SEM AGLOMERAÇÃO

Sem comemoração: Festejo de São Marçal está cancelado em São Luís

A Festa de São Marçal surgiu a partir da proibição aos grupos de bumba meu boi de seguirem para a área do Centro da cidade

Reprodução

O tradicional encontro de batalhões de bumba meu boi do sotaque de matraca, que acontece há quase 100 anos, no bairro do João Paulo, em homenagem a São Marçal, não acontecerá este ano por conta da pandemia do novo coronavírus (Covid-19). Com mais de 70 mil casos registrados e mais de 1.500 óbitos em todo o estado, a doença ofuscou o brilho dos festejos juninos do Maranhão.

Desde cedo circulou, nas redes sociais, na última quinta-feira (25) um post falso atribuído ao governador Flávio Dino. Na mensagem, foi dito que seriam realizadas as festas de São Pedro e São Marçal nos dias 29 e 30 de junho, como ocorre todos os anos. Logicamente, são dois eventos de muita aglomeração e não poderiam ocorrer em tempos de pandemia, mesmo com a melhora nos indicadores epidemiológicos. Assim como durante todo o mês deste ano atípico, as apresentações das brincadeiras ocorrem apenas pelas redes sociais.

Por conta da situação, o secretário estadual de cultura, Anderson Lindoso, fez questão de desmentir o boato em suas redes sociais. “Infelizmente, esse ano, não teremos nenhuma das nossas tradicionais festas juninas, nem mesmo as festas na capela de São Pedro e o arrastão no dia de São Marçal. O risco não passou. As atividades estão voltando, mas com muitas restrições e vedada a aglomeração de pessoas”, afirmou. E acrescentou: “Vamos fazer a nossa parte. Respeitar as orientações, cuidar da saúde de nossa população para que possamos voltar com mais força ainda”, disse Anderson Lindoso.

Sobre o surgimento da festa

A Festa de São Marçal surgiu a partir da proibição aos grupos de bumba meu boi de seguirem para a área do Centro da cidade, sob pretexto de manutenção da segurança, ordem e tranquilidade. A polícia não permitia que os brincantes passassem do Areal do João Paulo. Lá mesmo, eles se encontravam e desde então o encontro dos grupos de bumba-boi foi se consolidando a cada ano e se expandiu, tomando proporções gigantescas.

Na pesquisa “Os Batalhões pesados”, escrita por Abmalena Santos Sanches, mestre em Antropologia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), professora substituta da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e professora do Uniceuma, desde a primeira metade do século XIX até a metade do século XX, os grupos de bumba meu boi não eram vistos com “bons olhos” pela elite de São Luís, por isso foram proibidos de entrar no centro da cidade, restringindo-se seus espaços aos bairros do João Paulo até o Areal (onde hoje é o bairro do Monte Castelo), Anil e zona rural da ilha. Nesse período, a imprensa maranhense, assim como a nacional, condenavam a “brincadeira”, considerando-a folguedo estúpido e imoral, uma brincadeira própria de negros que atentavam à boa ordem, à civilização e à moral […] logo no Maranhão, o bumba meu boi foi reprimido pelos órgãos estatais, chegando ao ponto de total proibição de apresentação do boi no período de 1861 a 1867.

Preconceito com o boi

O preconceito, o desprezo e as proibições em relação às manifestações advindas dos setores mais pobres da sociedade maranhense se perpetuaram por vários anos. Até por volta dos anos de 1950, o bumba-boi era alvo de discriminação ativa. Podia-se ouvir até mesmo nas rádios pessoas que condenavam e “falavam mal desta brincadeira, que não tinha êxito porque era feita por pessoas pobres, pretas, feias e analfabetas; que os tambores de crioula eram para serem dançados por misses”.

Abmalena Santos Sanches cita, na sua pesquisa, que já na década de 1930, mais precisamente no ano de 1939, um grupo de bumba-boi dançou pela primeira vez dentro da cidade e, em 1940, dançou no bairro do Areal (hoje Monte Castelo). A partir daí, o bumba-boi passou a se apresentar na cidade. O Sr. Zé Paú guarda em sua memória um episódio importante, do início dos anos 1960. Conta ele que o então presidente da República, João Goulart (1961 a 1964), veio visitar a cidade de São Luís e o grupo de Boi da Maioba foi convidado a se apresentar no Palácio dos Leões, sede do governo do estado.

Segundo Abmalena Santos Sanches, tais dados podem refletir que, mesmo durante o período de proibição e nos anos de repressão militar, os grupos de bumba-boi tinham certo acesso e eram aceitos por parte da elite política e social da cidade, uma parte bem pequena, diga-se de passagem, mas fundamental na medida em que corrobora para alterar concepções e olhares sobre o bumba-boi. Assim, este vai adquirindo, com o decorrer dos anos, outros sentidos e atribuições, passa a desfrutar de espaços na mídia com as primeiras gravações de discos de bumba-boi, e a frequentar outros ambientes, sendo, inclusive, solicitado a viajar para outros estados, representando o Maranhão; passa a receber os primeiros incentivos através dos órgãos oficiais de Cultura, o que levaria ao início da institucionalização das brincadeiras, que precisam se cadastrar junto à Maratur (Empresa Maranhense de Turismo), criada no final dos anos 1960 pelo então governador José Sarney – política continuada no governo da sua filha Roseana Sarney – e que na época coordenava as atividades relacionadas às manifestações culturais do estado.

Uma outra versão para a festa

Outra versão da origem da festa é que um dos principais responsáveis pelo encontro de bois foi o saudoso José Pacífico de Moraes, mais conhecido como Bicas, nascido em 1901 e falecido em 1972. Tudo teria começado quando ele, após assistir no bairro Anil diversas apresentações de bumba meu boi, principalmente dos grupos do Sítio do Apicum e de São José dos Índios, ficou bastante empolgado e resolveu contratar as duas brincadeiras para fazerem apresentações no bairro do João Paulo, onde residia.

Em 1929, os grupos, ao se deslocarem para o João Paulo, foram se multiplicando, iniciando a tradição do encontro de São Marçal e, por conseguinte, da própria aceitação da brincadeira de bumba meu boi nos bairros urbanos. Daí em diante, o bairro do João Paulo passou a ser a sede das mais diversas brincadeiras folclóricas, principalmente, na época das festas juninas, tornando-se, naquela oportunidade, o único arraial longe dos terreiros do interior da Ilha e muito próximo do centro de São Luís.”

 Patrimônio Imaterial da Humanidade

Vale lembrar que a celebração folclórica do bumba meu boi maranhense, que mistura arte popular, religião e história, para honrar o boi, foi reconhecida pela Unesco em dezembro de 1999 como parte do Patrimônio Imaterial da Humanidade. O anúncio foi feito em Bogotá, primeira capital latino-americana a sediar o comitê especial da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

Durante as festas juninas, um verdadeiro carnaval de rua toma conta das ruas do Maranhão, com mais de 400 grupos que montam coloridos desfiles, coreografias e peças teatrais para celebrar a ressurreição do boi, personagem central da festa. É uma tradição que funde elementos do catolicismo, das religiões afro-brasileiras, da vida pastoril e das culturas indígenas presentes no estado. Conta a lenda que a escrava Catirina, grávida do marido, Francisco, sentiu desejo de comer língua de touro. Para satisfazer a esposa, “Chico” roubou e sacrificou o melhor animal da fazenda, provocando a ira do patrão. Mas com ajuda de curandeiros, o animal ressuscitou e o escravo escapou do castigo, dando início a uma grande festa que se repete todos os anos.

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