patrimônios da cidade

A resistência dos engraxates da Praça João Lisboa

Em meio à banalização da ostentação, eles permanecem firmes na humildade da vida justa

Estácio aprendeu a ofício por curiosidade, com um tio, e diz ter amor à profissão. Foto: Paulo Malheiros

Imagine comigo a São Luís dos anos 70: enquanto o Brasil era tri-campeão na Copa do México, os homens saiam das repartições na Rua do Egito com trajes impecavelmente engomados indo olhar a paisagem e prosear na Praça João Lisboa – conhecida também como Praça dos Aposentados, pela quantidade de idosos que frequentava o local. Na cabeça, chapéu. Nos pés, os sapatos de couro. Esse último tinha uma relevância ímpar. Andar de sapatos lustrados naquela época era requisito de beleza. Se hoje você observa se a pessoa tem classe olhando o seu Instagram – acredite -, naquela época elas eram julgadas pelos sapatos. E foi por essa demanda que surgiram por ali vários engraxates, com suas cadeiras personalizadas, escovas e graxas de várias cores. Afinal, a demanda era grande, ninguém queria ficar mal na fita.

Agora retornemos para cá: passado mais de 40 anos, muita coisa mudou. O Brasil enfrentou uma crise, inclusive no futebol – saudades seleção de 70 – o sapato de couro foi trocado pelas alpargatas e o requisito de beleza agora é postar fotos nas redes sociais com alguma frase de impacto. Dessa maneira, os velhos engraxates perderam espaço. Mas mesmo assim alguns deles continuam firmes no trabalho. “As pessoas andavam bem arrumadas naquela época, depois foi caindo”, me contou Estácio Costa, 76 anos, 40 deles dedicados ao engraxe. Estácio aprendeu a ofício por curiosidade, com um tio, e diz ter amor à profissão. “Aqui tinham vários [apontando para a Praça João Lisboa], muitos foram embora porque não conseguiram se firmar ou já morreram. Eu vou ficar aqui até morrer também”, sentenciou.

Estácio aprendeu a ofício por curiosidade, com um tio, e diz ter amor à profissão. Foto: Paulo Malheiros

Dos mais de 20 engraxates que trabalhavam nos arredores da Praça João Lisboa, apenas três resistem ao tempo e as investidas de vários gestores de retirá-los da localidade. João Menezes, camisa social e chapéu na cabeça, tal como nas vacas gordas, fez vários amigos enquanto lustrava. “Mas muitos deles já morreram”, diz saudoso. Em dias de bom movimento, João consegue lustrar até quatro pares de sapatos, cada par por 10 reais.  “E ainda acham caro.” Um pouco diferente de Estácio, João é um pouco mais cético quanto à labuta diária. “Esse serviço já foi bom, mas hoje não”, diz balançando o dedo no ar.

João Menezes, camisa social e chapéu na cabeça, tal como nas vacas gordas, fez vários amigos enquanto lustrava. Foto: Paulo Malheiros

Em meio aos casarões tombados do Centro Histórico, esses homens também são patrimônios da cidade. Em tempos modernos, de graxas líquidas que prometem brilho intenso, eles permanecem ofuscados, apesar das histórias que carregam. Em meio à banalização da ostentação, eles permanecem firmes na humildade da vida justa. Resistindo com graça (e graxa).

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