COVID-19

Crise fecha empresas e empata abertura de novos negócios no Maranhão

Dados da Junta Comercial revelam que, apesar de saldo positivo, expectativa de crescimento foi frustrada no primeiro semestre deste ano em comparação a 2019.

Mais de 5 mil empresas fechadas no primeiro semestre de 2020 em todo o Maranhão. Foto: Business card photo created by katemangostar - www.freepik.com

O empresário e personal trainer Daniel Araújo estava desde agosto de 2019 à frente de uma academia de crossfit em São Luís. “Um sonho que foi idealizado por muito tempo”, conta o profissional de Educação Física. Turmas regulares, clientela satisfeita, tudo seguia conforme o planejado, com expectativa de crescimento durante o ano. No entanto, com o avanço global da pandemia do novo coronavírus, Daniel e o sócio se viram obrigados a suspender as atividades presenciais no dia 20 de março. Para tentar continuar no mercado, a saída foi manter atividades on-line. E, assim, o negócio funcionou até o dia 22 de junho, quando os clientes receberam o anúncio do fechamento definitivo da academia, que ficava em local privilegiado na capital maranhense: de frente para o mar, na Avenida Litorânea.

O fim da jornada no box de crossfit foi repleto de tristeza e decepção, segundo Araújo. “Tentamos de todas as maneiras evitar o encerramento das nossas atividades, mas ficamos praticamente sem receita nenhuma durante três meses e as contas continuavam a chegar. Então, não tivemos outra saída a não ser fechar em definitivo, antes que as nossas dívidas chegassem a um valor impossível de pagarmos”, desabafa.

A academia do Daniel foi apenas uma das 5.020 empresas que fecharam as portas no primeiro semestre de 2020 em todo o Maranhão. Dados da Junta Comercial do Estado do Maranhão (Jucema), órgão ligado à Secretaria de Estado de Indústria, Comércio e Energia (Seinc), revelam que esse número é, de forma um tanto quanto surpreendente, menor do que o total referente ao mesmo período de 2019, quando 6.382 empresas encerraram as atividades no estado – representando uma queda de cerca de 27%.

Levantamento de empresas que fecharam as portas no primeiro semestre de 2020 em todo o Maranhão

Saldo positivo

Enquanto milhares de empresários viram os sonhos do próprio negócio – a maioria, atropelada pelo coronavírus – transformarem-se apenas em memórias, 17.607 novos empreendimentos foram formalizados junto à Jucema. Portanto, o saldo, ou seja, a diferença entre a quantidade de empresas abertas e fechadas, no primeiro semestre deste ano é de 12.587.

17.856 negócios foram abertos e 6.382 foram encerrados no primeiro semestre de 2020

O saldo do primeiro semestre de 2019, quando 17.856 negócios foram abertos e 6.382 foram encerrados, foi mais baixo: 11.474. Ou seja: a crise da Covid-19 até intimidou empreendedores, mas parece ter causado menos impactos no cenário geral, pelo menos, até agora.

Dificuldade para fechar

Ao se observar somente os trimestres, é possível notar que, nos três primeiros meses, o número de fechamentos praticamente se manteve – foram 3.058 empresas fechadas no primeiro trimestre de 2020, contra 3.076 no primeiro trimestre de 2019. Já no segundo trimestre (abril, maio e junho), durante a pandemia, o número de empresas fechadas atingiu 1.962, contra 3.306 no mesmo período de 2019.

A explicação para essa diferença pode estar nas dificuldades operacionais enfrentadas pelas empresas na hora de fechar uma empresa. É o que defende o vice-presidente para Assuntos de Economia e Finanças da Associação Comercial do Maranhão, Fernando Duailibe. “O número de fechamentos caiu drasticamente, pois havia a dificuldade operacional que, neste caso, não se resumiu apenas ao ato de enviar o documento de extinção para a Jucema, mas que deve ter ocorrido, principalmente, pela dificuldade em primeiro resolver questões administrativas, societárias e tributárias, também dificultadas pelo momento”, analisa Duailibe.

