ARTIGO
Civilização e Barbárie
Os atentados da macabra sexta-feira, dia 13 de novembro, em Paris, ainda repercutem no mundo inteiro. São repetições de barbaridades semelhantes, praticadas em Nova Yorque, Londres, Madrid. A divulgação maior se explica por ser a cidade considerada sede da civilização ocidental e cristã. Polo do iluminismo, da ilustração, acrescido do considerável charme de boemia e […]
Os atentados da macabra sexta-feira, dia 13 de novembro, em Paris, ainda repercutem no mundo inteiro. São repetições de barbaridades semelhantes, praticadas em Nova Yorque, Londres, Madrid. A divulgação maior se explica por ser a cidade considerada sede da civilização ocidental e cristã. Polo do iluminismo, da ilustração, acrescido do considerável charme de boemia e romantismo, celebrados em verso e prosa por intelectuais e artistas de todos os quadrantes do planeta. As vítimas, em média, jovens de diferentes nacionalidades, divertiam-se na casa de espetáculos Bataclan. Mais de uma centena de mortos. O presidente François Hollande afirmou, o país está em estado de guerra. A palavra ganhou espaço em todos os canais da mídia.
Historiadores lembraram que durante a Idade Média Ocidental, a Igreja Católica, estabeleceu as tréguas de guerra, procurou disciplinar e dirimir os danos humanos gerados pelas guerras entre ducados, condados, principados, daí, originou-se a fixação de muitos feriados religiosos. Nesses dias era proibido travar batalhas.
Ao longo do tempo, com a formação dos estados nacionais, as regras evoluíram para os tratados e convenções sobre as guerras, em vãs tentativas de humanizá-las. Os dois conflitos mundiais, a Primeira e a Segunda guerras, encarregaram-se de demonstrar a ineficácia do propósito de reduzir sofrimentos e perdas de vidas, de igual modo, de melhorar o tratamento dispensado aos prisioneiros. Os conflitos bélicos seguintes, as guerras da Coreia, do Vietnã, reforçaram a avalição da impossibilidade de torna-las menos barbaras. A sucinta descrição da experiência histórica respeita unicamente aos países integrantes da dita civilização ocidental e cristã. O que dizer de outras civilizações como a chinesa, a muçulmana, a hindu.
As convenções e tratados sobre as guerras mereceram ratificação dos estados nacionais, integram parte do Direito Internacional, supervisionado inicialmente pela Liga das Nações, depois pela Organização das Nações Unidas. Apesar da sua baixa eficácia abrigam um conjunto de padrões éticos cobrados pela opinião pública mundial.
Atualmente os instrumentos de operar as guerras utilizam tecnologias avançadas. São máquinas de matar que dispensam o emprego direto de mão de obra humana, a exemplo dos drones, aviões não pilotados detentores de enorme potencial destrutivo. Pelas normas do Direito Internacional os alvos de guerra devem ser estabelecimentos militares, não podem jamais dirigir-se à população civil. Elas são frequentemente transgredidas.
Outra inovação é a utilização do corpo humano como arma de guerra. É o caso dos homens e mulheres bomba acionados em atos de terrorismo, como os praticados em Nova Yorque, Londres, Madrid, de efeitos devastadores, incidem sobre a indefesa população civil.
Os cientistas politicas lembraram Samuel Huntington, professor da Universidade de Harvard, autor da previsão de que as guerras do século XXI se travariam não mais entre estados. Os protagonistas seriam as civilizações. Segundo essa avaliação, os conflitos que ora presenciamos têm como atores a civilização ocidental e cristã e a civilização muçulmana.
Os autores dos atos de terrorismo praticaram as ações de guerra em Paris em nome da sociedade islâmica que pretendem implantar, com a denominação de Califado, onde seriam extintas as mazelas e injustiças da civilização ocidental. Ganham adeptos entre jovens descendentes de imigrantes muçulmanos, mas atraem também os filhos de europeus sedentos de uma utopia.
O professor de Direito da Universidade de Coimbra, atual Ministro da Administração Interna de Portugal, Calvão e Silva, ao propor ao Parlamento Europeu a convalidação das medidas restritivas às liberdades individuais adotadas pelo governo francês, enfatizou: “ o terrorismo é a luta da barbárie contra a civilização”.
O jurista português se contrapõe ao Presidente da França, que no discurso ao Parlamento do país, anunciando as medidas de emergência por três meses afirmou: “A França está em guerra. Mas não estamos em uma guerra entre civilizações, porque esses assassinos não representam nenhuma”.
Não há dúvida. Tratam-se de assassinos bárbaros. O desacordo está na eliminação do aspecto civilizatório. A civilização não exclui a barbárie, a nossa mesmo exibe contumazes exemplo de barbaridades. O terrorismo é um crime global, o Estado brasileiro precisa abrir urgente discussão e votar lei sobre o assunto. As Olimpíadas vêm aí e o país estará exposto a ataques.
Jesus e Maomé, ao contrário do que fazem muitos dos seus esdrúxulos interpretes, não pregaram a violência. Ambos sabiam, esta resulta das injustiças, dos conflitos internos das sociedades entre a civilização e a barbárie. Não é somente uma questão de lei, mas sobretudo de ética, a individual e a coletiva.
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