SÃO LUÍS

Capital maranhense registra 1.200 casos de violência contra idosos em 5 meses

O número pode ser ainda mais alto, mas subnotificado em decorrência das medidas de isolamento por cauda da pandemia do novo coronavírus

A Rede também quer atualizar a legislação municipal que trata da pessoa idosa, adequando-a ao Estatuto da Pessoa Idosa – Lei 10.741/2003, aprimorado pela Lei Federal 3.646/2019. (Foto: Reprodução)

Os tipos de violência contra a pessoa idosa ocorrem de diversas formas: beliscões, apropriação de aposentadoria, uso indevido de cartões, abandono, negligência, agressões físicas ou verbais… De janeiro deste ano até agora, foram pelo menos 1.200 denúncias recebidas pela1ª Promotoria de Justiça de Defesa do Idoso (Ministério Público do Estado do Maranhão). Neste período de isolamento e distanciamento por causa da pandemia de coronavírus, as denúncias caíram, mas autoridades de órgãos especializados na defesa e proteção do idoso acreditam estar havendo uma subnotificação de casos.

O promotor de justiça José Augusto Cutrim Gomes, da 1ª Promotoria de Justiça de Defesa do Idoso, afirma que houve uma queda no número de ocorrências, tanto na Promotoria, quanto na Delegacia do Idoso, o que não significa que não está havendo violência. “Acredito até que tenha aumentado, em função da dificuldade em combatê-la nesse período, e da falta de acesso que idosos ou outros familiares, ou vizinhos possam estar encontrando para fazer a denúncia, porque tudo está funcionando de forma remota. Então, há essa dificuldade dessas denúncias chegarem até a gente, o que também dificulta a nossa fiscalização que é um dos carros-chefes do nosso trabalho, a fiscalização in loco.

Para a delegada Igliana Freitas Azulay, titular da delegacia da Pessoa Idosa, isso se atribui ao fato de os idosos serem o grupo mais vulnerável à Covid-19 e por isso ficarem mais em casa. “As pessoas não estão saindo de casa, principalmente os idosos, que estão mais receosos, bem como as pessoas que poderiam sair para denunciar. Eles estão mais comedidos, com medo de sair às ruas, e podem não ter conhecimento do acesso remoto. Reduziu bastante mesmo o número de registro ocorrência. Antes da pandemia tínhamos a delegacia com um grande volume de registros, e nesse período houve dias que não tivemos nenhuma ocorrência”, disse a delegada, completando que nos últimos dias, com a volta gradual dos serviços, as denúncias já voltaram a ocorrer.

Violência cometida por filhos e netos

A Promotoria de Defesa do Idoso na capital recebe em média 4 registros por dia, das mais diversas modalidades, sendo 67% delas de violência doméstica cometida por filhos, netos, e que são denunciadas por outros parentes ou por profissionais da saúde médicos após constatação de traços de violência na pessoa idosa. “Esse percentual acredito ser até bem maior.

Nós recebemos alguns casos que foram impossíveis nós constatarmos, feitos geralmente por vizinhos mas com informações incompletas, e que denunciaram a situação de não ver mais o idoso, ou saber que os familiares estão se aproveitando financeiramente, que é a maior das violências. A violência financeira, é a mais presente agora, especialmente nesse período, porque as pessoas que cuidam, ou familiares, estão tomando de conta do dinheiro do idoso, se apropriando de salários e de cartões e não revertendo esses valores em favor deste”, afirma o promotor justiça José Augusto Cutrim Gomes.

“Infelizmente a gente teve que fazer isso”

Foi o caso de P. Santos, comerciária, que quase teve que denunciar o próprio irmão. Segundo P., o irmão recebia o salário da mãe deles e não entregava para a idosa. E isso aconteceu durante 2 meses, até que alguém da família tivesse a coragem de denunciá-lo à justiça. “Infelizmente a gente teve que fazer isso. É ruim, mas temos os gastos dela com remédio. Como é que a gente ia conseguir pagar? Foi uma luta para ele entregar o cartão para a gente, eu tive que ameaçar de mandar prender ele”, contou.

