EDITORIAL

Não à lavanderia verde-amarela

A proposta de repatriar de R$ 100 bilhões a R$ 150 bilhões enviados ilegalmente por brasileiros ao exterior parecia, em tese, boa iniciativa. Considerada importante para o ajuste fiscal, a medida seria forma de a União dar alguma elasticidade ao caixa, combalido por despesas que ultrapassam as receitas. A estimativa do Planalto era arrecadar R$ […]

A proposta de repatriar de R$ 100 bilhões a R$ 150 bilhões enviados ilegalmente por brasileiros ao exterior parecia, em tese, boa iniciativa. Considerada importante para o ajuste fiscal, a medida seria forma de a União dar alguma elasticidade ao caixa, combalido por despesas que ultrapassam as receitas. A estimativa do Planalto era arrecadar R$ 50 bilhões.
Segundo o projeto do Executivo, anistiavam-se tão somente os crimes fiscais — sonegação, evasão de divisas e falsificação de documento público. Duas condições eram estabelecidas para fazer o caminho de volta: o pagamento, sobre o valor declarado, de 17,5% de multa e 17,5% de Imposto de Renda. Em contrapartida, o governo abriria mão de processar os responsáveis por sonegação e evasão fiscal.
As peças dão a impressão de perfeito encaixe. Vale, por isso, a questão. Por que, até agora, nenhum governo procedeu à repatriação de divisas? O Brasil, ao longo da história, atravessou momentos muito difíceis e, apesar de se ventilar a hipótese de anistia, nunca se concretizou passo algum nessa direção. A resposta permite levantar duas hipóteses que, longe de se excluírem, se completam.
Uma reside na dificuldade de calcular o montante que atravessou ilegalmente as fronteiras. Sem registro, há apenas a possibilidade de estimar os valores. A outra provoca arrepios nas consciências civilizadas do país. Trata-se da discriminação dos recursos limpos — originários de atividade legal — dos recursos sujos, fruto de atos criminosos. Entre eles, propinas, fraudes financeiras, caixa dois, tráfico de drogas e armas.
Não só. Sempre houve o temor de o Congresso introduzir contrabandos no texto — artifícios capazes de lavar dinheiro ilícito, entre os quais os oriundos de corrupção. Não deu outra. A votação do projeto na Câmara dos Deputados transforma o Brasil em lavanderia de portas escancaradas. O relator, deputado Manoel Júnior, do PMDB paraibano, alterou alíquotas, modificou a destinação e ampliou a relação de crimes anistiados.
Segundo os deputados, merecem perdão também os recursos de procedência ilícita. É o caso de descaminho, sonegação previdenciária, uso de identidade falsa para fazer operações de câmbio e falsidade ideológica. Mais: além de dinheiro, abrem-se as fronteiras para a repatriação de cotas de fundos de investimentos, apólices de seguro, bens decorrentes de operações de câmbio ilegítimas, imóveis, joias, metais preciosos, obras de arte, carros, aeronaves e embarcações — tudo sem necessidade de provar documentalmente a origem. É revoltante. Cabe ao Senado frear a tramitação do monstrengo.
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