TEMOS ARTE

SERTANEJO, uma metamorfose ambulante

Na véspera do dia do gênero, o Correio discute as mudanças do caipira até o chamado universitário

Sertanejo
 
 
Em meados dos anos 1960, representantes da música caipira resolveram criar um data especial para celebrar os cantores sertanejos. Nascia assim, o Dia do Sertanejo, comemorado em todo o país em 3 de maio. Desde a criação da data, o ritmo passou por diversas mudanças. Se no início, o sertanejo era caipira e representava o campo, nos anos seguintes, ele foi para a cidade, se urbanizou, mudou sua temática até virar romântico e depois se transformar em “universitário”.
As rápidas mudanças criaram dúvidas em relação ao gênero: afinal de contas, o que é sertanejo? É a música feita pela dupla caipira que toca na viola os sentimentos rurais? Ou a canção que fala sobre amor, abusa dos instrumentos elétricos e sofre interferência de outros estilos? A resposta pode ser mais simples do que parece: todos são sertanejos, mas que se desenvolveram de forma diferente.
“O movimento se dividiu. Eles são primos e não irmãos. Um ficou no campo, enquanto o outro migrou para a cidade. Tem essa divisão mesmo. É como se eles falassem línguas diferentes, apesar de terem uma origem comum”, explica Edvan Antunes, pesquisador de cultura popular e autor do livro De caipira a universitário — A história da música sertaneja.
Para o pesquisador e crítico musical Ricardo Cravo Albin, o grande problema em relação as diferentes vertentes da música sertaneja está no preconceito tradicional. “As grandes cidades tendem a desprezar. É uma hábito sociocultural que não tem a menor procedência, porque a música sertaneja tem um valor extraordinário de representar o pilar da nacionalidade e as raízes brasileiras”, defende. Sobre o contestado sertanejo universitário, Albin diz que o subgênero é uma sofisticação e, mesmo sendo às vezes questionado, foi responsável pela abertura do estilo para um público maior.
Caipira
A música sertaneja no Brasil surgiu ainda no século 17, quando os portugueses trouxeram a viola para o país. O termo caipira tem origem na palavra indígena “kaapira” que denominava os cortadores de mato no interior brasileiro, que começaram a fazer música em dueto tocada na viola. O primeiro clássico caipira a ficar popular foi Tristeza do Jeca, de Angelino de Oliveira. “Eu nasci naquela serra,/ num ranchinho beira chão/ Todo cheio de buraco/ onde a lua faz clarão/ quando chega a madrugada,/ lá na mata a passarada/ principia um barulhão”, diz a música que descreve a cena rural de 1918.
Onze anos depois foi gravado o primeiro disco de música caipira, um gênero até então anônimo e inédito no Brasil, por Cornélio Pires. “As gravadoras não se interessavam. Ele pagou do próprio bolso e vendeu o disco pelas ruas”, relembra Antunes.
Em 1940, o gênero se consolidou com a dupla Tonico e Tinoco, que vendeu 120 milhões de álbuns. “A partir desse fenômeno musical caipira, várias outras duplas começaram a surgir”, completa o pesquisador. O crítico Albin cita Inezita Barroso, que morreu neste ano, e Renato Teixeira como grandes representantes. “Inezita é o primeiro nome na consolidação. Foram 65 anos de resistência e atuação permanente. Já Renato faz uma espécie de exaltação da música caipira”, define.
QUADRO 1
Características
>> Viola caipira
>> Temática rural
>> Retrata a pureza do campo
>> Cantado em dueto
Representantes
>> Tonico e Tinoco
>> Zé Mulato e Cassiano
>> Inezita Barroso
>> Renato Teixeira
>> Almir Sater
>> Rolando Boldrim
Do romântico ao universitário
A partir dos anos 1960 com a explosão de outros gêneros, como a bossa nova e a MPB, e também da expansão urbana, a música sertaneja perdeu espaço. As pessoas passaram a deixar o campo para viver nas cidades e entraram em contato com uma musicalidade mais urbana. “Gerou um novo ouvinte, que não dava mais tanta importância ao campo”, afirma Edvan Antunes.
Assim a música sertaneja rompeu com as raízes caipiras e se misturou com a sonoridade do momento, incorporando os instrumentos elétricos e as letras românticas. “Foi uma cisão com o movimento anterior. Na linha da jovem guarda, as duplas começaram a falar da dor de cotovelo, dos conflitos amorosos e da dor da separação”, conta o pesquisador. Em 1977, a dupla Milionário & José Rico explodiu nas rádios, com Estrada da vida; e Chitãozinho & Xororó, com Fio de cabelo. Os anos 1980 foram o ápice do sertanejo romântico, com Pense em mim, de Leandro & Leonardo.
Cerca de 20 anos depois, o gênero teve outra mudança, que acabou batizada de sertanejo universitário. O ritmo mostrou o retorno da população ao interior nas universidades federais a partir da melhoria econômica. O novo movimento trouxe ao mercado nomes como Fernando & Sorocaba e João Neto & Frederico, com um ritmo mais dançante e as letras sobre amores mais rápidos e sem compromissos.
Características
>> Instrumentos elétricos (guitarra, baixo e bateria)
