ENVOLVIMENTO
“Não acredito em heróis. Acredito em instituições”, diz ministro do TCU
A propósito da Operação Lava-Jato, Bruno Dantas diz que o país não precisa de homens voluntariosos. E sugere ao MP que apresente os nomes e as provas que supostamente incriminam integrantes do TCU
Em meio ao envolvimento do filho do presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Aroldo Cedraz, nas denúncias de corrupção da Lava-Jato, e suspeitas relacionadas a outros integrantes da Corte, o ministro Bruno Dantas diz que o julgamento das contas de Dilma Rousseff não será contaminado. A análise da execução financeira e orçamentária de 2014, que deve ocorrer neste mês, é considerada um marco na grave crise enfrentada pela presidente da República. Se a gestão for reprovada pelos ministros do TCU, Dilma será julgada pelo Congresso, onde encontra, desde o começo do ano, um ambiente hostil e 12 pedidos de impeachment. Há um ano no cargo, Dantas acredita que a busca e a apreensão na casa e no escritório do advogado Tiago Cedraz não causam, até o momento, constrangimento aos colegas de Aroldo Cedraz: “O que temos hoje é a palavra de um delator”.
Dantas elogia a atuação do Ministério Público nas investigações, mas pondera que procuradores prestariam um grande serviço ao país se apresentassem quais são os elementos de prova contra integrantes do TCU, citados como suspeitos pela imprensa. “O que cria, muitas vezes, um ambiente de dúvida e especulação é essa demora entre a acusação e a formalização do procedimento judicial”, observa. Ao comentar as pedaladas fiscais no primeiro mandato da presidente da República, Dantas antecipa: “O balanço que o governo federal apresentou condiz com a realidade? Os nossos auditores dizem que não”.
Baiano, 37 anos, o ministro tem como característica ser sempre o mais jovem a tomar posse nos cargos que ocupou. Foi assim no TCU, na Consultoria Legislativa do Senado e nos conselhos Nacional de Justiça (CNJ) e Nacional do Ministério Público (CNMP). Bruno deu início à carreira promissora no serviço público depois de passar, aos 19 anos, num concurso de ensino médio do TJDF, onde trabalhou na Vara da Família, em Samambaia. O começo foi difícil, ia de ônibus de Taguatinga, onde morava, para o serviço. Filho de uma funcionária do Banco do Brasil, Bruno enxerga o serviço público como uma revolução social. Antes de chegar ao TCU, ele fez mais de 20 concursos, sendo aprovado em quase todos entre os primeiros colocados. Em entrevista ao Correio, ele fala sobre a carreira, a trajetória como concurseiro e critica o que considera um exagero na exaltação de figuras públicas à frente das investigações da Lava-Jato e do mensalão. “Eu acredito em instituições fortes. Não acredito em homens voluntariosos.”
O juiz Sérgio Moro estudou bastante a Operação Mãos Limpas e parece inspirado no que ocorreu na Itália. Estamos vivendo uma situação parecida?
Não estudei a Operação Mãos Limpas da mesma forma que ele estudou, mas é possível. Talvez, a gente tivesse que considerar algumas características do Brasil que são bastante diferentes da Itália. Eu acredito em instituições fortes. Não acredito em homens voluntariosos.
O senhor conviveu com o ministro Joaquim Barbosa no CNJ, logo depois do julgamento do mensalão. Nesse período também a imagem do homem se sobrepôs à da instituição, como a de Moro, que tem se destacado. Esses homens fazem a diferença?
Não acredito nisso. Sinceramente, acho que o ministro Joaquim Barbosa teve papel fundamental, mas o que teria sido do julgamento do mensalão, se não fosse o ministro Ayres Britto, presidente do Supremo à época, ter feito todas aquelas reuniões e pautado o processo para ser julgado naquele momento? O que seria do julgamento se não fosse a ministra Rosa Weber, que era a primeira a votar depois do revisor e acompanhou o ministro Joaquim Barbosa em quase tudo? Eu acredito em instituições. O Brasil — e é natural isso — sempre mira em heróis. O problema de a gente querer heróis é que, em algum momento, esses heróis acabam eclipsando as instituições. E quando isso acontece, em vez de avançar, a gente retrocede.
As instituições são mais fortes que os homens?
