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Mulheres lutam por igualdade, mas problemas históricos persistem

Na internet e nas ruas, mais brasileiras estão se manifestando em defesa da igualdade de gênero e do fim da violência

Foto: Marcello Casal Jr/Arquivo Agência Brasil.


Marcello Casal Jr/Arquivo Agência Brasil

Na internet e nas ruas, mais brasileiras estão se manifestando em defesa da igualdade de gênero e do fim da violência

O feminismo tem ganhado cada vez mais força na sociedade brasileira. Na internet e nas ruas, mais brasileiras estão se manifestando em defesa da igualdade de gênero e do fim da violência. No ano passado, a Marcha das Margaridas e a das Mulheres Negras levaram milhares de militantes a Brasília para pedir melhorias para a vida de 51,4% da população brasileira.

A secretária de Autonomia Feminina da Secretaria de Política para as Mulheres, Tatau Godinho, avalia o que o fenômeno é muito positivo para o combate ao machismo do dia a dia. “Estamos assistindo a uma camada imensa de mulheres jovens darem um novo impulso à ideia de que a igualdade entre mulheres e homens é uma coisa legal, fundamental para se ter uma sociedade moderna, e que o feminismo não é uma pauta antiga, está nas questões cotidianas”, disse.

Apesar da popularização do debate, as brasileiras ainda precisam encarar problemas como as desigualdades salariais, a pouca representatividade política e a violência.

Tatau Godinho destaca que um dos principais obstáculos a ser superado é a desigualdade no mercado de trabalho. “As mulheres têm mais dificuldade de entrar e de chegar a cargos de chefia, e ganham menos que homens cumprindo a mesma função. O machismo faz com que mulheres sejam discriminadas no acesso aos melhores cargos”, avalia.

Foto: Antonio Cruz/Arquivo Agência Brasil.


Antonio Cruz/Arquivo Agência Brasil

Natália Fontoura, técnica do Ipea, diz que as mulheres encontram barreiras no mercado de trabalho

Apesar de estudarem mais que os homens, elas encontram uma série de barreiras no ambiente profissional. “Elas têm mais dificuldade de ingressar no mercado. Em torno de 50% das brasileiras estão ocupadas ou procurando emprego, enquanto a taxa de participação dos homens é de 80%. É uma distância muito grande. Não combina com o século 21, não parece ser do nosso tempo essa informação. E tem mais, as que conseguem entrar, têm empregos mais precários”, avalia a técnica de Planejamento e Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Natália de Oliveira Fontoura.

Segundo estudo da Organização para Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE), o salário médio de uma mulher brasileira com educação superior representa 62% do de um homem com a mesma escolaridade.

De acordo com o Ipea, a renda média dos homens brasileiros, em 2014, chegava a R$ 1.831,30. Entre as mulheres brancas, a renda média correspondia a 70,4% do salário deles: R$ 1.288,50. Já entre as mulheres negras, a média salarial era R$ 945,90.

Segundo a especialista do Ipea, um dos componentes que explica a diferença de rendimentos entre homens e mulheres é o fato de elas ocuparem espaços menos valorizados. “Os cursos em que as mulheres são mais de 90% dos alunos, como pedagogia, se traduzem em salários mais baixos no mercado. E os cursos em que eles são a maioria, como as engenharias e ciências exatas, têm os salários mais altos. Há uma divisão sexual do conhecimento”, explica.

Especialista no assunto, Natália ressalta que não é possível entender a dificuldade das mulheres de entrar no mercado de trabalho sem pensar que, via de regra, no Brasil, recai sobre elas toda a atribuição do trabalho reprodutivo, que inclui os afazeres domésticos não remunerados e os cuidados com a família, uma sobrecarga que dificulta a evolução nos ambientes profissionais.

“A responsabilização feminina sobre o trabalho reprodutivo explica a inserção de mulheres de forma mais precária no mercado de trabalho, por exemplo com jornadas menores, empregos informais e renda menor.”

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2014, 90,7% das mulheres ocupadas realizavam afazeres domésticos e de cuidados – entre os homens, esse percentual era 51,3%.

A pesquisadora defende que não dá para pensar na solução para o problema como um arranjo privado. “Hoje no Brasil a gente entende que as famílias têm que se virar e, dentro das famílias, são as mulheres que geralmente se responsabilizam. Isso é uma sobrecarga para as mulheres e vai impedir que participem da vida social, tenham mais bem-estar, participem da vida política e sindical, é um impeditivo para que mulheres ocupem uma série de espaços sociais.”

“Para que a sociedade se reproduza e toda a população tenha bem-estar, alguém tem que garantir o cuidado a crianças e idosos. A quem cabe?”.

Ela analisa que é importante que haja uma mudança cultural para que o trabalho não remunerado seja visto como obrigação de todos e que haja divisão das tarefas com os homens e com os filhos. Ela ressalta, entretanto, que não se pode ficar esperando.

“O Estado precisa assumir esse papel e oferecer serviços – tem que ter creche, educação integral, transporte escolar, mais de uma refeição nas escolas, instituição para atendimento de idosos, visitas domiciliares –, é um leque de políticas públicas de cuidado que só estamos engatinhando. Não é uma agenda do Brasil hoje.”