Fernando Duailibe, vice-presidente para Assuntos de Economia e Finanças da Associação Comercial do Maranhão

Opinião compartilhada pelo economista, professor e pesquisador do Departamento de Economia da Universidade Federal do Maranhão, Felipe de Holanda: “O lockdown foi decretado em maio. O que podemos dizer é que, provavelmente, o fechamento de empresas foi subestimado, uma vez que, devido ao isolamento social, há muitas empresas que deixaram de operar e ainda não comunicaram este fato à Junta Comercial do Estado do Maranhão”, ressalta Felipe.

Outro fator seria a dinâmica do avanço da pandemia no estado. “O isolamento não afetou o Maranhão por inteiro, afetou principalmente a capital e muitas empresas no interior não deixaram de fazer seus investimentos, por isso, não houve uma queda mais abrupta”, aponta Duailibe.

Impactos reais e criatividade para empreender

Para os empreendedores que optarem por não fechar as portas, o desafio é achar uma solução para que os negócios continuem abertos. A migração para os negócios on-line é uma saída, como tentou o Daniel com a academia.

Isso é exatamente o que indica a gerente estadual do Sebrae no Maranhão para Atendimento e Relacionamento com o Cliente, Hildenê Maia: “Os empresários devem continuar investindo no uso de tecnologias para aproximar suas empresas cada vez mais dos clientes. As redes sociais podem, por exemplo, ser usadas não apenas para vender, mas na manutenção do relacionamento com o cliente. As empresas devem buscar sempre o equilíbrio entre receitas e despesas para manter a saúde financeira da empresa. Isso é muito importante nesse momento econômico que vivemos”, esclarece Maia.

Gerente estadual do Sebrae no Maranhão para Atendimento e Relacionamento com o Cliente, Hildenê Maia

O fato é que o reflexo do fechamento de empresas somente será percebido mais adiante. “Muitas das empresas que não conseguirão se manter terão um prazo maior de alguns meses existindo ainda no papel e tentarão encontrar uma solução para continuarem abertas, mas, não havendo, acabarão indo para as estáticas de fechamento”, atesta Duailibe.

Já para a gerente do Sebrae, mesmo as empresas que encontraram uma solução para não fechar e já reabriram durante a chamada retomada econômica, também terão trabalho para se manter. “O ideal é que o dono faça um novo planejamento e recrie o seu posicionamento no mercado”, sugere Maia.

Conselho que também pode servir para as 17.607 novas empresas constituídas no Maranhão no primeiro semestre deste ano – 251 a menos do que no mesmo período de 2019. A diferença pode até ser mínima e surpreendente, diante de um acontecimento tão avassalador ao redor do mundo, como a pandemia; mas revela o quanto os planos de crescimento econômico, com a geração de emprego e renda, foram frustrados pela Covid-19 este ano no Maranhão.

Outro fator importante nesse cenário é a facilidade de registro de novos empreendimentos, como explica o presidente da Jucema, Sérgio Sombra: “O sistema Empresa Fácil e o programa Jucema Digital tiveram um papel crucial nesse processo, pois hoje todo trâmite de registro de empresas é realizado por meio da internet, com ferramentas on-line e, também, com a equipe em home office. Assim, conseguimos assegurar que o fluxo de demandas fosse totalmente atendido, mesmo com o atendimento presencial suspenso entre março e junho”, informa Sombra.

Do total de 17.607 novas empresas constituídas este ano, 13.279 são enquadradas como Microempreendedores Individuais (MEI), cerca de 75%. Para todas elas, o uso da tecnologia e a capacidade de adaptação foram e são determinantes para a manutenção e criação de novos negócios, como também aponta a gerente do Sebrae: “Este é um dos pilares do comportamento empreendedor: adaptar-se às mudanças frente a novos desafios. E foi isso mesmo o que aconteceu com essa pandemia. As compras pela internet, em praticamente quatro meses de isolamento social, cresceram expressivamente”, ilustra Hildenê Maia.