O homem passa. Daqui a pouco, o juiz Sérgio Moro vira desembargador. Como aconteceu com o Fausto de Sanctis. Ele virou desembargador, e aí cadê a Sexta Vara de Combate à Corrupção de São Paulo? Acredito em instituições fortes. Uma coisa muito mais valiosa do que ter um superjuiz é ter uma ordem do CNJ — e eu participei disso — que determina a especialização das varas de combate à lavagem de dinheiro, à corrupção. Isso sim é algo que deixa um legado para o país. É claro que homens corajosos, homens destemidos, são algo importantíssimo, mas não podemos perder de vista que somos homens. Somos agentes. Veja aqui as contas do governo. Claro que todo mundo mira o relator, mas é ele sozinho quem vai decidir isso? Foi ele quem descobriu tudo ou foi uma equipe incansável de auditores que se estrutura há mais de 10 anos, passando por cinco presidências? A gente vive um momento de muito culto à personalidade. Para a imprensa, é mais fácil sintetizar tudo numa única pessoa, mas não acredito em avanços a partir de vontades pessoais.
Corrupção e propinas com empreiteiras sempre houve. O que levou neste momento a uma investigação que desbaratou denúncias envolvendo empreiteiras e políticos tão poderosos?
Uma série de fatores. Mas o principal deles foi um correto, adequado e satisfatório aparelhamento das instituições envolvidas. Vai olhar o corpo funcional do TCU. É de dar orgulho a qualquer instituição. O corpo de delegados da Polícia Federal é de dar orgulho a qualquer país, assim como o corpo de procuradores da República. Então, atribuo a uma correta estruturação desses órgãos. Há um certo caldo de cultura que está transbordando agora que é a de mudar o país.
É uma nova geração?
É uma nova ideologia para a classe média brasileira. O serviço público do Brasil hoje é composto por pessoas de classe média, que são aquelas pessoas que nem são pobres o suficiente para não ter esperança nem ricas o suficiente para achar que está tudo bem como está. São pessoas que querem mudar mesmo o país. São pessoas que estão fazendo a diferença.
O TCU considerou, nos últimos 10 anos, 710 empresas inidôneas. As empreiteiras da Lava-Jato pelo envolvimento em crimes graves devem também ser declaradas inidôneas?
O limite não só do Tribunal de Contas, mas de todas as instituições, é a lei. Três anos atrás, a gente não tinha a lei anticorrupção que responsabiliza as pessoas jurídicas por atos de corrupção. Não tínhamos também uma previsão de acordo de leniência. Não estou afirmando que vai ser o caso de autorizar todas as empresas a fazer acordo de leniência, mas essa é uma previsão que está na lei, e até que seja considerada inconstitucional pelo Supremo deve ser aplicada por todos os brasileiros. O TCU não pode dizer: “Não gosto dos acordos de leniência e não aplico”. Se os requisitos estiverem presentes, a CGU, fiscalizada pelo TCU, deve aplicar a lei. É claro que os requisitos devem estar lá: colaboração efetiva, reparação de dano. Mas declarar inidoneidade de empresas não é novidade para nós. Aliás, temos feito isso muitíssimo ao longo dos últimos anos.
O acordo de leniência é bom para a continuidade de obras e empreendimentos ou é bom para as empresas?
O acordo de leniência tem uma dupla função: uma associada ao interesse público, que é, a partir daquele episódio em que foi declarada a irregularidade, ter uma eliminação de fatores de risco que levaram àquilo; e um compromisso de assumir regras de compliance mais rígidas, de ter uma auditoria estruturada. Há também um vetor de permitir que a empresa consiga assumir compromissos e sobreviver à crise que seus gestores criaram.
Houve avanço dos números de fiscalizações nos últimos anos. O TCU mudou? São novas cabeças que fazem? Ou o país mudou?Acho que os dois. As principais instituições de controle se equiparam de uma maneira tal que estão prontas para dar respostas. E mudou a forma como o brasileiro — e os auditores e ministros do TCU não fogem à regra — enxergam aquelas antigas práticas que fazem parte de um passado patrimonialista, de confundir o público com o privado. Mudaram as duas coisas, mas, sobretudo, existe hoje uma abertura maior dos órgãos públicos para essas demandas. Não se ignora o que está na boca das pessoas.
