A medicina de família e comunidade representa apenas 8% do total de vagas de residência médica no país e menos 30% destas têm sido ocupadas. Os dados são da Comissão Nacional de Residência Médica do Ministério da Educação e se referem ao ano de 2015. De um total de 1520 vagas ofertadas para o programa de residência em medicina de família e comunidade, apenas 400 foram preenchidas.
A carência desses médicos no sistema de saúde pública brasileiro é o mote do 13º Congresso Brasileiro de Medicina de Família e Comunidade, que começou hoje (8), em Natal (RN), com palestras e debates previstos até domingo (12).
Para o médico Thiago Trindade, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, faltam políticas públicas mais elaboradas para garantir equipes da Estratégia de Saúde da Família com a maioria de médicos de família qualificados.
“Em países que tem uma atenção primária forte, como Espanha, Portugal, Canadá, Cuba e Inglaterra, cerca de 40% das vagas de residência são para medicina de família. Assim, eles conseguem sustentar o sistema de saúde deles, voltado para a prevenção”, conta. “Nesse países, a residência em medicina de família e comunidade é obrigatória para você trabalhar na atenção primária do sistema de saúde. No Brasil não”, diz ele, que defende a obrigatoriedade aqui também.
Trindade destaca que o país vêm ampliando as vagas de residência, como um todo, mas a medicina de família e comunidade é pouco divulgada e reconhecida no meio acadêmico, além de receber pouco estímulo financeiro, visto que não é rentável como outras áreas da medicina.
“Hoje, o recém-formado em medicina se preocupa muito com a valorização da especialidade no mercado. E ainda tem a falta de infraestrutura nos locais de atendimento. É preciso dar condições dignas de trabalho para que esse médico faça um trabalho qualificado na atenção primária. Os municípios que têm vínculos empregatícios sólidos, com planos de carreira, infraestrutura e equipamentos, conseguem atrair médicos para a Estratégia de Saúde da Família”.
A médica de família Neuma Marinho se diz “encantada” com a carreira, apesar das adversidades. Formada em pediatria há 21 anos, ela lamenta não ter tido nenhum contato com a atenção básica na faculdade que cursou no Rio Grande do Norte. Atualmente, ela também é professora dessa cadeira na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Valorizar o profissional é o maior desafio do país para garantir uma atenção básica de qualidade. “A maioria dos meus alunos se surpreende com as atividades que desenvolvemos em uma unidade básica com recursos reduzidos, adversidades extremadas, com violência. Eles dizem que querem fazer medicina com qualidade, mas, com um mínimo de reconhecimento, de qualidade de vida”, relata. “E se remuneração, que é uma forma de reconhecimento, não ocorre a contento, naturalmente, os profissionais acabam buscando algo que lhe dê um retorno maior”.
A bolsa para a residência médica em unidades públicas pagas pelo Ministério da Saúde e da Educação é de cerca de R$ 3 mil. Alguns municípios – que são os responsáveis pela atenção primária no sistema público – complementam a bolsa para quem optar por fazer residência de família e comunidade.
O Rio de Janeiro é um caso de sucesso. As 100 vagas de residência de especialização em atenção primária foram preenchidas esse ano, pois a Secretaria Municipal de Saúde oferece mais R$ 7 mil reais complementares à bolsa federal, para tornar a especialidade mais atraente.
Florianópolis e Curitiba são as outras duas cidades referências na atenção básica de qualidade no país. “Infelizmente, na maior parte do país, faltam equipamentos e informatização para transformar nosso trabalho mais resolutivo. A atenção básica pode resolver 80% a 90% dos problemas das pessoas, mas sem um mínimo de infraestrutura e equipamento, essa capacidade cai para 60% e acabamos temos que encaminhar o paciente para outras especialidades, quando ele poderia ter sido cuidado na atenção primária”, disse Trindade.