Esporte

Emanuel Rego deixa o caminho do pódio

“É dura a decisão naquele minuto, no ponto final”, diz o atleta

Depois de 25 anos com os pés na areia e os olhos na bola, Emanuel Rego construiu uma carreira sólida na história do vôlei de praia. Participou de todas as edições dos Jogos Olímpicos que contaram com a modalidade – Atlanta (1996), Sydney (2000), Atenas (2004), Pequim (2008) e Londres (2012) – e conquistou medalhas nos três últimos (ouro na Grécia, bronze na China e prata na Inglaterra).
Também é o detentor de três campeonatos mundiais (Marselha, em 1999; Rio de Janeiro, em 2003 e Roma, em 2011), dois ouros em Pan Americanos (Rio de Janeiro, 2007 e Guadalajara, em 2011) e vários títulos em circuitos mundiais.
Com a biografia rica em premiações, o atleta de 42 anos pôs um ponto final na lista de pódios nas praias do Brasil e do mundo em março deste ano. “Eu tive uma carreira muito sólida, 25 anos no esporte, acho até que surpreendi a mim mesmo, onde eu cheguei, pelos títulos, pela solidez de tudo que eu construí. Então, eu parei no momento certo”.
Emanuel evoluiu junto com o esporte. À medida que as arenas atraíam fãs do esporte e os jogos eram exibidos na televisão, mais ele crescia, a ponto de ser uma das grandes referências da modalidade. Foi eleito melhor jogador dos Jogos Olímpicos de 2004 e do Circuito Mundial de 2006 e 2011. Ainda recebeu, da Federação Internacional de Voleibol (FIVB), o prêmio de “Atleta da Última Década do Século”.
Em entrevista à Agência Brasil, o agora ex-atleta lembrou do último apito que ouviu enquanto profissional, após a derrota para uma dupla chilena que tirou as chances de participar de sua sexta Olimpíada. “Naquele momento, mesmo preparado para a situação, eu senti bastante. Eu senti um nó na garganta, um sentimento de ‘infelizmente não vou jogar em alto nível o voleibol de praia’. […] me deu uma tristeza por um momento, porque deixar de fazer algo que você faz com tanto prazer por 25 anos é duro. É dura a decisão naquele minuto, no ponto final.”
Qual é a sensação de subir em um pódio olímpico?
Emanuel: Eu tive muita sorte de a minha primeira medalha ser de ouro. Então, não tenho palavras para o sentimento de realização, de dever cumprido, de colocar o nome na história do esporte mundial e brasileiro. E a grande emoção que eu sinto de ser medalhista olímpico é saber que toda vez que eu escutar o Hino Nacional vai me remeter àquele grande momento do vôlei de praia brasileiro e meu também.
O que representa ser medalhista olímpico no Brasil, um país onde os atletas, principalmente no começo, ainda têm muita dificuldade para viver só treinando e competindo?
Emanuel: Eu considero todo medalhista olímpico um herói, e mais ainda no nosso país. Porque muitas das conquistas são de cunho pessoal. Lógico que tem investimento das confederações, de patrocínios, mas é muito do atleta brasileiro se superar. Acredito que em qualquer país um medalhista olímpico é lembrado para o resto da vida e aqui, no Brasil, a gente não tem essa tendência, essa cultura de cultuar os heróis olímpicos. Eu fico nesse dilema, porque eu sei o quanto é importante ser medalhista a nível do esporte que você pratica, mas também não tem a valorização que deveríamos ter aqui no país. Acho que essa é uma mudança de filosofia que temos que fazer depois das Olimpíadas. Com esse sentimento de ser sede olímpica, a gente também valorize os nossos heróis olímpicos.
Você acha que o brasileiro só reconhece o atleta quando ele vence, quando ganha medalha?
Emanuel: Acho que tudo é uma evolução. O esporte olímpico está em ascensão. A gente está começando a entender que o esporte também é uma forma de cultura, de saúde. Isso leva tempo. Eu lembro que, praticamente há 20 anos, os atletas olímpicos eram uns poucos e agora temos muito mais atletas que praticam esporte olímpico porque seguiram o exemplo daqueles anteriores. Acho que há uma mudança a longo prazo e eu acredito que daqui uns dez anos teremos mais atletas capazes de chegar por causa dessa mudança de filosofia. Mas eu gostaria de acelerar esse processo e essa é uma das bandeiras que quero assumir depois de parar de jogar. Quero fazer com que mais atletas tenham acesso ao esporte olímpico e à possibilidade de chegar no alto rendimento.
