O amor incondicional pela única filha, Veridiana Viana, levou o pai dela, Klinger Figueiredo Viana, de 60 anos, portador de câncer de linfoma não Hodgking, um dos tipos mais agressivos da doença, a encontrar forças para superar a dor e conseguir levar a noiva até o altar da Igreja de São José, no Centro de Belo Horizonte. O casamento foi celebrado na noite de sábado, em meio a muita emoção dos convidados. O público não conteve o entusiasmo ao ver Klinger de pé, atravessando firme a nave da igreja restaurada, extremamente elegante no terno cinza, enfeitado com uma rosa branca na lapela.
“Viu que presentão Deus reservou para mim? Ele está de pé!”, derramou-se Veridiana, sob risco de borrar a maquiagem antes mesmo de entrar na igreja, ao som dos acordes da marcha nupcial. Cerca de 15 minutos antes da hora marcada para o casamento, a noiva já aguardava a chegada dos convidados dentro de um imponente Rolls Royce preto. O carro estava posicionado de frente para a porta principal, de modo que a noiva pudesse vigiar os passos do pai e também do noivo, o engenheiro Fernando Henrique dos Santos.
Ao contrário de muitos casamentos, em que se cria suspense para ver se o noivo realmente honrará o compromisso, neste existiam dúvidas em relação à entrada do pai da nubente. Até o último segundo, ninguém sabia dizer se Klinger daria conta de apoiar a filha até a subida ao altar. Recostado em um carro, debilitado, ele esperava do lado de fora a chegada do grande momento. Estava amparado pela oncologista Maria Nunes Álvares, que acompanha de perto o andamento do caso crônico. “Como acima de tudo está Deus, pode-se dizer que é um milagre a recuperação do paciente, que aliás é uma pessoa muito simpática, de ótimo coração. A família é muito especial”, elogiou a médica, presente à cerimônia. Segundo ela, a sobrevida média deste tipo de câncer está em torno de três anos, ante os oito anos enfrentados por Klinger.
Convalescente das últimas três cirurgias, no intervalo de seis meses, Klinger, que é representante comercial, estava hospitalizado até o início da semana passada, com a ajuda de sonda e cadeira de rodas. Em poucos dias, reuniu energia para se levantar da cama e apoiar o sonho maior de Veridiana. Em todas as ocasiões importantes da vida da filha ele fez questão de estar junto. Estava internado nas vésperas do aniversário de 15 anos da menina, mas se recuperou a tempo de dançar a valsa. Da mesma forma, teve uma recaída perto da formatura da moça, mas aprumou-se a ponto de vê-la recebendo o canudo de geógrafa e engenheira ambiental.
Desde que foi diagnosticado com câncer, em 2006, Klinger já foi submetido a cerca de 200 sessões de quimioterapia, testou todos os tipos de medicamentos indicados para o caso e se submeteu a retiradas de tumores. Desenganado pelos médicos, atravessou cinco pneumonias, duas tromboses e quatro acidentes vasculares cerebrais (AVCs). Ele se tornou estudo de caso clínico em faculdades de medicina de Minas. “Em todos os grandes eventos da minha vida, disseram que meu pai não iria, mas ele sempre deu jeito de estar comigo”, confiava Veridiana na primeira entrevista concedida ao Estado de Minas, há seis meses. Na ocasião, ela se negava a antecipar o casamento religioso em função da doença do pai. Concordou apenas em adiantar o civil. “Já vi noivas que estão na minha situação simularem casamentos de mentirinha só para entrar na igreja de braços dados com o pai. Eu me recuso a fazer isso. Quer dizer que, depois que me casar, meu pai está liberado para morrer? Nada disso”, desabafou ela, na época.
“Graças a Deus, não desisto da vida. Vou fazendo o gosto da minha filha, que é maravilhosa, e também do meu genro, Fernando. Se eles quiseram assim, então vamos em frente”, confessou Klinger, pouco antes de se abrirem as portas principais da São José. Ele também aproveitou a deixa para desejar a ambos sorte igual à que teve ao se casar com Helena Cristofolo, nem mais, nem menos. Novamente, ele contou com a compreensão da esposa. Em vez de entrar duas vezes, uma com a mulher e outra com a filha, Klinger decidiu fazer uma única viagem até o altar. Com os cabelos brancos e elegância natural, Helena entrou de braços dados com o afilhado, o sobrinho João Pedro, de 19.
Antes da apoteose da noiva, de braços dados ao pai, pisaram no tapete vermelho as cinco madrinhas em tons vermelhos, no estilo norte-americano, amigas de cada fase da vida de Veridiana. Em seguida veio a figura da porta-alianças, que, em vez de crianças, era representada pela avó materna da noiva, Genira, de 74 anos. Radiante, a avó ofereceu a todos os presentes um rosário fabricado pelas próprias mãos, feito de fuxicos brancos.
Orgulho
O auge da cerimônia aconteceu finalmente com a aparição da noiva, que não escondeu o orgulho de estar de braços dados com o pai. Pé ante pé, acenando para os conhecidos, Klinger se manteve altivo durante os mais de 50 metros do corredor principal. Só se sentou depois de entregar a filha ao noivo. “Veridiana estava com medo de o pai não conseguir entrar. Mas ele foi até o fim, firme e forte. Seus olhos se encheram de lágrimas ao passar a noiva para o Fernando. Quem estava bem perto, viu”, confidenciou uma das madrinhas.
Ao lado de Helena, sempre sentado no primeiro banco, o pai da noiva assistiu por inteiro à missa relativamente rápida, que não se prolongou por mais de 40 minutos. Presenciou Veridiana e Fernando trocando as alianças, com a promessa de permanecerem juntos para sempre, na saúde e na doença, na alegria e na tristeza. Felizes da vida, os noivos agradaram aos presentes com um gesto de extrema delicadeza. Por meio da equipe do cerimonial, fizeram chegar às mãos de cada convidado o terço de fuxicos, além de uma cápsula de vidro contendo minúsculas sementes de mostarda. Dentro, havia a seguinte mensagem: “Em verdade vos digo: se tiverdes fé como um grão de mostarda, nada vos será impossível (Mateus 17,20)”. Menor de todas as sementes, o grão de mostarda germina uma grande árvore, quando posto em solo fértil.