociedade tem que ter liberdade de manifestação, mas acima de tudo a condição de fazer isso de forma pacífica e respeitosa. Precisamos de mais tolerância entre as pessoas.
A crise atual é maior que a de 1992, que derrubou Collor?
Temos, num comparativo entre os dias de hoje e 1992, uma grande diferença. Em 1992 o ex-presidente Fernando Collor não tinha uma base partidária tão forte quanto hoje a atual presidente da República tem. Por isso entendemos que temos que ter muito cuidado nesse momento até por força dessa divisão. É diferente. O Brasil está dividido entre direita e esquerda. Tenho procurado deixar claro que a decisão da OAB é técnica. Desde que assumi a Ordem tentei passar para a base também para que todas as seccionais apreciassem isso, para ter legitimidade, democracia, e para ter o mínimo possível de questionamento. Mas mesmo assim sempre vem. A OAB não se manifesta por força das paixões ideológicas e partidárias. Tem que se manifestar de maneira técnica e observando a Constituição e as leis, é isso que a OAB tem feito. OAB não é governo nem oposição, é do cidadão, é da sociedade.
O governo tem adotado o discurso de que o impeachment é golpe.
Não é golpe. O impeachment, e isso eu acho um equívoco manifesto, é um remédio legal, constitucional. Vivemos em um estado democrático de direito, as leis têm que ser consideradas, não se pode imaginar alcançar uma linha como essa. Tanto é verdade que não é golpe que além de ser um remédio previsto na constituição federal, tivemos ao longo dos anos no Brasil vários pedidos de impeachment com relação a diversos ex-presidentes da república. Desde Collor, passando por Itamar, FHC, Lula, e em nenhum momento em todos esses pedidos contra esses presidentes se ouviu falar de golpe. Se essa expressão de golpe é utilizada pelo governo, ele está dizendo que o STF regulamentou o golpe. Há poucos dias o STF teve uma sessão histórica que foi objeto de embargos de declaração onde ele regrou o procedimento de impeachment. Não me parece que o STF regraria um processo de golpe. Se o STF regra um processo de impeachment é porque impeachment não é golpe, impeachment é impeachment.
O governo tem associado a corrupção a todos os governos. Como o senhor vê essa estratégia?
Não acho que a questão da corrupção seja de um partido apenas. Acho que temos diversos casos de corrupção envolvendo vários partidos. Por isso tenho defendido uma depuração na política. E tenho defendido a ponto de que vamos lançar uma campanha pela OAB com o seguinte slogan: voto não tem preço, voto tem consequência. E a consequência de uma escolha malfeita é essa crise ética que vivemos no Brasil. Temos que fazer um mea culpa também porque somos nós os culpados. A corrupção não está apenas no governo, está em diversos partidos. E digo isso com o maior respeito à classe política. Não existe democracia sem política e não teremos política sem políticos. Mas temos que ter bons políticos, comprometidos com o bem maior da sociedade. O país precisa voltar a andar.