ARTIGO

Dos Males o Menor

Certa feita, terminei uma das minhas crônicas em que tratava do infortúnio de um azarado ladrão de galinha, que morrera vítima de uma descarga elétrica, ao ficar preso a uma cerca, justamente quando saía do quintal sobraçando o produto do furto. Concluía assim: “João Batista, o bom ladrão, partiu desta no exercício de uma atividade […]

Certa feita, terminei uma das minhas crônicas em que tratava do infortúnio de um azarado ladrão de galinha, que morrera vítima de uma descarga elétrica, ao ficar preso a uma cerca, justamente quando saía do quintal sobraçando o produto do furto. Concluía assim: “João Batista, o bom ladrão, partiu desta no exercício de uma atividade que se perdeu no passado. Não teve a morte heroica dos menos afortunados ladrões dos nossos dias. Cristo, todos sabemos, foi crucificado entre dois ladrões: um de boa índole, e o outro, de má. A história bíblica nos quer dizer que nem todo ladrão é um sujeito mau. Eletrocutado, João Batista reviveu o saudoso e inocente passado dos ladrões de galinha. Deve ter um lugarzinho no Céu, até porque o seu único desejo e azar foram as galinhas de uma cerca eletrificada.”
De fato, o nosso João Batista não foi bafejado pela sorte. De posse do alheio (alguma ou algumas penosas?!), ao ultrapassar a cerca, emaranhou-se na cerca eletrificada e passou desta para outra. O nosso João Batista, quem sabe, o bom ladrão, que talvez já esteja no paraíso ao lado do Pai, confessando as suas peripécias aqui nesta tão desafamada terra, não teve a sorte e o cuidado de muitos bons ladrões que se aventuram em voos mais altos, recolhendo aqui e acolá alguns milhões, que rapidamente são depositados em contas na Suíça, ou na periferia deste tão aconchegante país dos Alpes, cujas casas bancárias abrem as suas largas portas para receber e guardar, em contas numeradas, essa dinheirama de todos nós.
Vejam o que está ocorrendo com o nosso Eduardo Cunha. Flagrado com alguns milhões de dólares, escondidos em bancos estrangeiros, foi fisgado pela cerca eletrificada da investigação, dividindo contas bancárias com Cláudia Cruz, a sua digníssima consorte e consócia. E a cerca eletrificada vai se expandindo, e Cunha vai se emaranhando, com os inquéritos sendo abertos, por determinação do ministro Teori Zavascki, do STF.
Mas Cunha, diferentemente do nosso João Batista, que não resistiu à descarga elétrica e logo morreu, envolvido pela cerca que o fisgou, no exato momento de superar o obstáculo que lhe daria a plena “propriedade” das galinhas surrupiadas, continua firme na sua resistência, tal qual um gladiador no Coliseu romano, a espera de que o público, sedento de sangue, num ato de benevolência aponte o polegar para cima, salvando-o no momento do golpe de misericórdia. Enfim, Shakespeare disse que tudo está bem quando termina bem. Pode ser que o final, no último ato dessa trágica peça, tudo termine bem, porque sempre esteve bem. O tempo é que dirá.
Nem sempre – assim como ocorreu como o nosso citado João Batista -, tudo termina bem. Vivemos um momento em que o mar não anda bem para peixe. Alguns ladrões, dos grandes aos pequeninos, não têm terminado numa situação de paz consigo mesmo, a ter a posse tranquila dos bens apropriados ilicitamente. Vejam bem. O título de uma matéria policial, publicada num dos nossos diários, me chamou a atenção. Dizia: “Bandido passa mal durante roubo”.
A curiosidade do fato obrigou-me a ler a notícia, que falava de um homem, suspeito de assalto, que morreu na madrugada enquanto roubava passageiros de um micro-ônibus. Segunda as testemunhas, ressaltava a notícia, o suspeito teve um mal súbito e morreu, e isso logo após os companheiros do recém-morto ter iniciado o procedimento de transferência forçada dos valores das vítimas. Ou seja, sem eufemismo, ter iniciado o roubo.
Morto o assaltante, vitimado por mal súbito, não teve o coitado a esperada solidariedade dos seus companheiros de empreitada. Um deles, num ato de extremo pragmatismo, exigiu que as mulheres, que são sempre, nessas horas, as boas samaritanas, o ajudassem a retirar o corpo do infortunado companheiro. E, sem qualquer preocupação com o falecido, levaram consigo os objetos da subtração: bolsas, celulares e relógios.
Em outra notícia, bem ao lado da de cima, tem-se a informação de que um assaltante morreu após correr com medo da vítima. Coisa rara de acontecer nos tempos atuais. O usual é a vitima morrer com medo do assaltante. Ou morrer porque o assaltante resolveu, no exercício do seu livre arbítrio, matá-la.
Do que de tudo se deduz que a sorte não anda bafejando essa turma. Um, em tempo passado recente, no afã de se apropriar de algumas penosas, morre ao envolver-se em cerca eletrificada. Não teve o cuidado que não pode ser desprezado porque qualquer amigo do alheio, ainda que seja dotado de parcos conhecimentos técnicos a respeito dessas rotineiras estratégias de defesa do patrimônio. O outro, o nosso Cunha, alçado a presidente da Câmara alta por força da nossa mídia, que pensava uma coisa e terminou dando outra, foi flagrado com a mão no cofre, dividindo o saque do dinheiro público com a sua amada mulher, assim a exercer, na prática, o regime da divisão bens no casamento. E os dois últimos, que tiveram a oportuna infelicidade de morrer, antes de usufruir das benesses da sua prática delitiva.
Enfim, só nos resta esta conclusão final: dos males o menor.
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