Como você pretende fazer isso?
Emanuel: A minha visão é planejamento a longo prazo. Acho que no esporte brasileiro a gente planeja para um, dois, três anos somente. A gente não tem uma visão do que vai acontecer no Brasil em 2024, por exemplo. Enquanto isso, a China, por exemplo, se preparou praticamente por dez anos para os jogos de 2008, quando foi sede. E por que nós, brasileiros, não podemos começar a adaptar isso, já que a gente tem uma visão de estar entre os melhores países? Por que não nos planejarmos com dois ciclos olímpicos de antecedência?
Após a conquista do bronze na Olimpíada de Pequim, em 2008, você disse “é muito bom ser esportista” com um prazer genuíno e admirável. O que é, afinal, ser esportista para você?
Emanuel: Eu lembro muito bem desse momento. Acho que o ‘ser esportista’ vai além do estilo de vida. É você acreditar que a todo momento você está rompendo limites e fazendo o seu melhor, como se fosse um recorde pessoal a cada dia. E é por isso que eu me sinto muito feliz de ter sido esportista porque eu pude testar meus limites a cada desafio. Isso que é a grande história de ser esportista, porque você não sabe quais são seus limites até você rompê-los.
O que te fez trocar o vôlei de quadra pelo vôlei de praia?
Emanuel: Duas coisas fizeram a diferença e uma delas foi a minha participação. Eu era jogador central e tinha 1,90m de altura. Já havia essa mudança de perspectiva de que jogador central tinha que ter, no mínimo, dois metros ou mais. Então, eu não teria muito futuro nos anos seguintes. A outra foi que o vôlei de praia teve uma evolução muito rápida. Ele saiu de um esporte em exibição em 1990 para um circuito nacional, com cinco campeonatos, em 1991. No ano seguinte, foram 16 torneios no Brasil todo e foi essa evolução que me despertou. Pensei que tinha grandes possibilidades de crescer conforme o tempo e foi essa a decisão que eu tomei.
Como foi a sua adaptação ao vôlei de praia?
Emanuel: Eu senti um pouco de diferença. É diferente o contato com a bola, você está sempre presente na partida, enquanto um time de quadra, com seis jogadores, eu tocava raramente na bola, dividia a atuação entre todos. E na praia eu também senti a diferença do calor, do vento, que mudava a bola de direção. E outra coisa é o desgaste físico, que existe no vôlei de praia como não tem na quadra. No começo eu tinha que me acostumar, porque eu era muito magro, então me desidratava muito. Eu sentia muito o desgaste nos primeiros campeonatos. Mas depois de uns sete ou oito campeonatos, treinando e sabendo o que fazer, comecei a jogar melhor.
O vôlei de praia passou de um esporte novo – profissionalmente falando – para um esporte olímpico e popular com relativa velocidade. A que se deveu isso? Como foi o trabalho de fazer o esporte cair no gosto do povo e da imprensa especializada?
Emanuel: Acho que a primeira coisa é que é um divertimento de verão. As pessoas que estão na arquibancada participam do jogo, gritam e chamam atenção. Então, a arquibancada faz parte do show. Além disso, existe um sistema de entretenimento. Em todos os campeonatos que participei sempre tinha um animador de torcida, que atraía as pessoas para participar. Acho que a praia é um ambiente democrático, onde todas as pessoas podem ir. E, por ser um evento gratuito, fazia com que todo mundo tivesse disposição para assistir os campeonatos.
Você tem algum projeto voltado à difusão do esporte?
Emanuel: Eu tenho um instituto chamado ECCE [Esporte, Cidadania, Cultura e Educação] no qual desenvolvemos o projeto Leões do Vôlei, criado em 2008. O Leões do Vôlei é a capacitação de crianças da rede municipal escolar. Elas têm a possibilidade de ter contato com o voleibol no contraturno das aulas, geralmente duas vezes na semana. Os instrutores são os próprios professores de educação física das escolas, escolhidas estrategicamente pela Secretaria de Educação de Curitiba por estarem em áreas de risco social, perto de favelas, perto de áreas de tráfico de drogas. É uma parceria para fazer com que essas crianças, de 8 a 11 anos, aprendam mais sobre os valores do esporte.
O objetivo conta com um viés social como prioridade ou é voltado à descoberta de talentos?