A imagem do TCU mudou para a população?
Não tenho dúvida. Se você olha para a Constituição de 1988, tem um texto maravilhoso para o TCU de atribuições republicanas. O tribunal vem ao longo dos últimos 27 anos se aperfeiçoando até chegar a esse ponto de hoje. Tenho uma informação que provavelmente poucos têm: o TCU talvez seja o único órgão público no Brasil em que 99,9% do seu quadro é concursado. No TCU, de mais de 3 mil concursados, nós só temos 18 cargos em comissão. Dois em cada gabinete de ministro. Só. O resto é todo concursado. O Judiciário não tem isso. O Ministério Público não tem isso. Nem o Legislativo. Temos um corpo técnico espetacular e que é ouvido pelos ministros.
Apesar de todos esses méritos, o presidente do TCU, Aroldo Cedraz, está numa saia justa pelo envolvimento do filho na Operação Lava-Jato… E o nome de outros ministros também apareceu em investigações. Isso pode contaminar o julgamento das contas da presidente Dilma?
Não vejo possibilidade de contaminar o julgamento. Claro que não falo em nome do tribunal, não sou presidente e não tenho procuração para falar em nome dos outros ministros, mas o que nós temos hoje — pelo menos é o que se tem conhecimento — é a palavra de um delator. Se existem outros elementos, acho que o Ministério Público prestaria um grande serviço às instituições se nominasse quem são os envolvidos e apresentasse quais são os elementos de prova. O que cria, muitas vezes, um ambiente de dúvida e especulação é essa demora entre a acusação e a formalização do procedimento judicial porque qual é a forma que um Estado de direito tem para investigar uma pessoa? O inquérito. Não existe inquérito contra nenhum ministro do tribunal, então, quando me questionam se não vamos fazer nada eu pergunto: “O tribunal já foi informado pela Procuradoria-geral da República sobre o que existe contra quem?” Veja: o TCU não tem competência para investigar a atuação de advogado. O tribunal tem competência para investigar os seus ministros e auditores. Então, não tenho motivo para duvidar da versão que os ministros apresentam. Claro que se existirem elementos nós teremos que analisar.
De qualquer modo, num momento como esse, com o tribunal no olho do furacão, não fica ao menos um constrangimento?
Temos de colocar os fatores na ordem certa. O tribunal e qualquer magistrado têm como maior ativo a sua própria honorabilidade. Eu, pessoalmente, sou daqueles dogmáticos. Nosso julgamento aqui, ainda que em algum momento seja moral, deve ser consubstanciado em elementos de prova. Não posso dar valor jurídico se a Procuradoria-Geral da República, que é quem formaliza a investigação, não verbaliza no mínimo uma suspeita.
É um erro do Ministério Público?
Não diria que é um erro. Acho que esses procuradores são heróis. Esses homens estão envolvidos numa apuração que tem centenas de pessoas e eles são poucos. Não tem 200 homens trabalhando lá.
E o caso do ministro Vital do Rêgo, que foi citado por um ex-tesoureiro de campanha como tendo recebido na campanha recursos desviados de prefeitura?
Detesto falar sobre situação de colega. Mas acho que a grande imprensa, quando se trata de instituições como tribunais em que a credibilidade e a honorabilidade são fundamentais, deveria tomar alguns cuidados para não trazer para a cena nacional pequenas disputas paroquiais. Vejo, por exemplo, essa situação do ministro Vital do Rêgo. Ele é alvo de um pretenso futuro delator, que nem o Ministério Público deu credibilidade a ponto de chamá-lo para uma delação premiada. Há um interesse político em fragilizá-lo. Parte de uma pessoa que foi chamada a se explicar e não compareceu em juízo. Isso nos dá uma certa indignação.
Todos os anos, o TCU julga as contas do governo federal, mas agora a análise tem sido tratada como um marco. Isso é fruto do momento político ou da gravidade das suspeitas de irregularidades?É preciso colocar algumas coisas nos lugares. Às vezes, um tema técnico é retratado a partir de uma interpretação política. Só que nós não podemos controlar a leitura que se faz das nossas auditorias e fiscalizações. Se um contador pegar uma auditoria nossa, terá uma leitura. Se um político pegar, terá outra. Se um promotor criminal pegar a auditoria, terá uma terceira leitura. Cada um dentro da sua perspectiva. O que considero importante colocar na ordem adequada neste momento é que o tribunal vem se aperfeiçoando ano a ano exatamente na análise macrogovernamental.
