O avanço do Estado Islâmico (EI) levanta dúvidas sobre a eficácia da estratégia de combate aos terroristas. Liderada pelos Estados Unidos, coalizão internacional bombardeia alvos dominados pelo grupo. Washington treina, aconselha e arma o Exército iraquiano para os combates em terra. Até há pouco, a tática parecia acertada.
Ao infligir uma série de reveses à facção, obrigou os jihadistas a retroceder. Em janeiro, os extremistas sofreram derrota em Kobani, localizada na fronteira entre a Síria e a Turquia. Pouco mais de um mês depois, perderam Tikrit, cidade natal de Saddam Hussein. Notícias de que jovens recrutados mundo afora abandonavam as tropas dos radicais reforçaram a percepção de recuo.
A sensação de alívio se esvaiu no domingo passado. Ramadi caiu nas mãos do bando sunita depois de três dias de confrontos e um rastro de terror — destruição, 500 cadáveres espalhados no chão e mais de 25 mil fugitivos. Trata-se de vitória substantiva. A cidade, localizada a 110km de Bagdá, é capital de Anbar, a maior província do país e posto importante para a defesa do território.
Na quarta-feira, foi a vez de Palmira. O Exército sírio bateu em retirada horas depois de os terroristas invadirem a cidade. Eles dominam agora uma das joias da humanidade. Com a jordaniana Petra e a libanesa Baalbeck, a urbe construída no deserto foi no passado ponto de passagem obrigatório na Rota da Seda. Teme-se, com razão, que os monumentos milenares sejam convertidos em recursos para sustentar a guerra sem fim.
Com metade da Síria (95 mil km²) e parte do Iraque sob controle, o Estado Islâmico mostra força e determinação. Depois da conquista de Ramadi e Palmira, avança destemido sobre o território sírio com destino a Aleppo, Homs e Hama. Grande parte de Baiji, a maior refinaria do Iraque, também caiu na ofensiva.
Os sucessivos triunfos da facção sunita põem em xeque a estratégia norte-americana na região. O Exército iraquiano, apesar do apoio de Washington, mostra-se incapaz de afastar os jihadistas. Assim foi em 2014, quando o EI tomou grande parte do território por ele agora controlado. Assim foi também na tomada de Ramadi. Nada indica que cenas menos humilhantes que as de fuga desorganizada sejam exibidas pelos soldados da antiga Mesopotâmia.
Barack Obama, que desqualificou as novas conquistas do inimigo, não parece disposto a mudar a estratégia. O governo iraquiano recorre a combatentes xiitas na tentativa de reaver o território perdido. São mais de 3 mil homens treinados pelo Irã. Trata-se de jogada arriscada. Tradicionais rivais, sunitas e xiitas são bicudos que não se beijam. Por trás da contenda, observadores veem um prolongamento da disputa entre Arábia Saudita e Irã por áreas de influência na estratégica região do Golfo Pérsico.
O desenlace não parece próximo. A perspectiva imediata é de acirramento da contenda, com potencial para conflagrar vasto arco que se estende do Mediterrâneo ao Golfo Pérsico. Sem falar na armadilha à espreita das forças externas à região que, por melhores que sejam as intenções, se prestam a interferir em conflito cujas partes exercitam há séculos a arte de enredar aliados em conflitos que lhes são alheios.