A segurança parecia ter voltado ao Rio. Depois de longo ciclo de violência que embotou a alegria da cidade e obrigou a população a se enclausurar, os cariocas tiveram a impressão de respirar aliviados. A sensação, porém, foi passageira. Confrontos entre polícia e moradores de morros apaziguados deram recado claro: a paz não passou de maquiagem feita para deixar a ex-capital bem na foto da Copa do Mundo.
Passado o evento, a criminalidade voltou ao noticiário e às preocupações dos habitantes, sem discriminação de classe social. Joias, mochilas, tênis, dinheiro, celular, tudo vale na banalização da vida. Com o incentivo e a crescente adesão ao ciclismo, a bicicleta se tornou objeto de desejo de adultos e adolescentes. Mais baratas e menos fiscalizadas, facas substituíram revólveres e pistolas.
De janeiro a abril, as emergências dos quatro maiores hospitais municipais atenderam nada menos de 167 feridos com armas brancas em diferentes bairros. Barra, Gávea, Centro, Méier, Lagoa registraram ocorrências. Não surpreende, pois, o esfaqueamento do cardiologista Jaime Gold, atacado quando pedalava na Lagoa no início da noite de terça-feira. A bicicleta lhe custou a vida.
A morte ensejou matérias em sites e jornais internacionais. A tônica não poderia ser outra: a insegurança da cidade que sediará as Olimpíadas de 2016. Notícias sobre os sucessivos confrontos que dia sim e outro também ocorrem nos morros, aliadas às de ataques gratuitos a pedestres e ciclistas, levarão o turista a pensar duas vezes antes de embarcar rumo ao Rio.
É lamentável e revoltante. Arrombada a porta, o governo fez o que sempre faz. Tira do bolso do colete resposta surrada, apta a calar os protestos da hora. A Secretaria de Segurança reforçou o policiamento até com homens a cavalo. Passado o calor da tragédia, não haverá surpresa: a ação ostensiva da polícia desaparecerá. Acenderá a luz verde para a sequência de ações criminosas que assustam a população, afugentam turistas e envergonham as consciências civilizadas.
Cartão-postal do Brasil, o Rio é a caixa de ressonância do país. O que acontece lá perde o caráter local e assume as cores verde-amarelas. Passou da hora de levar o problema a sério. A violência urbana precisa ser contida. Impõe-se trabalho de inteligência capaz de prevenir em vez de remediar. Restringir-se a remendos cujo único objetivo é fazer de conta que se age com seriedade é procrastinar a solução.
Grandes urbes venceram o desafio da violência generalizada. Nova York serve de exemplo. O programa Tolerância Zero tornou a cidade, considerada paraíso da criminalidade, uma das mais seguras do mundo. Polícia, escola, família, igreja participaram das medidas cuidadosamente traçadas pelo Estado. O ponto de partida: eleger político efetivamente comprometido com a causa.