Está mais preparado para análise das contas?
Sim. No passado, o TCU já foi um tribunal que só julgava ato de aposentadoria e de admissão. Depois, passou a ser o tribunal que também fiscalizava obras. O Fiscobras foi um dos grandes momentos do tribunal, justamente nessa evolução. É o relatório anual que mandamos para a Comissão de Orçamento indicando as obras que, por recomendação nossa, não devem receber recursos no ano seguinte. Foi um marco e hoje o tribunal avança para uma terceira frente de atuação que é essa de macrogestão governamental. A gente fiscaliza a eficiência de políticas públicas. Claro que governo nenhum quer que auditores independentes opinem sobre a eficiência de suas políticas. É claro que governo algum deseja que um olhar crítico e independente avalie se o crescimento dos gastos se reverteu em benefícios para a população. Só que com isso nós conseguimos aperfeiçoar também a nossa forma de avaliar as contas prestadas pelo governo, que, em última análise, não está fiscalizando uma responsabilidade individual.
Que pontos serão levados em conta?
O nosso regimento interno dá a luz. Já disse isso: sou muito dogmático. Pelo regimento, as contas de governo têm de ser analisadas do ponto de vista financeiro, orçamentário, contábil e patrimonial. Então, quando você me pergunta sobre a leitura que está sendo feita sobre a análise do tribunal em decorrência do momento político, digo que o tribunal está fazendo o que sempre fez. O julgador — e procuro fazer isso — deve seguir um ritual antes de decidir um caso. E antes de dar a resposta, o juiz deve saber quais as perguntas precisa fazer. E ao definir que perguntas ele deve fazer, não pode se distanciar da lei.
Como julgador das contas da presidente Dilma, qual é a pergunta que se faz?
Minha pergunta é: o balanço que o governo federal apresentou condiz com a realidade? Não tenho a resposta. Estou estudando o processo. Os nossos auditores dizem que não. Eu vou analisar a defesa da presidente.
A defesa registra considerações ao que se fazia no passado e em outros estados de forma semelhante…Você me deu uma grande oportunidade de dizer o que penso sobre esse argumento. Quando se julga algo, um dos pressupostos do Estado de direito é que esse julgamento se dá dentro de um processo formal. Você não julga o que está no mundo, julga o que está nos autos. Em 2015, estamos julgando as contas de 2014. Não estamos julgando as contas do Getúlio Vargas, não estamos julgando as contas do Jânio Quadros, não estamos julgando as contas do general Figueiredo. Estamos julgando as contas de 2014.
E nem do Acre, Rio Grande do Sul, Distrito Federal…
Exatamente. Sinceramente, esse argumento não é válido para mim. Não tenho compromisso com o que se deixou de fazer no passado. Claro que o tribunal deve ser fonte de segurança jurídica, mas os nossos auditores poderiam ser fonte de insegurança jurídica se houvesse algum precedente. O que aconteceu foi que esse não chegou a ser um item de análise no passado.
Não há precedentes nesse caso?
Não estamos violando um precedente anterior. Na verdade, não existe um precedente. Isso significa que jamais ninguém poderá julgar isso? Penso que não é possível chegar a essa conclusão. Agora, quando se fala de pedaladas de forma genérica, queria só dizer uma coisa relevante. Pedalada, embora seja uma expressão que caiu no gosto popular, no jargão dos economistas tem um outro significado: pedalada significa pegar uma dívida sua e retardar para o seu próprio pagamento no futuro, unilateralmente, sem combinar com o credor. Em vez de pagar em dezembro, pagar em janeiro.