Emanuel: É para fazer com que o esporte seja uma ferramenta de inclusão social. Todas as crianças beneficiadas pelo projeto tem que ter um bom rendimento escolar. Elas se motivam a estudar para poderem participar e a participação é muito democrática. É mais para aprenderem a viver em coletividade, a seguir as regras do jogo, aprenderem que perder é parte do processo evolutivo. Então, são pequenos valores que a gente passa através das aulas para eles se sentirem com chance de melhorarem a vida.
Como você vê o apoio para o fomento do esporte como meio de lazer e saúde, além da descoberta de talentos no Brasil?
Emanuel: Eu confesso que vejo uma evolução grande nessa área. Temos agora leis de incentivo criadas pelo governo federal. Há leis específicas em alguns estados, que têm suas leis de incentivo fiscal através do ICMS regional. É tudo um processo. Acho que o que faz o processo andar é ter projetos de credibilidade. Acho que a única coisa que nós podemos nos firmar na evolução do esporte é ter esses projetos de qualidade e espalhá-los para outras regiões do país. Acho que, aos poucos, isso está acontecendo, que o processo está andando. De uma forma lenta, lógico, mas as coisas estão acontecendo. E acontecendo conforme o esporte vai evoluindo como ferramenta educacional no Brasil, porque aos poucos o esporte foi deixado de lado com fator de educação.
Você se aposentou recentemente do esporte. Foi uma decisão difícil ou você já estava bem resolvido com isso?
Emanuel: Eu vejo como um projeto de carreira. Eu já fiz dois cursos de pós carreira, um do Comitê Olímpico Brasileiro (COB) e outro numa empresa privada, para entender os momentos. Eu tive uma carreira muito sólida, 25 anos no esporte; acho até que surpreendi a mim mesmo, aonde eu cheguei, pelos títulos, pela solidez de tudo que eu construí. Então, eu parei no momento certo. No momento em que um atleta de alto nível não tem um grande objetivo a curto prazo ele tem que rever seus conceitos, foi isso que aconteceu. Apesar de ser o atual campeão brasileiro, meu próximo objetivo seria só em 2017, então isso me fez pensar duas vezes e, com 42 anos, eu acho que eu estou satisfeito por ter tomado uma boa decisão.
Quando o jogo acabou, o último ponto e o apito final do juiz: o que passou pela sua cabeça?
Emanuel: Naquele momento, mesmo preparado para a situação, eu senti bastante. Eu senti um nó na garganta, um sentimento de ‘infelizmente não vou jogar em alto nível o voleibol de praia’. Então eu fiquei muito emocionado, me deu uma tristeza por um momento, porque deixar de fazer algo que você faz com tanto prazer por 25 anos é duro. É dura a decisão naquele minuto, no ponto final. Mas depois, dando entrevista, encontrando com meus familiares, vendo o carinho que os fãs tem comigo quando terminou a carreira, aí eu fiquei mais tranquilo e voltou aquele equilíbrio e a consciência de que fiz um bom trabalho.
Quais são seus planos e projetos para a pós carreira?
Emanuel: A curto prazo eu gostaria de ser um tipo de embaixador do meu esporte, tentar levar a bandeira dos meus patrocinadores para outras regiões, incentivar atletas num primeiro estágio e depois fazer uma carreira dentro do esporte, em gerenciamento de entidades ou mais próximo das decisões do futuro do esporte.
Você já descobriu como é a vida de um ex-atleta ou ainda é novidade para você?
Emanuel: Eu tenho que fazer um “destreinamento”. Eu faço minhas duas corridas na semana, vou pra academia três vezes por semana e isso eu vou tentar diminuir isso até o final do terceiro mês para que meu corpo entenda e não tenha um desgaste, para que eu não sinta nenhuma depressão ou coisas desse gênero, que podem ocorrer quando você para de uma vez.
O que você espera da organização dos Jogos Rio 2016?
Emanuel: Eu confio muito no sucesso da Olimpíada no Brasil. Primeiro porque a parte técnica vai conseguir atender todas as necessidades. O Brasil está fazendo os eventos testes para fazer toda essa perícia que tem que ser feita nos detalhes. No vôlei de praia foram dois eventos testes. Então todos os detalhes estão catalogados, os erros que podem acontecer. Só tenho um pouco de dúvidas quanto ao deslocamento, a parte estrutural da cidade, mas são detalhes que não vão acabar com a festa. Talvez não chegue naquele nível máximo, mas eu acredito que será satisfatório.
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