Noite de sexta-feira, praça de alimentação do Buriti Shopping, Aparecida de Goiânia. Um homem dispara contra a cabeça da namorada e tenta o suicídio. O crime acaba de ocorrer e várias pessoas miram as câmeras dos celulares em direção ao cadáver da jovem, tombado sobre uma enorme poça de sangue. Ao lado, o assassino recebe […]
Por: Rodrigo Craveiro
Noite de sexta-feira, praça de alimentação do Buriti Shopping, Aparecida de Goiânia. Um homem dispara contra a cabeça da namorada e tenta o suicídio. O crime acaba de ocorrer e várias pessoas miram as câmeras dos celulares em direção ao cadáver da jovem, tombado sobre uma enorme poça de sangue. Ao lado, o assassino recebe os primeiros socorros, caído sobre o banco, também com tiro na têmpora. As imagens começam a circular pelas redes sociais poucos minutos depois. Uma completa banalização da violência, uma segunda agressão à vítima. Os comentários quase sempre tão toscos quanto as fotos. “Acabou de acontecer no shopping…”, “Eu vi tudo…” etc. O culto à morte em troca de alguns seguidores nas redes sociais. Sangue e desgraça alheia por popularidade.
O que dizer aos familiares da garota? Provavelmente, toparam com a imagem de alguém que amavam reduzida a corpo inerte, vida que teve os sonhos roubados pelo ciúme doentio e o sentimento de posse. Como confortar amigos que talvez tenham recebido a notícia por meio da própria internet, da pior forma possível? Nada explica o comportamento doentio de pessoas reduzidas a abutres. Creditar tal ato ao fascínio e à facilidade proporcionada pela tecnologia é tão simplório quanto se dar o direito de espezinhar o drama humano. Argumentar que os smartphones burlaram tempo e espaço e transformaram o cidadão em jornalista é ignorar a ética e a sensatez. Nada justifica disseminar fotografias de tragédias.
A mesma tecnologia que informa e acrescenta idiotiza, escraviza e contribui com a perda de senso da realidade. Talvez a humanidade precisasse rever seus conceitos e tentar ser mais humana, no sentido mais profundo do termo. Utilizar as ferramentas virtuais em prol da própria comunidade, organizando eventos beneficentes ou colaborando com a politização do indivíduo. Em vez de cadáveres, disseminar a construção de uma democracia participativa, sólida e atuante. Fazer das redes sociais terra fértil para sementes que gerem cidadania e bem-estar social, talvez suprindo o que o próprio governo não consegue oferecer por falta de competência. Muito além da exposição macabra de tragédias e de dramas alheios, a internet pode ser elo entre culturas e povos rumo a um mundo melhor e mais positivo. Deixemos os mortos em paz.