Descuidos e erros de revisão nos jornais, quando eram feitos nas oficinas quase artesanais provocaram situações engraçadas e constrangedoras. Bastava a inclusão ou exclusão de uma letra. A culpa recaía na revisão. Os textos de alguns figurões, ainda que com determinados erros, eram intocáveis. Culpa? Da revisão.

Pela ignorância de uns, muitos pagaram caro. Por conta do ‘errar é humano’, houve casos antológicos que motivou riso nos leitores e aborrecimentos. Luiz Beltrão, no livro “A imprensa informativa”, conta incidentes que criaram embaraços.

Um de eles: o jornalista Mário Melo mandava crônicas manuscritas para o “Jornal do Comércio” (Recife-PE). A caligrafia um horror, para o linotipista e o revisor. Numa das ‘Crônicas da cidade’, irritado com o erro desabafou:

“Outro dia referindo-me a mim e ao saudoso dr. Fausto de Morais Pinheiro, escrevi: ‘partíamos’. O linotipista comeu o ‘t’ e ficamos, eu e o defunto, a exercer função fisiológica impossível ao nosso sexo”.
Falo com experiência. Fui revisor nos “Diários Associados”, início da década de 60. Pela manhã, cedo, o diretor Pires Saboia, antes de sair de casa lia os jornais “O Imparcial” e “O Globo” e riscava os erros. Ao chegar à empresa chamava os revisores para uma ‘conversinha’. Subíamos ao primeiro andar e tome reclamações. Eu e o Bandeira (a revisão fazia-se em dupla) ouvíamos calados. Não transferíamos a responsabilidade ao linotipista, muitas vezes culpado. Quando o artigo era de autoria de Assis Chateaubriand, o dono da ‘cadeia associada’, as coisas se complicavam.

Textos assinados, é regra e ético, não se devem mexer nos originais, a não ser que, o ‘descuido’ ou o erro de gramática, acintoso. Nas polêmicas, as explicações não convenciam. As eventuais negligências tinham a paternidade negada. Na réplica quem se anunciava como culpado? A revisão.

O revisor foi indispensável antes da informática. Não deixam de ser mão de obra indispensável, com outro viés. O revisor dos nossos dias é o computador. Na época em que o jornal respeitava os leitores, eis quem fazia a revisão: Quintino Bocaiúva, Machado de Assis, Graciliano Ramos, Aurélio Buarque de Holanda e muitos outros do mesmo nível cultural.

Vejamos uma situação contada por Eça de Queiroz, em “Uma campanha alegre” que provocou riso – não apenas do leitor, como do revisor. Desta vez a notícia variava de jornal para jornal. Motivo: estada de D. Pedro II, em Lisboa, que na oportunidade aproveitou para se encontrar com o famoso escritor português Alexandre Herculano.

Esclareceu Eça: “Sua Majestade Imperial visitou o Sr. Alexandre Herculano. O fato em si é inteiramente incontestável. Todos sobre ele estão acordes, e a História, tranquila. No que porém as opiniões radicalmente divergem é acerca do lugar em que se realizou a visita do Imperador brasileiro ao historiador português” e trata das disparidades dos jornais…

O “Diário de Notícias” diz que o imperador foi à mansão do Sr. Herculano; O “Diário Popular”, ao contrário, afirma que o Imperador foi ao retiro do eminente (…); o Sr. Silva Túlio declara que o Imperador foi ao tugúrio de Herculano; Uma correspondência para o “Jornal do Porto” afirma que o Imperante foi ao aprisco (…); Outra notícia fala em abrigo; os jornais de Lisboa insinuam que Sua Majestade foi ao albergue (tugúrio); E mais, que sustentam que Sua Majestade dirigiu-se à solidão do eminente vulgo; Por último, ressalta Eça:

“Ora, no meio disto, uma coisa terrível se nos afigura: é que Sua Majestade se esqueceu de ir simplesmente à casa do Sr. Herculano!”. Desta vez o riso ficou com o revisor. Bela lição de jornalismo.