RACISMO

Chamem a princesa Isabel

Presidente do Conselho de Administração do CIEE/SP, presidente do Conselho Diretor do CIEE Nacional e presidente da Academia Paulista de História (APH) A profusão dos ataques contra a jornalista Maria Júlia Coutinho — a moça do tempo do Jornal Nacional —, por ser negra, fez o Brasil mostrar a cara, como pediu Cazuza na bela […]

Presidente do Conselho de Administração do CIEE/SP, presidente do Conselho Diretor do CIEE Nacional e presidente da Academia Paulista de História (APH)
A profusão dos ataques contra a jornalista Maria Júlia Coutinho — a moça do tempo do Jornal Nacional —, por ser negra, fez o Brasil mostrar a cara, como pediu Cazuza na bela canção. A faceta não é bonita. Indica a existência de parcelas significativas da população que cultivavam veladamente a discriminação racial e agora a revelam sob o anonimato da internet. Na verdade, a aberração já vinha pipocando esporadicamente. Sugere estar encontrando terreno fértil para evoluir.
Trata-se de racismo seletivo restrito aos negros, plenamente reversível. Breve retrospecto histórico pode nos convencer a esse respeito. O ódio provavelmente nos seria estranho se não tivéssemos tido a escravidão. O tráfico se deu quando a nossa sociedade estava se estruturando nas suas origens coloniais. Por isso absorveu a má propaganda corrente sobre a inferioridade da raça negra.
A desqualificação era estratégica para justificar o imoral comércio de seres humanos. Preponderaram dois interesses econômicos: o da colônia, que precisava do trabalho servil; e os altos lucros decorrentes da operação. Era negócio da China. Durante os cerca de 300 anos em que a escravidão prevaleceu, entre os séculos 16 e 19, foram introduzidos algo em torno de 4,8 milhões de africanos. Na média, o homem valeu 375 mil réis; a mulher, 359 mil, quantias ao redor de R$ 50 mil, convertidas ao câmbio de hoje.
Era uma montanha de libras esterlinas e de dobrões (20 mil réis), a maior cédula do real, o dinheiro português. Era como se fosse uma mina de ouro inesgotável, pois a África estava à mão, com aquilo que os marxistas chamariam de exército reserva. Diante da cobiça, era imperioso martelar que as “peças”, no jargão comercial, precisavam ser associadas aos instintos mais primitivos. Aliás, eram avaliadas à semelhança dos animais: apalpavam-se os músculos para medir o vigor; verificavam-se olhos, ouvidos, dentes e genitálias em busca de doenças.
Reafirmava-se antigo mito inspirado do Gênesis de que a pele escura — fruto de milenar adaptação nas regiões de alta insolação — era a marca que Deus havia imposto a Caim para identificá-lo como o primeiro fratricida bíblico. Por seu lado, duas circunstâncias fortuitas ampliaram o marketing difamatório durante o 2º Império. E aqui emergem as figuras do conde Arthur de Gobineau (1816-1882) e do suíço Louis Agassiz (1807-1873). O primeiro foi diplomata francês na corte de Dom Pedro II, de quem se fez amigo; o segundo, geólogo e zoólogo, comandou a Expedição Thayer (1865-66), incumbida de registrar a mestiçagem no Brasil, em missão pretensamente científica. Ambos traziam credenciais respeitáveis.
Gobineau fora secretário do historiador Alexis de Tocqueville; Agassiz, professor de Harvard, discípulo dos naturalistas Alexander Von Humboldt e Friedrich Von Martius. A dupla tornou-se popular artífice das teses pseudocientíficas relativas à supremacia racial. O livro de Gobineau — Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas — inspirou o inglês Houston Stewart Chamberlain a publicar, em 1899, Os fundamentos do século 19, lançando a ideia do predomínio racial ariano, da qual o povo alemão seria herdeiro. A obra estabeleceu as bases ideológicas do Nazismo. Naturalmente, as bobagens de Gobineau e Agassiz, devido à presença próxima dos autores, associada à longa estada, engrossaram a crença na discriminação, corroborada pelo ar falsamente acadêmico.
Voltemos ao raciocínio dos primeiros parágrafos. O Brasil tem legislação eficiente para punir a discriminação racial. Porém, e melhor do que coibir, é possível removê-la do nosso convívio por meio de políticas de Estado que norteiem processo permanente de aprendizado. O estágio da nossa discriminação ainda não atingiu a profundidade abissal das rejeições atávicas que permeiam civilizações em várias partes do planeta. Entre nós, é fenômeno induzido, praticamente artificial, desafiado pelos numerosos casamentos inter-raciais.
Por seu lado, a escravidão e a integração da comunidade afrodescendente continuam questão em aberto que, por variadas irradiações aparentemente desconectadas entre si, fazem o país tropeçar. É assunto vasto e complexo que pede uma resposta. Quem já refletiu sobre os magníficos escritos de Joaquim Nabuco (1849-1910) a respeito sabe do que se trata.
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