A iniciativa privada também pode colaborar. “A gente ouve casos bem-sucedidos de maior flexibilização [de carga horária], promoção da igualdade, co-responsabilização das empresas. Mas, se não houver uma legislação para que as empresas sejam chamadas e obrigadas a compartilhar essa responsabilidade, não vai acontecer.”

Segundo Tatau Godinhho, a SPM trabalha com iniciativas que contribuem para a melhoria das condições da mulher no mercado trabalho. “As mudanças na legislação das trabalhadoras domésticas, por exemplo, significou uma melhoria do rendimento e das condições de trabalho dessas mulheres. Por outro lado, trabalhamos muito com as políticas que o governo vem desenvolvendo para o aumento de formalização do trabalho feminino. Quanto mais formal, melhor pago e estruturado. A informalidade é um elemento extremamente forte na desvalorização do trabalho feminino e na perda de rendimentos.”

O poder ainda é deles

Apesar de o Brasil ter escolhido uma mulher para Presidência da República, os cargos eletivos e os partidos políticos ainda são dominados por homens. O Brasil está na posição 154 em um ranking da União Inter Parlamentar (Inter-Parliament Union (IPU)) que avaliou a participação das mulheres nas casas legislativas de 191 países.

A socióloga Carmen Silva, da organização SOS Corpo e da Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB), avalia que vários fatores incidem para a baixa representatividade de mulheres na política. “A primeira coisa é a estrutura de desigualdade entre homens e mulheres na sociedade, no mercado de trabalho. Existe uma imagem sobre o que é uma mulher na sociedade, e elas ainda não são vistas como alguém de decisão, que resolve, e a ideia da política é ligado a isso”, disse.

Carmen defende que o fato de elas serem minoria também é explicado pelo sistema político brasileiro, a base legal que rege o processo eleitoral e de formação dos partidos. “O tipo de estrutura que temos no Brasil inviabiliza a participação de setores que são minorias políticas na sociedade, apesar de serem maioria numérica. As mulheres são mais de metade da população, mas são menos de 10% nos cargos políticos, o mesmo acontece com os negros. As pessoas em situação de pobreza não conseguem nem se candidatar.”

De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral, 6.337 mulheres e 15.653 homens se candidataram às eleições de 2014. Em 2010, 3.757 mulheres e 14.807 homens estavam aptos a concorrer às eleições. Apesar do aumento da participação feminina de um pleito para o outro, a proporção ficou abaixo dos 30% estipulado como mínimo pela legislação eleitoral. “A sociedade ainda considera a representação política como um espaço pouco adequado para mulheres”, avalia Tatau.

A ativista explica que a AMB defende uma cota de eleitas, e não de candidatas. “Defendemos uma reserva de vagas no Congresso. A forma que temos proposto é que a eleição seja por partido, e não por pessoa. Votaríamos nos partidos e as listas seriam compostas metade por mulheres, metade por homens, e as vagas seriam divididas igualmente. Claro que isso tem que ser associado à formação política, campanhas culturais e melhores condições de vida para as mulheres”, diz.

Para Carmen, outro ponto crucial e que tem impacto sobre as mulheres é o financiamento das campanhas, que deveria ser público, tornando a ação política um direito republicano, mesmo que a pessoa não tenha dinheiro. Ela explicou que há projetos apresentados pela Frente pela Reforma do Sistema Político na Câmara dos Deputados, “mas que não têm avançado como a AMB julga necessário”.

Desde 1997 a legislação eleitoral determina que as mulheres devem representar 30% do total de candidatos, mas a eficácia da regra é questionada por especialistas por não prever nenhuma sanção aos partidos que não preenchem a cota mínima de mulheres. A lei diz que, nesse caso, as vagas que deveriam ser delas não podem ser ocupadas por homens, mas não garante a presença delas.

Em 2015, a Lei 13.165 criou mecanismos para incentivar mulheres no cenário político, ao determinar que 5% dos recursos do Fundo Partidário devem ser investidos na criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres.

Tatau avalia que essas legislações trouxeram avanços, mas que, para mudar esse cenário, é necessária uma reforma política radical que garanta paridade entre homens e mulheres nas listas partidárias. “Isso também precisa ser feito com um processo de mudança na organização político-partidária e eleitoral. Não é só a legislação que precisa mudar”, avalia.

Ela argumenta que a popularização do feminismo é importante, mas será ainda mais relevante na medida em que se vincule a uma plataforma de organização das mulheres por maior representação política.

Em 2015, a Secretaria de Política para as Mulheres perdeu o status de ministério e, junto com a Secretaria de Igualdade Racial e de Direitos Humanos, passou a fazer parte do Ministério da Cidadania. O fato foi avaliado pelos movimentos feministas como um retrocesso para a luta pelos direitos das mulheres.

“O governo federal está enfrentando um processo de pressão econômica e de pressão da sociedade muito forte. E foi nesse contexto que houve a junção das três secretarias. Então ainda que consideremos que um ministério específico é o ideal, porque foi isso que defendemos no processo de criação da SPM, temos certeza de que vamos fortalecer a pauta das mulheres e não perder com esse processo a necessidade de garantir que políticas para mulheres estejam presentes. É um desafio.”

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