No DF, existe uma pedalada desde a criação do Fundo Constitucional…
Isso é uma pedalada no sentido estrito. O que os nossos auditores estão dizendo que aconteceu e que o tribunal vai examinar ainda é que o que houve não foi uma pedalada e sim uma operação de crédito. O que os nossos auditores sustentam é que, em vez de dar uma pedalada, ele simplesmente usou os bancos públicos para pagar uma dívida que não era dos bancos públicos. Era dele, governo federal. Fez uma operação proibida. E não é o TCU que diz que o governo federal não pode usar recursos de banco público. É a Lei de Responsabilidade Fiscal. Então, isso está fora da vontade do TCU. É a lei que diz, e a lei é para todos. Há uma subcláusula, a oitava, no contrato da Caixa com o governo federal, que diz o seguinte: na eventual falta de recursos para suprimento do pagamento de benefícios de transferências de renda, como Bolsa Família, fica assegurada à contratada, no caso a Caixa, o direito de optar pela suspensão do benefício até que seja normalizado o fluxo financeiro. Ou seja, para ser prestação de serviço, o dinheiro não pode ser do banco. O que aconteceu aqui? O controlador da Caixa é o governo. O governo permitiria que a Caixa cessasse o pagamento? Porque se tivesse cessado, isso seria uma pedalada estrito senso. O dinheiro é do governo ou do contribuinte? Tem economista dizendo que seria crime do colarinho branco, crime contra o sistema financeiro nacional. Não chego a tanto. Não estou aqui para fazer análise criminal.
Tem estudado muito as contas?
Muito, muito. O juiz deve se fazer as perguntas corretas e buscar nos autos, e só nos autos, as suas respostas às suas perguntas. Um argumento do tipo “sempre se fez assim”, não é algo que encontro nos autos. Um argumento do tipo “os estados também fazem” não encontro nos autos. Disse isso na sessão que concedemos 30 dias para a Presidência responder. O processo de análise de contas é bipartido. Tem uma etapa que é puramente técnica, que é a do TCU. E tem uma etapa que é puramente política, que é a do Congresso. O que estou vendo é que, muitas vezes, os argumentos são apresentados fora de lugar. Esse argumento de que sempre se fez assim tem que ser apresentado no Congresso, não aqui. Eu tenho estudado tanto esse assunto e uma das conclusões que extraio é de que o TCU, em 99% das vezes, é juiz. Decide. O único caso em que não somos juízes é o das contas da Presidência. Nesse caso, nós não decidimos. Nós opinamos. Então, não somos juízes. O tribunal precisa ter humildade para compreender seu papel. O tribunal não é julgador nesse processo. É perito.
Criou-se um clima político em torno dessa decisão. O próprio TCU não assumiu essa posição também?
Não posso falar por outros. Falo pela minha postura. Você nunca me viu dar declarações de que o tribunal é o salvador da pátria. Sou muito circunspecto nesse assunto. Sobriedade é a marca que todo juiz deve carregar, e quando nos deparamos com assuntos que despertam tantas paixões, devemos redobrar a carga de tecnicidade com que vamos analisar.
Mas essa perícia, colocando assim como o senhor falou, não fica inócua, se o Congresso não se manifesta, nunca vota os relatórios de prestações de contas encaminhados pelo TCU?Isso não é problema nosso. O perito não tem de ter preocupação se o juiz vai julgar na próxima semana ou daqui a 10 anos. Aí seria o tribunal permitir a politização de sua função. Encerrou o nosso trabalho, o que vai acontecer a partir dali não é tarefa nossa especular. Então, acho que temos de redobrar a técnica. Nessa hora, e já tem sido assim, temos de apostar ainda mais naquilo que nossos auditores estão analisando.
O Brasil ainda é o país da impunidade?
Isso está mudando. Temos alguns marcos. O STF nunca tinha condenado ninguém. Nos últimos anos, basta olhar a lista. Existe ainda um sentimento de que é pouco, mas não se faz uma mudança tão profunda de uma hora para a outra. Estamos no rumo certo. Mais uma vez, digo que não são pessoas, são instituições. As pessoas, daqui a pouco, não estarão lá, mas se as instituições estiverem fortalecidas, as coisas continuarão a acontecer. A população cobra isso e os agentes têm se esmerado em dar respostas satisfatórias.
Qual é o segredo para passar em tantos concursos?
É preciso dedicação redobrada porque quem nasceu em berço de ouro já tem as condições postas. Quem veio de baixo precisa remar dobrado. Então, é preciso esforço em dobro, uma meta de longo prazo, mas é preciso saber que não se chega a essa meta sem etapas intermediárias. É um passo a passo, ir galgando posições. Ninguém lhe chama para lhe oferecer alguma coisa se você é filho de ninguém, se você não estudou numa escola renomada.
