EDITORIAL

Verdades inconvenientes

Mais de duas semanas depois do colapso da barragem em Mariana, que soterrou povoados, além de provocar a morte de pelo menos 11 pessoas e deixar 12 desaparecidos, algumas verdades começam a vir à tona. A primeira delas, a ausência de plano de emergência conhecido e factível para uma situação como a que se viu. […]

Mais de duas semanas depois do colapso da barragem em Mariana, que soterrou povoados, além de provocar a morte de pelo menos 11 pessoas e deixar 12 desaparecidos, algumas verdades começam a vir à tona. A primeira delas, a ausência de plano de emergência conhecido e factível para uma situação como a que se viu. Os relatos dos moradores de Bento Rodrigues, subdistrito que foi quase que totalmente destruído pela enxurrada de lama, dão conta de que não houve nenhum aviso, não soou nenhuma sirene e não havia nenhum plano predeterminado do que fazer em caso de rompimento da barragem, que guardava 60 milhões de metros cúbicos de lama tóxica a menos de 3 km do povoado.
É inadmissível que uma estrutura com esse potencial de destruição não tivesse como pressuposto para sua existência plano detalhado e atualizado de reação em caso de emergência. As perdas provocadas pelo rompimento da barragem são irreversíveis. Nada trará de volta as vidas humanas e a biodiversidade perdida no desastre. Nenhuma remediação conseguirá limpar do meio ambiente as toneladas de arsênio, chumbo, manganês, mercúrio e urânio liberadas pelo tsunami de lama tóxica. Nenhuma indenização será suficiente para reparar os potenciais danos causados às matas ciliares e aos mangues do vale do Rio Doce, que abrigam (ou abrigavam) riquíssima complexidade de vida natural, ao mesmo tempo em que protegiam o curso d’água.
Outra verdade inconveniente que emerge do mar de lama é o total sucateamento do órgão que tem como função fiscalizar justamente as operações da indústria da mineração, incluindo a operação de barragens de contenção de rejeitos. Trata-se do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), órgão ligado ao Ministério de Minas e Energia. Para se ter uma ideia da situação, basta lembrar que, para o estado de Minas Gerais, onde estão instaladas algumas das maiores empresas de mineração do mundo, o órgão conta com apenas quatro fiscais. A crise no DNPM ficou expressa na quarta-feira, quando o diretor-geral do órgão, Celso Luiz Garcia, pediu demissão do cargo, alegando problemas de saúde. Não é razoável que o Brasil, que ocupa a vice-liderança da produção de minério de ferro no mundo, conviva com esse tipo de situação, ainda mais se considerarmos que o setor é altamente lucrativo. O faturamento da Samarco, em 2014, foi de R$ 7,4 bilhões.
Finalmente, a lama da Samarco ajudou a soterrar ainda mais a figura do financiamento empresarial de campanhas eleitorais. A área de mineração e as grandes empresas do setor são alguns dos principais doadores aos partidos, o que talvez explique a reação muitas vezes tímida e, em alguns casos, mais que solidária à empresa, de políticos envolvidos no desastre. O fim da promíscua intromissão das empresas nas disputas eleitorais foi considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. Na semana passada, o Congresso Nacional confirmou o veto da presidente Dilma Rousseff a essa possibilidade. É bom para o país, é bom para as populações afetadas pelas atividades das grandes empresas. É bom para a natureza. É bom para Mariana e para Bento Rodrigues.
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