Outro fator determinante para a subnotificação de casos pode ser, segundo o promotor, por grande parte da população idosa ser de classe social mais baixa.  “A violência contra o idoso não escolhe classe social, mas  temos uma população idosa muito pobre, analfabeta, que não tem acesso fácil aos canais de denúncia, ou que também não denunciam por medo, ou por dificuldade tecnológica. Alguns ainda tem a questão do amor, da não aceitação de denunciar um familiar, então tudo isso pesa para que essas denúncias não sejam feitas”, disse o promotor

Denúncias de negligência aumentaram

De acordo com a Secretaria de Direitos Humanos e Participação Popular, as denúncias de violações de direitos contra idosos têm como porta de entrada o Centro Integrado Apoio e Proteção à Violência Contra a Pessoa Idosa (CIAPVI), Promotoria da  Pessoa Idosa e Delegacia Especializada. “Nesse período não há aumento de denúncias na Delegacia do Idoso, fator que pode estar ligado ao isolamento social, e, portanto, com demandas represadas. Na Promotoria os casos aumentaram, cujas ocorrências estão ligadas à saúde deste público. Na Sedihpop, as denúncias realizadas via Ouvidoria são encaminhadas à Rede de Direitos da Pessoa Idosa”, informou o órgão.

Nesse período de pandemia foi disponibilizada uma central de atendimento à comunidade na Sedihpop – casos de idosos e demandas de outras naturezas. Na Delegacia Especializada, a orientação é para que a ocorrência seja feita de forma online, quando possível e permitido. O atendimento presencial segue realizado.

De acordo com a Secretaria, houve um aumento de denúncias por negligência de atendimento a idosos nos hospitais, principalmente aqueles acometidos por Covid-19. Houve ainda registros de casos de quedas de idosos de leitos ou macas em hospitais, que se pode considerar como mudança no tipo de violência.

250 casos na DPE

No âmbito da Defensoria Pública, foram registrados mais de 250 casos de violência contra o idoso nos primeiros três meses do ano. Somente no período da pandemia foram 36 atendimentos relacionados à violência, para orientação, ou envolvendo casos de cárcere privado, violência física, violência psicológica, abuso financeiro, negligência, abandono, autonegligência e solicitação de leito, medicamentos e exames.

 As situações de violência são atendidas por meio do Centro Integrado de Apoio e Prevenção à Violência Contra a Pessoa Idosa (Ciapvi). Entre os tipos de violência mais denunciadas nos três primeiros meses do ano estão: o abuso financeiro (19%), a negligência (17%) e a violência psicológica (16%). Entre os bairros de maior incidência estão: Centro, Cohatrac e Anjo da Guarda.

Rede de proteção faz campanha de enfrentamento

Em todo o estado, desde o dia 1º de junho, ainda que virtualmente, pelas redes sociais, está acontecendo a campanha alusiva ao Dia Mundial de Conscientização da Violência contra a Pessoa Idosa, que é no dia 15 de junho, um marco mundial de conscientização da violência contra a pessoa idosa, data instituída em 2006 pela Organização das Nações Unidas (ONU) e pela Rede Internacional de Prevenção à Violência da Pessoa Idosa.

O objetivo da data é sensibilizar a sociedade para combater diversas formas de violência cometida contra a pessoa idosa com idade igual ou superior a 60. A meta é fazer com que as pessoas pensem sobre a questão da violência e não a naturalize e nem aceite.                                  

A Defensoria Pública do Estado está realizando a campanha virtual com o tema “Violência contra a Pessoa Idosa, quem se importa?”.  As ações são realizadas pela Internet, por meio das redes sociais.

De acordo com o defensor público-geral do Estado, Alberto Pessoa Bastos, o envelhecimento populacional tem exigido o fortalecimento da rede maranhense de proteção ao idoso e a DPE/MA tem promovido diversas ações para isso, a exemplo desta campanha de conscientização. “O envelhecimento é um fenômeno natural. Todos iremos passar por ele. Por isso, é importante que todos estejamos conscientes da importância de cultivar uma cultura de respeito e garantia de direitos aos mais velhos para romper com o atual ciclo de violência”, destacou.