Seu plano é chegar ao STF?
Embora me considere uma pessoa intelectualmente inquieta, vivo um dia de cada vez. No momento, estou muito realizado com o trabalho e as perspectivas no TCU. Sobre o futuro, não acho que o preenchimento de determinados cargos se dê com base na vontade do candidato, mas sim de uma trajetória e das posições que assumiu. Jamais fui candidato ao TCU e, no entanto, estou aqui.
O senhor mencionou que, quando entrou no Senado, o juiz Sérgio Moro já era uma estrela. Que qualidades vê nele?
É um homem que se preparou para cumprir o papel que está cumprindo. A competência técnica dele é inquestionável, ele se dedicou a estudar — inclusive fora do Brasil —, e eu acho que ele acredita no que faz. A principal característica dele é a obstinação. De certa forma, o Brasil viveu alguns ensaios de Operação Lava-Jato, mas talvez não houvesse ainda o acúmulo de experiências que permitisse…
Se não fosse por ele, esse processo não seria igual?
Não. Tem uma coisa que sempre digo: o ser humano tem um papel importantíssimo no aparelho do Estado, mas acredito muito mais em instituições. O Sérgio Moro é uma peça nessa engrenagem. Ele não teria condições de dar as respostas que está dando se não tivesse procuradores competentes fazendo a investigação, se a PF não estivesse aparelhada e tivesse capacidade técnica de investigar os delitos, se não houvesse uma rede de cooperação nacional e internacional que permitisse o acesso a essas informações, se não tivesse o TCU revelando inúmeras irregularidades. A Lava-Jato virou uma marca, a parte vistosa, mas, na verdade, é um guarda-chuva que sintetiza inúmeras operações. Não foi a Lava-Jato que descobriu o Comperj (Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro) ou Pasadena, foi o TCU. Acredito em instituições fortes e não em homens voluntariosos.
Como foi ser o mais jovem em diversas situações? A juventude passa uma ideia de insegurança?
No Senado, fui o mais novo em tudo: o consultor mais novo da história, aos 25 anos, e o mais jovem consultor-geral, aos 29. Aos 31 anos, fui o mais novo no CNMP e, aos 33, o mais novo do CNJ. Também fui o primeiro ministro do TCU com 36 anos. A insegurança é uma primeira percepção das pessoas sobre os mais jovens, mas minha sorte foi ter crescido profissionalmente num ambiente com pessoas maduras e experimentadas que não veem a juventude como demérito. Quando fui eleito para ministro do TCU e meu nome foi para a mesa do presidente — na época, era o senador Renan Calheiros —, o diretor-geral Agaciel Maia teria perguntado: “mas ele não é novo demais?” Então, o Renan Calheiros respondeu: “É justamente por isso que vou nomeá-lo”.
Sentiu insegurança por ser jovem?
Queria ter feito as coisas na ordem inversa. Primeiro, ter buscado minha formação educacional para depois fazer carreira na iniciativa privada, mas eu não tinha essa condição, pois pararia num subemprego. O serviço público talvez seja a maior fonte de ascensão social porque permite que um jovem de classe baixa ascenda socialmente pelo mérito. Estudou, passou.
Essa vontade de crescer é uma característica sua?
As pessoas me viam como alguém que poderia verbalizar adequadamente preocupações da Casa. A mesma coisa quando fui convidado para ir para a iniciativa privada. Quando terminei meu mandato no CNJ, voltei para o Senado. Logo em seguida, veio o convite do doutor Benjamin Steinbruch para cuidar dos casos estratégicos de uma das maiores multinacionais do Brasil, a CSN (Companhia Siderúrgica Nacional). Ter uma vida inteira no serviço público dá uma boa visão da máquina do Estado, mas não sabia nada do setor privado. Viver aquilo sendo convidado por um dos maiores empresários do Brasil dá uma satisfação pessoal, de crescer etapa por etapa. Não foi porque alguém era meu padrinho. O empresário não quer saber quem é seu padrinho, quer saber quem pode resolver os problemas dele e dar uma contribuição para a empresa dele.
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