As vendas on-line foram adotadas por Araújo Neto, sócio de uma famosa rede de bares de São Luís que vem conseguindo sobreviver em meio à crise, inclusive, expandindo os negócios mesmo durante a pandemia. No início de julho, o empresário, que já contava com duas unidades, abriu uma terceira em pleno Centro Histórico da capital, na Praia Grande.

“O que fizemos de diferente para não fecharmos foi o que fizemos durante toda nossa existência, uma gestão financeira e comercial de qualidade. Suspendemos os contratos enquanto não podíamos abrir e foi assim que pudemos segurar todos os funcionários, sem demissões”, conta Neto. “E a nova loja já era um projeto antigo, concluído antes da pandemia, e iria inaugurar em março, antes do decreto de fechamento do governo do Estado. A gente já tinha o projeto porque acreditamos no potencial do Centro Histórico”, conclui.

Projeções e expectativas: vacina contra o vírus incentiva empreendedorismo

Esse potencial turístico e cultural do Maranhão, simbolizado pelo Centro Histórico de uma capital que é Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade, é uma das atividades que mais colaboram para a economia maranhense, e que ainda carece de mais desenvolvimento para contribuir de forma ainda mais efetiva. No entanto, para o economista e mestre em Desenvolvimento Socioeconômico, Diego Henrique Matos, as atividades econômicas – incluindo o setor turístico -devem adotar cautela em qualquer projeção.

“O turismo cultural é uma das atividades que mais colaboram com a economia maranhense. As festividades juninas, por exemplo, anualmente, atraem muitos turistas ao Estado, o que não pôde ocorrer em 2020. É provável que, quando as atividades forem retomadas com segurança, este setor deverá atrair um número considerável de turistas e observadores para o Maranhão”, projeta o economista.

Ele também é cauteloso diante das estatísticas indicarem um cenário estabilizado e até promissor, com praticamente o mesmo número de empresas abrindo e menos empresas fechando. Para ele, a segurança dos investimentos passa pela descoberta de uma vacina e a consequente garantia de saúde e segurança.

“A recuperação da economia deve ser lenta e ainda insegura, enquanto não houver uma vacina que garanta a normalidade das operações. Enquanto durarem as recomendações de distanciamento social e de fechamento de alguns setores econômicos, observaremos com muita cautela qualquer projeção. Podemos sugerir que o segundo semestre já deverá apontar uma solução mais concreta em relação à pandemia e que, aos poucos, algumas atividades vão retornando à sua normalidade. Vejo uma plena retomada dos investimentos apenas quando tivermos uma vacina, até lá é bem difícil ser taxativo em qualquer previsão”, assegura Matos.

Mesmo ainda sem a vacina e sem previsão concreta de uma “volta ao normal”, o Índice de Confiança do Empresário do Comércio (Icec) de São Luís apresentou variação positiva de +5,4% em julho, após um recuo de -45,9% no período de março a junho e registro de quatro meses consecutivos de desaceleração, segundo a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado do Maranhão (Fecomércio-MA), “um resultado que aponta para o início da recuperação da confiança dos empreendedores, que deverá se consolidar no médio prazo”, segundo o órgão.

De qualquer forma, a resposta para uma recuperação saudável das atividades econômicas passa pela análise da relação do nível do consumo de bens e serviços com a manutenção dos empregos e do poder aquisitivo das pessoas.

Ao mesmo tempo em que as estatísticas da Jucema podem ser promissoras ou encorajadoras, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), divulgada em maio pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revela que o Maranhão fechou o 1º trimestre deste ano com 424 mil desempregados – com taxa de desocupação em 16,1%, um aumento de 4% em relação ao trimestre anterior (outubro, novembro e dezembro de 2019). “Grandes chances de que no segundo trimestre, com a interiorização da pandemia do novo coronavírus no interior, que o índice se aproxime da marca dos 20%”, avalia o economista Felipe de Holanda.

Ao que tudo indica, cautela é o que não poderá faltar – com a saúde e com os investimentos.

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