ARTIGO
O papa imigrante
Como a lei de gravidade social, cada nação rica atrai imigrantes na razão direta das riquezas e, na inversa, da distância em relação às nações pobres. Por isso, a Europa está condenada a receber multidões de imigrantes atravessando o Mediterrâneo, como no passado os judeus atravessaram o Mar Vermelho e os europeus, o Atlântico. À […]
Como a lei de gravidade social, cada nação rica atrai imigrantes na razão direta das riquezas e, na inversa, da distância em relação às nações pobres. Por isso, a Europa está condenada a receber multidões de imigrantes atravessando o Mediterrâneo, como no passado os judeus atravessaram o Mar Vermelho e os europeus, o Atlântico. À Europa restam duas opções: abrir as fronteiras, dividindo a riqueza material com os pobres do mundo; ou abandonar os valores éticos para construir barreiras, isolando-se em um imenso castelo contra os excluídos do mundo.
A última parece ser a escolha atual, não apenas da Europa contra a África, como também dos ricos contra os pobres, em todos os continentes e nações, separados não por fronteiras geopolíticas, mas por fronteiras sociais, muros e guardas em torno de casas, hospitais, escolas, condomínios em uma imensa apartação — apartheid social. É como se hoje uma cortina de ouro serpenteasse o planeta cortando cada país, separando os ricos dos pobres, como antes a Cortina de Ferro separou países, de acordo com o regime sociopolítico. Ao longo de 30 anos, morreram menos de 300 pessoas tentando saltar o pedaço da Cortina de Ferro chamado Muro de Berlim; nos primeiros sete meses deste ano, morreram mais de 2 mil pessoas tentando atravessar o pequeno pedaço da Cortina de Ouro chamada Mediterrâneo.
Esse é caminho insensato, porque não se conseguirá barrar milhões; e indecente, por desumanizar os pobres, tratando-os como dessemelhantes. O desafio seria substituir a brutalidade, usada para impedir a imigração na Europa, em generosidade, para fazer desnecessária a emigração desde a África. A Europa manteria a riqueza material, sem perder a riqueza moral, e protegeria a população pobre africana, dando-lhe condições de sobrevivência nas próprias comunidades.
A partir de 1945, ao investir na recuperação da economia europeia, a América conseguiu frear a necessidade de emigração dos europeus carentes vítimas da devastação da Segunda Guerra. Não há como repetir na África a estratégia do Plano Marshall, porque a pobreza europeia decorria da devastação de um potencial de riqueza que se mantinha latente; na África, a pobreza é de necessidades básicas essenciais. Mas a Europa pode realizar um Plano Marshall Social por meio de programa de transferência de renda condicionada à permanência dos africanos nas aldeias e dos filhos, na escola, criando um círculo virtuoso: permanência dos pais no país, frequência dos filhos na escola, criação de uma população educada. Com a educação das crianças e a permanência dos pais será possível manter a identidade cultural e os privilégios sociais e econômicos da Europa, com a defesa de seus valores morais, combinados com a proteção humanista da população pobre da África.
Uma alternativa mais decente e inteligente do que os gastos com o aparato de repressão que custa bilhões de euros por ano para impedir a entrada na Europa. Programas como este já existem em dezenas de países, após o início no Brasil, em 1995, do Bolsa Escola e, logo depois, no México, do Progresa. Isto não elimina a emigração induzida pelos erros e pelas crueldades das grandes potências ao provocarem guerras e dividirem países, mas reduziria, substancialmente, a imigração atraída pela estabilidade e riqueza da Europa.
Há muitos desafios para transformar a ideia em proposta viável administrativamente. Mas ela é possível com o apoio de entidades internacionais, seguindo a linha da Teologia da Harmonia, defendida por um papa filho de emigrantes europeus que atravessaram o Atlântico, fugindo da pobreza na Itália, e foram bem recebidos como imigrantes na Argentina; um líder com sentimento social e força moral para mobilizar o mundo por meio da Encíclica Sobre o cuidado da casa comum, tanto de um lado quanto do outro do Mar Mediterrâneo e de todos os muros da Cortina de Ouro, como um Moisés contemporâneo, convencendo os faraós do planeta a cuidarem dos pobres do mundo, sem necessidade de fugirem das próprias aldeias, expulsos por fome ou por guerra.
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