>> Cantado em dueto
>> Fortificação dos cantores solos
>> Temática romântica, além de amor sem compromisso
>> Incorporação de outros gêneros (funk, arrocha e eletrônico)
Representantes
>> Chitãozinho & Xororó
>> Fernando & Soroca
>> Gusttavo Lima
>> Michel Teló
>> Jorge & Mateus
>> Zezé di Camargo & Luciano
ENTREVISTAS
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Zé Mulato, da dupla Zé Mulato e Cassiano
O senhor acha que o estilo tem o que comemorar no Dia do Sertanejo?
Olha, o sertanejo de verdade sim, porque é bom dizer que não está existindo muito sertanejo de raiz. Mas, de toda maneira, seja o sertanejo mesmo ou esse “sertanejinho”, que eu particularmente não levo muito a sério, merece comemorar. Até porque leva cultura e alegria para o povo e é isso que importa.
Como o senhor vê o mercado da música sertaneja hoje no Brasil?
O sertanejo moderno é vendável, tem tido um ótimo comércio e existe muita gente ganhando dinheiro com ele. Então, acho que isso é positivo, ele traz felicidade para o público. O caipira é algo mais mirabolante, mas está muito firme. O nosso público nunca arredou o pé.
Existe alguma rixa entre os caipiras e os representantes do sertanejo universitário?
Não, não. Somos todos muito bem aceitos e respeitados. Nos damos todos muito bem.
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Renato Teixeira
O senhor acha que o estilo tem o que comemorar no Dia do Sertanejo?
Não só o que comemorar, como devia ser feriado nacional (risos). A crítica em relação ao conteúdo existe, mas não é o mais importante. É uma realidade latente de que o sertanejo domina 70% do mercado. É uma música bastante brasileira e com uma história muito rica, basta lembrar de nomes como Almir Sater, Sérgio Reis e Victor & Leo, por exemplo.
Como o senhor vê o mercado da música sertaneja hoje no Brasil?
Continua bem e muito generoso, quem está no topo é porque é bom. As duplas mais conhecidas permanecem por aí e tem uma nova geração trazendo algumas novidades, como a incorporação da música folk. No meu trabalho também faço isso, com uma pegada MPB. É uma referência muito forte, não tem como negar. A história do sertanejo já está escrita e vai estar sempre presente.
Existe alguma rixa entre os caipiras e os representantes do sertanejo universitário?
Existe essa divisão mercadológica, antigamente era tudo música caipira. Há um vácuo de comunicação entre a história do país e o povo. Não acho que existe uma competição, pelo contrário, percebo que está todo mundo junto e unido. Cada um conhece o trabalho do outro e respeita. Assim como é no samba, tem essa fraternidade musical.
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Fernando & Sorocaba
Vocês acham que o estilo tem o que comemorar no Dia do Sertanejo?
Fernando: Tem inúmeros motivos para comemorar, a música sertaneja faz parte do país e está em constante crescimento. Tenho muito orgulho de fazer parte da música sertaneja.
Como vocês analisam o mercado da música sertaneja hoje no Brasil?
Fernando: Essa nova geração da música sertaneja se aproximou das baladas das grandes cidades, caindo no gosto dos jovens que vivem em áreas urbanas. O sertanejo sempre terá sua raiz no campo, nas áreas rurais, pois é onde ele nasceu, mas ultrapassar essa barreira e chegar na “cidade grande” é uma conquista muito importante. Acredito que, atualmente, a linguagem mudou um pouco (está com um papo mais jovem e mais descontraído), porém o amor ainda continua sendo um tema unanime dentro da música sertaneja.
Existe alguma rixa entre os caipiras e os representantes do sertanejo universitário?
Sorocaba: De maneira alguma, a música sertaneja é unida e as gerações se respeitam.
Lucas Lucco
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Você acha que o estilo tem o que comemorar no Dia do Sertanejo?
A música sertaneja tem inúmeros motivos para comemorar. A história da música sertaneja está ligada a história do Brasil, é isso é muito positivo.
Como você vê o mercado da música sertaneja hoje no Brasil?
A música sertaneja está consolidada e o futuro, que eu vejo, é a mistura de ritmos. Tem espaço para duplas, trios e cantores solos. O importante é fazer música e melhorar sempre para os fãs.
Você acredita que existe uma rixa entre os caipiras e representantes do sertanejo universitário?
De maneira alguma, os músicos mais antigos acolheram de braços abertos essa nova geração da música sertaneja.
FRASES
“A música sertaneja, caipira e todas as ramificações têm motivos para comemorar. É um estilo brasileiro e tradicional, que está liderando a indústria”
Ricardo Cravo Albin, crítico musical
“O legado que a música sertaneja tem é inegável. Costuma comparar o sucesso do sertanejo com a Beatlemania. Os cantores são megaastros com um grande carisma e apelo popular. Eles arrastam multidões e o povo está do lado deles”
Edvan Antunes, pesquisador e escritor
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