ARTIGO

Até quando?

O brasiliense percorre o Eixo Monumental e já não se dá conta de sua grandiosidade. Acostumou-se aos amplos espaços, ao H maiúsculo de Niemeyer, o imponente palácio dos eleitos. Um belo prédio infestado de pragas — a maior delas é a corrupção. Do lado oposto ao Congresso Nacional, o Palácio do Buriti virou uma sede […]

O brasiliense percorre o Eixo Monumental e já não se dá conta de sua grandiosidade. Acostumou-se aos amplos espaços, ao H maiúsculo de Niemeyer, o imponente palácio dos eleitos. Um belo prédio infestado de pragas — a maior delas é a corrupção. Do lado oposto ao Congresso Nacional, o Palácio do Buriti virou uma sede assombrada. Denúncias de corrupção e desmandos diversos deixaram um legado de más lembranças e de dívidas. Entre os dois símbolos do poder, a sempre alquebrada Rodoviária do Plano Piloto está ali para lembrar aos políticos que o povo não existe apenas quando aperta a digital na urna eletrônica.
Foi parte desse povo que promoveu um ruidoso protesto na última sexta-feira. Os passageiros não querem o aumento de passagens de ônibus, que começa a vigorar a partir de hoje. Não querem ser submetidos à humilhação de pagar mais por um sistema medíocre de transporte público. Eles têm razão. Mas o governador Rodrigo Rollemberg não tem muita alternativa, já que o Distrito Federal está falido. Do jeito que o sistema opera hoje apenas as empresas são beneficiadas. O governo e o cidadão subsidiam um péssimo serviço. É revoltante mesmo. A indignação não precisa e não deve descambar para truculência seja por parte dos representantes do poder público ou dos manifestantes. Há que se ter mais sabedoria e civilidade de ambos os lados.
Esse mesmo povo que pega o ônibus na rodoviária, paga mais caro a sua comida porque o governo federal errou feio na política econômica. O jovem que protesta por ônibus mais barato engrossa as estatísticas do desemprego e vê as conquistas sociais dos últimos anos virarem um pó fino que escorre entre os dedos. Mas não se pode jogar o custo de uma economia em crise apenas no investimento no social, em parte certíssimo. As políticas de ajuda ao povo foram necessárias e bem-vindas, acredito. O problema não foi o remédio em si, mas a dose cavalar, que resvalou para a irresponsabilidade e o populismo. Além disso, existe um peso maior do que todos os possíveis equívocos cometidos: a corrupção.
O governo federal quer impor a volta da CPMF, que muda de nome e de alíquota, mas cumpre a mesma função: taxar a população pelos maus serviços prestados dos políticos. Pelos cálculos de um especialista, a arrecadação proveniente dela será seis vezes menor do que o valor gasto com corrupção, que rouba R$ 200 bilhões por ano. É uma conta revoltante, que jamais fechará.
Será que um dia, lá da Rodoviária do Plano ou de dentro de seus carros luxuosos, o cidadão olhará para um lado e para o outro e terá consciência de que ele é parte importante no processo de decisão do país? Saberá que o Congresso, o Alvorada e o Buriti são a morada de políticos que cada um de nós ajuda a eleger? Enquanto isso não acontecer, não aprenderemos nada e continuaremos a sofrer as consequências da canalhice e da incompetência alheia. Como disse ao Correio nas páginas de hoje a ministra Cármen Lúcia, vice-presidente do Supremo Tribunal Federal, o brasileiro precisa dar um passo além de reclamar: “As pessoas de bem têm que reagir e agir no sentido de mudar a situação e não de abandonar as coisas como se não tivessem a ver com elas”.
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