MARANHÃO

O romance da fé

A televisão dava os passos iniciais no Maranhão, o cônego Antônio Bomfim apresentava um programa na TV Difusora, analisava, refletia a cidade, o Estado, o Brasil e o mundo. Tinha a visão filosófica e sacerdotal na abordagem dos problemas que afligiam a humanidade naquela quadra histórica. O mundo dividido na bipolaridade entre o capitalismo e […]

A televisão dava os passos iniciais no Maranhão, o cônego Antônio Bomfim apresentava um programa na TV Difusora, analisava, refletia a cidade, o Estado, o Brasil e o mundo. Tinha a visão filosófica e sacerdotal na abordagem dos problemas que afligiam a humanidade naquela quadra histórica. O mundo dividido na bipolaridade entre o capitalismo e o comunismo. O Brasil, como sempre, envolvido em crise institucional. Convivia-se com inflação alta e greves. Juscelino Kubitscheck e Carlos Lacerda eram candidatos à sucessão do presidente João Goulart, que se dizia, desejava continuar. No Maranhão, o governador Newton Belo enfrentava dissidência no PSD liderado por Vitorino Freire. Os candidatos à sua sucessão eram Renato Archer, Neiva Moreira, José Sarney.
Orador sacro, revezava com o cônego Ribamar Carvalho, o Sermão do Encontro, no Largo do Carmo, no início da Semana Santa. Os dois tinham uma legião de admiradores. Ribamar Carvalho era mais poeta, Bonfim, mais filósofo. Detentor de admirável poder de síntese, dizia muito em pouco tempo. Fascinava os ouvintes que ficavam com o gosto do quero mais. Os dois eram oradores excepcionais.
O cônego Antônio Bezerra Bomfim nasceu em Colinas, no Maranhão, em 23 de outubro de 1923, filho de Luís Bezerra Bomfim e Letice Santos Bomfim. Menino de inteligência viva, foi descoberto por Dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Motta, arcebispo metropolitano de São Luís, em visita pastoral a cidade de Mirador. Aí iniciou o Romance da Fé, título do programa da TV Difusora. Encaminhado ao Seminário de Santo Antônio, em 1937, começou os primeiros estudos em São Luís. Transferido para o Seminário da Prainha em Fortaleza, lá ordenou-se sacerdote em 2 de dezembro de 1950. Celebrou a primeira missa com cálice ofertado pela família Bomfim, originária de Crateús no Ceara. Seu avô, Francisco Ferreira Bomfim, em 1877 migrara para Mirador no Maranhão.
Ordenado padre, serviu em Caxias, ensinou no seminário Diocesano até a transferência para São Luís, em 1956, sob a liderança de Dom José Medeiros Delgado, que lhe atribuiu várias missões: dirigiu o “Jornal do Maranhão,” semanário da Arquidiocese, para quem escrevia artigos semanais. Assumiu a direção da Faculdade de Filosofia da Universidade do Maranhão, dela foi Vice-Reitor. Dirigiu a JUC (Juventude Universitária Católica) e a JEC (Juventude Estudantil Católica) para secundaristas.
Em 1957, rumou para a França, a fim de pós graduar-se em Sociologia das Religiões, na Sorbonne, em Paris. Retornou a São Luís em 1959, continuou o apostolado da sua igreja. Pioneiro na utilização da televisão, o programa “Romance da Fé” iniciava sempre sob os acordes do “Concerto de Varsóvia” de Richard Addinsell. Deixava os telespectadores extasiados, como naquela noite em que entrevistou um padre francês responsável pela recuperação das prostitutas em Paris. Ficou em embaraçado, e teve dificuldade em traduzir, quando este lhe elogiou por falar a língua sem sotaque de estrangeiro. Além do francês, dominava o italiano, o espanhol e o inglês.
Homem culto, dispunha de biblioteca vasta em diversos idiomas, especialmente em francês. Bem eclética, com títulos em teologia, filosofia, história, sociologia. Consultando-a adquiri os hábitos da leitura e do cultivo aos livros. Filho de sua única irmã mulher, tive o privilégio de receber a sua influência intelectual, que muito me serviu para a vida e a elaboração dos planos de estudos desenvolvidos ao longo carreira acadêmica. Antes de concluir o ginásio, fiz com ele um curso de humanidades, determinante para as opções profissionais que posteriormente faria. Cultor da música e do cinema lembro-me destes dois episódios. Tinha pouco mais de onze anos, levou-me para ver dois filmes: “Brinquedo Proibido” de René Clément, um poema contra a guerra. A estória de duas crianças unidas pela tragédia da perda dos pais em bombardeios. E “Noites de Cabíria”, em que Giulietta Masina, esposa de Fellini, interpreta a prostituta ingênua, romântica, a procura do verdadeiro amor.
Já adulto entendi, ao levar-me para ver os dois filmes, meu tio pretendia ensinar-me. Nunca esqueci a lição: a defesa da paz e o respeito ao próximo em qualquer situação. No desempenho do sacerdócio exerceu as capelanias dos colégios Maristas, Santa Teresa, e Escola de Enfermagem.
Trabalhou intensamente para a criação da Universidade Federal do Maranhão, teria sido o seu primeiro reitor, se a morte não o tivesse colhido em 21 de agosto de 1965. Professor do Seminário de Santo Antônio e da Escola Técnica Federal, naquela manhã de sábado, em uma excursão a cidade de Rosário, tentou atravessar a nado o rio Itapecuru, com o esforço, teve o episódio cardíaco, encerrou exemplarmente o romance da fé.
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