ARTIGO

Retalhos

Estou escrevendo este texto ao som da agradável e cativante voz de Luiz Cláudio, intérprete de muitas de nossas belíssimas canções, hoje totalmente esquecido. Se é que se pode ficar no esquecimento, sendo o que continua sendo Luiz Cláudio. Mas essas coisas acontecem. A nossa memória padece de amnésia, cuja causa é o desprezo pelos […]

Estou escrevendo este texto ao som da agradável e cativante voz de Luiz Cláudio, intérprete de muitas de nossas belíssimas canções, hoje totalmente esquecido. Se é que se pode ficar no esquecimento, sendo o que continua sendo Luiz Cláudio. Mas essas coisas acontecem. A nossa memória padece de amnésia, cuja causa é o desprezo pelos grandes talentos, que depositamos no museu das antiguidades imprestáveis. Lembro que, falando sobre Luíz Cláudio com o meu amigo Sérgio Brito, já falecido, fui presenteado por ele com um CD contendo a gravação de várias músicas na voz desse inigualável artista, entre as quais Joga a Rede no Mar, Casinha Branca, Cai Sereno, estas duas últimas de autoria de Elpídio dos Santos, o compositor preferido de Mazzaropi, que chegou a fazer 25 canções para os filmes do nosso eterno Jeca. Apenas um lembrete: Casinha Branca é aquela música romântica, que descreve uma época e um jeito de ser, cuja letra diz o seguinte: Fiz uma casinha branca / Lá no pé da serra / Pra nós dois morar / Fica perto da barranca / Do rio Paraná / O lugar é uma beleza / Eu tenho certeza / Você vai gostar / Fiz uma capela / Bem ao lado da janela / Pra nós dois rezar. A última estrofe é composta desses versos que ficaram na memória e na vida de muita gente: Satisfeito vou levar / Você de braço dado / Atrás da procissão / Vou com meu terno riscado / Uma flor de lado e meu chapéu na mão. Um romantismo de uma época, de cinema cheio, superado pelos tempos modernos dos celulares, em que as pessoas sequer falam, quanto mais andarem de braço dado! Com o diálogo interditado, a solução é o mutismo a dois.
Sobre o talento de Luiz Cláudio um dos seus ardorosos fãs (Peri Lobo) disse: “Luiz Cláudio, compositor, cantor, arquiteto, galã, pintor, realmente este nosso Pat Boone (tupininquim), é dotado de grande capacidade para a arte, voz lindíssima, aqui ele interpreta esta rancheira de Elpidio dos Santos, já havia sido lançado em 54 com José Tobias, em 79 pela EMI-Odeon, no Vídeo de Bolso, Luiz Cláudio lança ; Você Vai Gostar, ficou sensacional, o grande publico conhece bastante esta gravação que recentemente Sérgio Reis fez sucesso no mundo musical. (José Tobias) Você Vai Gostar, também (Casinha Branca).”
Materialmente, Luiz Cláudio faleceu. Apenas materialmente, porquanto continua vivo através da sua voz e do seu canto. É bom conferir o seu talento. E, cuidado, não confundir Luiz Cláudio com outros Luízes Cláudios que andam por aí vivinhos da silva, mas que não chegam perto do nosso talentoso e eterno Luíz Cláudio.
Aqui seguem apenas alguns retalhos da memória desse grande artista mineiro, de voz suave e melodiosa, que deveria ter tido o prestígio que até hoje consagra as interpretações bossanovistas de João Gilberto. E isso não é querer muito, mas reconhecer um grande artista.
De retalho em retalho, sigo em frente nessa nossa conversa desta quinta. Deixo um pouco de lado Luiz Cláudio. Mas ouço-o, ainda, cantando Recado, samba de autoria de Luiz Antônio e Djalma Ferreira, que fez um tremendo sucesso na voz de Miltinho. Lembram? Pois é, Miltinho, o sambista de cara de palhaço, roupa de palhaço, vou andar por aí, vai, que depois eu vou, mulher de trinta e um montão de sucessos.
Esbarro – esse verbo é muito usado pelo nosso sertanejo, e gosto dele – num texto de Luiz Fernando Veríssimo, publicado recentemente em O Globo, cujo título dado por esse cronista, contista, romancista e humorista, além de música nas horas vagas, foi Conspiração. Li o texto de Fernando Veríssimo e, de imediato, me veio à lembrança a psicanalista e escritora Maria Rita Kehl. Lembram dela? Creio que não. Como Luiz Cláudio, os fatos são rapidamente esquecidos. Mas não se trata de esquecimento de esquecimento. É esquecimento de interesse premeditado de esquecer. Maria Rita Kehl escrevia semanalmente no jornal o Estadão, órgão da nossa imprensa tupiniquim que representa a direita mais retrógrada. Um belo dia. Sempre tem esse dia fatídico. Escreveu uma coluna com o título Dois pesos…, em que contrariava a linha do jornal, ao defender o programa Bolsa Família. Lá para as tantas, disse o seguinte: “O Bolsa Família, acreditem se quiserem, proporciona as condições de consumo capazes de gerar emprego. O voto da turma da ‘esmolinha’ é político e revela consciência de classe recém-adquirida.” Pronto. Democraticamente, foi excluída das páginas do Estadão.
Veríssimo denuncia o complô golpista midiático, com escândalos que antes eram tantos e não davam manchete e agora dão tantas manchetes. E faz referência explícita a “outra personalidade que disfarçaria sua candura e simpatia para revoltar a população seria o ministro do Supremo Gilmar Mendes”. Bem. Nesses retalhos, ainda a ouvir Luiz Cláudio, cantando No Rancho fundo, Correnteza, Oração de Amor, para amenizar os dois pesos e as duas medidas, referidos por Veríssimo, fiquei a perguntar-me se não lhe foi aplicada a mesma sanção democrática sofrida por Maria Rita Kehl. Oxalá, que não, assim auguro. Como ensina o filósofo Leoni Kaseff, não há justiça mais desumana do que a humana.
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