Durante os 15 dias de campanha foram realizadas lives, em que foram debatidos temas como: “Acolhimento das Pessoas Idosas – Como fazer?”, “Sistema de Justiça na Garantia de Diretos” e “Violência: Quem se Importa?”. A programação está disponível no site da DPE/MA. No dia 15, a live contará com a participação do defensor-geral do Estado do Maranhão, Alberto Bastos, do secretário estadual de Diretos Humanos, Francisco Gonçalves, e da geriatra Jacira Serra. Na ocasião, será discutida a “velhofobia” em tempos de pandemia.

Coordenando a Campanha de Enfrentamento à Violência Contra a Pessoa Idosa, a Secretaria de Direitos Humanos e Participação Popular (Sedihpop) também está realizando uma série de atividades que encerram dia 16, realizadas em parceria com outras instituições e que são transmitidas pelo canal da Secretaria no Youtube.

A Rede de Proteção ao Idoso está fazendo uma série de lives com temas e profissionais que atuam na área. A Rede de Proteção é formada por órgãos públicos e privados, congregando as informações e os debates para ampliar as discussões e soluções na defesa da pessoa idosa.

O Ministério Público do Maranhão, que todos os anos realiza uma campanha, este ano soma à Rede, na campanha virtual, para conscientizar a sociedade sobre esse problema. “Ainda não atingimos o que desejamos, mas de qualquer forma não ficamos parados. Essas campanhas têm sido altamente positivas porque temos dado publicidade aos órgãos de controle. Estamos levando ao conhecimento da sociedade a existência de uma rede de proteção do idoso, onde eles podem fazer a reclamação e se não quiserem se identificar, a denúncia pode ser anônima. A pessoa não deve se calar, deve denunciar, deve acreditar no trabalho público de combate à violência. O idoso também deve se impor, deve ser dono da própria vida, ser protagonista para que ele possa buscar seus direitos. Quando somos procurados orientamos que ele não é incapaz, e que é possível transformar a sua vida, que ele não deve delegá-la a ninguém”, disse o promotor José Augusto Cutrim.

Para Glécio Sandro Silva Leite, presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa Idosa (CEDIMA), o dia de enfrentamento é para juntar essa rede de proteção ao idoso para conscientizar sobre a existência da violência contra o idoso e também para que ela não seja naturalizada.

“Todo esse suporte está à disposição do idoso para que a gente não veja a violência contra a pessoa idosa como normal. Há todo um sistema de garantia de direitos formado pela Defensoria, pela Promotoria, Delegacia, além dos diversos conselhos e instituições que formam uma rede de proteção, disse o conselheiro.

Saiba Mais

Após uma denúncia, o Centro Integrado Apoio e Proteção à Violência Contra a Pessoa Idosa faz as mediações familiares para evitar maiores conflitos familiares, já que os idosos, em sua grande maioria, sofrem violência intrafamiliar. Não havendo conciliação, o CIAPVI encaminha o caso à Delegacia e/ou Promotoria.

Já na Delegacia do Idoso, são recebidos todos os tipos de denúncias. As demais delegacias também podem receber denúncias de casos de violação contra direitos dos idosos, que por sua vez, são encaminhadas àquela especializada. A Delegacia da Mulher também dá suporte, uma vez que idosas sofrem violação por gênero, e, nesses casos, pode-se aplicar a Lei Maria da Penha.

As denúncias contra o a pessoa idosa podem ser feitas presencialmente na Delegacia do Idoso, que funciona na Rua do Egito (Centro), na Promotoria de Justiça da Defesa do Idoso (Ministério Público, Avenida Carlos Cunha), na Defensoria Pública (Praia Grande, ou pelo fone 129), pelo Disque 100, ou número 190, ou ainda pelo  boletim online.  

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