A nova realidade do ensino superior privado após as restrições no programa de financiamento do governo, o Fies, pode servir para estimular transações de fusão e aquisição no setor. Mais capitalizadas que concorrentes, as companhias de grande porte tendem a buscar crescimento e ganhos de escala por meio de compra de ativos ao longo do ano. As transações, porém, dependem da agilidade do Ministério da Educação, em meio ao ambiente de crise política, de dar sequência a processos envolvendo as empresas do setor.
De um lado, grandes grupos veem nas aquisições uma oportunidade para receita, sinergias de custos e ganhos de margem num momento em que a matrícula de novos estudantes não é mais tão forte quanto no auge do Fies. Ao mesmo tempo, donos de companhias de menor porte podem decidir pela venda ao sentirem o impacto da crise e das restrições no programa. “O ano deve ser bom para fusões e aquisições, com empresários precisando vender ativos e os interessados em comprar vendo preços mais baratos”, diz Marina Prado, sócia da área de Fusões e Aquisições do Souza, Cescon, Barrieu & Flesch Advogados.
“Quanto maior a escala, maiores são as chances de as companhias de ensino consolidarem as marcas no mercado. E isso é um caminho sem volta”, afirma Wilson Risolia, da consultoria Falconi Educação. “O Brasil passa por um momento em que as fontes de financiamento para educação minguaram e grupos maiores têm mais chance do que os menores de passarem por isso”, conclui.
Exemplo disso foi a recente aquisição, pela Anima Educação, da Sociedade Educacional de Santa Catarina (Sociesc), por R$ 150 milhões, além da assunção de uma dívida de R$ 30 milhões. O negócio resultará em sinergias já calculadas de R$ 17 milhões por ano, ao longo de cinco anos. Estas sinergias estão concentradas, principalmente, no modelo acadêmico, totalizando R$ 11,4 milhões ao ano.
Ao longo de 2015, mesmo em meio à crise no Fies, alguns negócios relevantes ocorreram no setor, como a venda da Uniasselvi pela Kroton, para os fundos Carlyle, BRL Trust Investimentos e Vinci Capital Gestora de Recursos, por R$ 1,1 bilhão e a recente compra do Ibmec pela norte-americana DeVry, por R$ 699 milhões. Apesar disso, incertezas nos programas do governo e a paralisia nas atividades rotineiras de regulação do setor prejudicaram a realização de mais transações. Foi o que aconteceu com a Anima Educação, que cancelou, depois de já anunciado ao mercado, um negócio de R$ 1,14 bilhão com a também norte-americana Whitney, após o encolhimento do financiamento estudantil.
Análise rápida
No ensino superior, o valor de um ativo depende muito de fatores que podem estar atrelados à aprovações dadas pelo Ministério da Educação, como abertura de novos polos de ensino a distância (EAD) ou autorização de novos cursos. Em 2015, esses processos acabaram prejudicados pela crise política e por três substituições de ministros à frente da pasta em um prazo de dez meses.
A sócia do escritório Lobo & de Rizzo Advogados, Luciana Pietro, afirma que essa estagnação regulatória fez algumas negociações andarem para trás. O número de transações no próximo ano, diz ela, depende de o MEC continuar a caminhar nessas ações do dia a dia. Neste sentido, a sinalização dos últimos meses é positiva. Apenas na semana que precedeu o Natal, o MEC credenciou mais de 400 novos polos de EAD para diferentes instituições.
Contornando o problema
Uma das saídas nas estratégias das grandes companhias tem sido a busca por aquisições de faculdades e universidades de notas elevadas no MEC. Em meio a uma menor disponibilidade de ativos de grande porte, mira-se redes regionais de tamanho médio e pequeno. A Estácio é um exemplo dessa estratégia. A companhia espera continuar adquirindo entre 10 a 15 mil novos alunos por ano com a compra de instituições de ensino pequenas e médias, disse o diretor Financeiro da empresa, Virgílio Gibbon.
Na Kroton, as aquisições também estão no foco, e, para a companhia, devem servir para diversificar os negócios e reduzir a exposição ao Fies. A empresa estuda a possibilidade de adquirir sistemas de ensino ou de comprar colégios, afirmou o vice-presidente Financeiro, Frederico Abreu.
“Os negócios recentes mostram que o setor está agitado e, ao longo de 2016, pode haver movimentos de fusão e aquisição”, diz o analista Luis Gustavo Pereira, da Guide Investimentos. “Vemos empresas fortes em M&A, como a Kroton, preparadas para fazer aquisições”, completa.
Os recursos para financiar essas aquisições vêm do caixa de alguns dos grupos de ensino, que, apesar de terem sofrido com o Fies, mantém alavancagem baixa. A Kroton deve reforçar o caixa com os recursos obtidos com a Uniasselvi – vendida por questões concorrenciais. Mesmo antes da conclusão da venda, a companhia tinha um endividamento de 0,3 vezes o Ebitda de 12 meses e deve passar a ter caixa líquido após a operação, destacam analistas. Já a Estácio, que também tem alavancagem abaixo de uma vez o Ebitda, captou recentemente R$ 187 milhões em emissão de debêntures para fazer frente a projetos de expansão e investimentos.
Outra expectativa é a da entrada de mais fundos de private equity no setor, especialmente na educação básica. “Embora seja um setor de consolidação mais complexa, temos recebido mais consultas nesse sentido, da parte de fundos interessados”, diz Luciana.
Outros segmentos, como o de editoras, o de sistemas de ensino e o de tecnologias para educação, também podem ver um ritmo forte de fusões e aquisições, diz Marina, do Souza, Cescon, Barrieu & Flesch. São transações como a aquisição pela Somos Educação dos negócios de educação básica, técnica e superior do grupo Saraiva, em junho deste ano, ou a da compra da startup de tecnologia Studiare pela Kroton, em outubro.