Foto: CBMMG/Divulgação.
O rastro dos rejeitos: Fundão já tinha obras para atingir seu máximo, o que antes havia sido projetado só para 2020/22
A produção acelerada da mineradora Samarco em Mariana, na Região Central do estado, levou a empresa a apressar o planejamento para aumentar a capacidade de armazenar rejeitos na Barragem do Fundão – que se rompeu em 5 de novembro, liberando cerca de 60 milhões de metros cúbicos de lama e causando o maior desastre ambiental da história do país. A previsão da mineradora, estipulada na primeira licença de operação, aprovada pelo Conselho de Política Ambiental (Copam) em 2008, dava conta de que a barragem chegaria a 940 metros (em relação ao nível do mar) apenas em 2022 . Porém, documentos da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) demonstram que em junho de 2017 a estrutura já teria essa condição. Em junho deste ano foi expedida licença para obra de alteamento da barragem, com previsão de dois anos de duração. O aumento da produção nos últimos anos, confirmado pela própria Samarco, é uma das linhas de investigação que o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e o Ministério Público Federal (MPF) seguem para entender a causa da tragédia.
O andamento da obra para atingir a cota de 940 metros foi confirmado pela Samarco e também pela Semad, que forneceu parecer único emitido por seus técnicos sugerindo o deferimento das licenças prévia e de instalação para a obra de alteamento entre as cotas 920 e 940, que duraria dois anos a partir de junho de 2015, data das licenças. Essa era apenas uma das obras que ocorriam no momento do desastre em Bento Rodrigues, subdistrito de Mariana. A segunda era uma ampliação da capacidade sem alteamento, já na cota 920, que foi autorizada em dezembro de 2013 e também tinha cronograma de dois anos, conforme a Semad. Esse é outro indício dos efeitos do aumento de produção da Samarco, já que a previsão inicial era de que a altura de 920 metros fosse atingida apenas dentro de cinco anos, em 2020. Porém, esse patamar já aparecia como implantado em documentos de 2013 – e é a informação com que o MPMG conta sobre a operação antes da tragédia, conforme o promotor Carlos Eduardo Ferreira Pinto.
A Samarco se limita a informar que operava uma cota de 898 metros antes do desastre com a estrutura, apesar da autorização para chegar a 920, confirmada pela Semad. Técnicos da pasta já haviam emitido dois pareceres sugerindo o deferimento da operação de Fundão, que foram confirmados pelo Copam, responsável por aprovar as licenças em Minas Gerais. Um foi em 2008, a primeira licença de operação para a barragem. O outro, em 2013, é a revalidação da mesma licença, que tem validade de seis anos. Depois do acidente, a Semad embargou as operações na Mina do Germano, onde fica a Barragem do Fundão.
Investigação
Entender a evolução do armazenamento da barragem que se rompeu é considerada tarefa fundamental pelo Ministério Público de Minas para descobrir o que causou a tragédia. “O aumento da produção, e consequentemente, da deposição de rejeitos na barragem, é uma das linhas de investigação das causas que estamos seguindo”, diz o promotor Mauro Ellovitch, um dos integrantes da força-tarefa criada para investigar as causas e os desdobramentos dos danos ambientais, ao patrimônio e também as condições das duas barragens remanescentes no complexo. O Ministério Público Federal (MPF) também tem atenção especial sobre o histórico de produção da Samarco, especialmente nos últimos anos. “De cinco anos para cá, mais ou menos, o volume de rejeitos na barragem aumentou bastante”, disse o procurador federal José Adércio ao Estado de Minas.
O professor Roberto Galery, do Departamento de Engenharia de Minas da UFMG, lembra que duas situações diferentes verificadas no setor de mineração podem combinar com o aumento de produção das empresas. “Entre 2011 e 2013, tivemos um momento favorável para a produção do minério de ferro, com a tonelada custando US$ 140, chegando até a US$ 190. Isso causou uma mobilização maior do mercado para aumento de capacidade”, afirma o especialista. A partir de 2014, em virtude da crise econômica mundial, o preço caiu bastante, chegando a US$ 44 na semana passada. Porém, mesmo assim o aumento de produção foi mantido, segundo o professor. “Se a margem de lucro cai, é preciso produzir mais para pagar o investimento que foi feito”, completa.
Em 2008, quando a Samarco formalizou o pedido de licença de operação para a Barragem do Fundão na Semad, uma previsão de alcance do reservatório foi anexada ao parecer da secretaria, conforme o processo 15/1984/066/2008. Nessa estimativa, a empresa esperava chegar em 2022 a uma cota altimétrica de 940 metros. Em dezembro de 2012, a Samarco procurou novamente a Semad, desta vez para solicitar licenças prévia e de instalação (anteriores à operação) de uma ampliação da represa, porém, sem alteamento.
Chamada de otimização, a ampliação se daria em uma cota já atingida pela barragem em 920 metros, segundo o parecer único da Semad número 262/2013. As duas licenças só foram concedidas um ano depois, em dezembro de 2013, permitindo a obra estimada para durar até dezembro deste ano. Dois meses antes, em outubro, a Samarco também conseguiu a revalidação da licença de operação do Fundão, que garantia o funcionamento normal da barragem por mais seis anos. A concessão dessa licença ocorreu em 29 de outubro. Apenas dois dias depois, a empresa pediu novamente licenças prévia e de instalação, dessa vez para unificar as barragens de Fundão e Germano, com um alteamento que começaria em 920 metros e chegaria até os 940. A autorização se deu somente um ano e oito meses depois, em 30 de junho deste ano, mais uma vez com estimativa de obras que durariam dois anos.
Em nota, a Samarco confirmou que estava mobilizada para chegar à cota de 940 metros de alteamento, por meio de obra autorizada pela obtenção das licenças prévia e de instalação, aprovadas por unanimidade pelo Copam. A empresa confirmou o aumento de produção e esclareceu que entre 2008 e 2014 passou por dois períodos de expansão. Em 2009, inaugurou a terceira pelotização, que subiu a capacidade produtiva para 23,5 milhões de toneladas de pelotas de minério de ferro por ano. Em 2014, foi inaugurada a quarta pelotização, que incrementou a produção em 37%, chegando a 30,5 milhões de toneladas.