RETRATOS DA CRISE

Trabalhadores se tornam vítimas da recessão causa pela crise

O detalhamento do tombo do Produto Interno Bruto (PIB) mostra que o país está condenado a crescer pouco, afirmam especialistas. A população sente na pele os efeitos da crise e refaz planos de consumo, o que agrava o quadro

Graça Soares ficou mais apreensiva com o orçamento depois de ver o filho perder o emprego e eliminou supérfluos das compras

A economia brasileira está condenada a crescer pouco. O Produto Interno Bruto (PIB) anda para trás e será difícil para o país se recuperar diante do enfraquecimento político da presidente Dilma Rousseff. A crise de governabilidade é tão forte que está botando uma pá de cal em qualquer chance de avanço da economia durante este segundo mandato dela, na avaliação de especialistas.

Depois de o Brasil registrar crescimento nulo em 2014, especialistas preveem que o PIB vai despencar neste ano e no próximo. O biênio negativo é algo que não ocorria desde o início da década de 1930, período conhecido, nos Estados Unidos, como “A Grande Depressão”, que provocou queda no consumo de todo o planeta. As apostas são de que, mesmo que haja uma virada a partir de 2017, o crescimento poderá ser pífio por vários anos. “É possível que não tenhamos crescimento sustentável por quase uma década. Está ruim, mas pode ficar pior”, avisa o economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini. As famílias brasileiras já estão sentindo as dificuldades no seu cotidiano e têm noção da falta de perspectivas (leia texto ao lado).
O economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, não tem dúvidas de que a economia brasileira vai demorar para voltar a deslanchar. Ele acaba de alterar as previsões de queda do PIB de 2,1% para 2,5%, neste ano, e de 0,6% para 1%, em 2016. Com Dilma no poder, diz, dificilmente haverá uma recuperação em 2015. “É necessário o surgimento de uma liderança que consiga unificar o país em torno de um projeto. Não temos isso hoje e não sei se teremos nos próximos anos”, destaca.
Ele vê a deterioração do quadro como algo inevitável. “A economia precisará piorar mais para que se chegue a um consenso sobre as reformas mínimas necessárias. Não bastará aumentar infraestrutura. Questões cruciais, como tamanho do Estado e da educação, terão que ser enfrentadas”, explica Vale, que prevê taxa média anual de crescimento em oito anos de governo Dilma de 0,9%, uma das piores da história, menor até que a dos governos Collor/Itamar, de 1,2%.
O economista Jorge Arbache, professor da Universidade de Brasília, avalia que, enquanto a instabilidade política não for superada, o poder de compra do brasileiro vai encolher. “Está claro que o país vive a maior crise econômica desde a Segunda Guerra Mundial e que o PIB per capita continuará caindo. No ano passado, a queda foi de 5% a 6% e, neste ano, deverá ser maior, de dois dígitos. Teremos aumento da pobreza e da miséria, e o país vai entrar em uma crise fiscal profunda”, vaticina.
O PIB do segundo trimestre do ano encolheu 1,9% na comparação com os primeiros três meses do ano, o pior resultado desde o primeiro trimestre de 2009, conforme os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os dados revisados pelo órgão mostram que a economia encolheu 0,7%, no primeiro trimestre, e não cresceu nos últimos três meses de 2014.
Tecnicamente, o país entrou em recessão. Na comparação com o mesmo período de 2014, o tombo foi grande, de 2,6%, a terceira maior queda entre 35 países, só atrás da Rússia e da Ucrânia, de acordo com levantamento feito pela Austin Rating.
A piora no quadro fiscal e as incertezas políticas tornam praticamente certo o rebaixamento do país nos próximos seis meses pela maior parte das agências de classificação de risco. “É inevitável”, diz Agostini, que retirou o selo de bom pagador do país em julho, logo após o governo anunciar a redução da meta de superavit primário deste ano de 1,1% do PIB para apenas 0,15% do PIB.
Desespero do governo
Para Agostini, a sinalização da equipe econômica de que a Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira (CPMF) pode voltar só mostra o desespero do governo. “Eles acumularam sucessivos erros de gestão. Agora, tentam corrigir o que fizeram”, conta. O retrocesso da economia brasileira não tem nada a ver com a crise internacional, a avaliação dos especialistas nem com o recente aumento dos temores de uma desaceleração mais forte da China, que abalou as bolsas internacionais na última semana.
Não há dúvidas de que essa instabilidade na área política travou o investimento, que encolheu 11,9% no segundo trimestre na comparação com o mesmo período de 2014, registrando a maior queda desde janeiro de 1996, início da série histórica do IBGE.
A taxa de investimento, com isso, se retraiu de 19,5%, em 2014, para 17,8%, neste ano, a menor entre os países emergentes, de acordo com dados da Capital Economics. Agostini destaca que os recursos destinados ao aumento da produção e da produtividade “são a melhor forma de fazer a economia crescer sem gerar inflação, mas, diante da queda do PIB potencial (a capacidade de o país expandir), vai ser difícil fazer com que volte a crescer”.
De acordo com cálculos do economista-chefe da INVX Global, Eduardo Velho, o PIB potencial do Brasil conseguiu ficar abaixo de 3% no primeiro ano do governo Dilma e não vai ultrapassar 2%, recuando de 2,09%, em 2014, para 1,78%, em 2015. “Os custos acumulados do trabalho cresceram acima da produtividade, e isso impõe perda de margens para as empresas, que passam a ter menor capacidade de investir”, explica Velho.
Sem perspectiva de crescimento da economia, piora a confiança. “O empresário só voltará a aplicar o capital no país quando ele enxergar condições concretas para voltar a crescer”, comenta o professor Arbache, da UnB. No início do ano, ele previa que essa retomada só começaria em 2018, mas agora, diante da piora no quadro político e econômico, é possível que a demora seja ainda maior. “A taxa de desemprego caminha para dois dígitos e, combinada com a inflação, que também está próxima disso. Teremos aumento significativo do endividamento público e do setor privado por causa dos juro, que continuam subindo”, completa.
Para Arbache, a crise atual não é convencional. “O país entrou em uma fase de estagnação. A saída, por meio da melhora da competitividade, vai exigir um projeto mais longo e não somente um simples arranjo político com medidas de curto prazo”, avalia.
Insolvência
Na avaliação do chefe da Divisão Econômica da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Carlos Thadeu de Freitas Gomes, o mais importante, no momento, é evitar a insolvência do país. “A credibilidade fiscal e a realidade monetária são os riscos atuais. Não dá para chegar a 4,5% (de inflação) neste ano. É uma questão de escolha. Se o PIB desabar, vai perder a arrecadação. É preciso uma dosagem mais sensata porque 9% de juros real, como agora, só um país solvente tem condições de sustentar”, conclui.
VER COMENTÁRIOS
Polícia
Concursos e Emprego
Esportes
Entretenimento e Cultura
Saúde
Negócios
Mais Notícias