Opinião

Leia ‘Buraco’, artigo do juiz Aureliano Neto

Puseram na boca de Charles de Gaulle, conhecidíssimo estadista francês, que ele disse, com a referência à França: – Não se pode governar um país que tem 246 variedades de queijos.

Advirto: é só um buraco. Não estou a referir-me a buracos. Temos centenas deles, é verdade, espalhados por este Maranhão e pelo Brasil afora. Isso sem falar nos buracos deixados pelos prefeitos que não conseguiram a reeleição. Sobre esses buracos, a reclamação não é apenas geral, mas repetitiva como refrão de marchinha carnavalesca. Não há prefeito eleito que não ponha a boca no mundo, para denunciar os buracos nas finanças. E vitupera aos quatro cantos que vai fazer uma auditoria, para mostrar ao desinformado, ou, quem sabe, bem informado eleitor que o buraco deixado pelo antecessor é de proporção falencial. Afirmam, servindo de manchete às nossas folhas impressas: O Município Está Falido, mas Vamos Moralizar. O início de todo mandato é o começo da tão falada moralização. No final, com raríssimas exceções, é a mesma catilinária; do outro, que o substitui.

Vejam bem. Puseram na boca de Charles de Gaulle, conhecidíssimo estadista francês, que ele disse, com a referência à França: – Não se pode governar um país que tem 246 variedades de queijos. Mas, ainda assim, com essas mais de duzentas variedades de queijos, foi, por duas vezes, presidente da República. A ele, De Gualle, é atribuída uma frase, embora não comprovada ser de sua autoria na qual afirma que “o Brasil não é um país sério”. Imaginem se esse célebre estadista francês, que liderou a resistência na luta sangrenta pela desocupação da França, na Segunda Guerra Mundial, tivesse tido a desdita de governar o Brasil. Possivelmente afirmaria que não se pode governar um país que tem mais de duzentas variedades de buracos. Especificamente não me refiro à nossa colonial São Luís. De origem francesa ou não. Os historiadores travam uma hercúlea batalha a esse respeito. Apenas leio o que dizem. Mas, deixa pra lá. Voltemos a Charles de Gualle. Com tantos buracos a infestarem nossos caminhos, fica difícil para governar este país, ou mesmo qualquer cidade.

Em São Luís, por exemplo, apenas para ilustrar historicamente os nossos precários conhecimentos, há buracos que ficaram famosos, sem ser, na essência, em sentido real, buraco mesmo, ou seja, abertura, pequena ou grande, orifício, cavidade, cova, toca, como registram os dicionários. Falo do Buraco do Tatu. Setor da boêmia famoso, que ficava localizado no Bairro do João Paulo, quase em frente à delegacia de polícia, nas proximidades da parada dos bondes. Buraco do Tatu tinha fama. Não sei se ainda existe, ou se mantém a mesma fama de antigamente. Não pesquisei para saber os motivos que levaram a receber essa denominação, no mínimo inusitada. Mas lá foi onde muitos ilusões se perderam ou se realizaram. Onde se viveram as ficções de amores passageiros, ou de amores eternos. Era uma espécie de 28 de Julho mais proletária, porquanto situada num bairro mais afastado do centro da cidade. Saltava-se do bonde e dava-se de cara, sem maiores delongas, com o Buraco do Tatu, repleto de bares e de lugares de encontros furtivos ou às claras. O mundo era mais romântico e menos exigente. Cada um se virava como era possível. E ainda se vira em outros buracos mais sofisticados, dependendo da prestação do serviço, hoje regulada pelo Código de Defesa do Consumidor.

Poderia citar outros buracos. Buraco negro, por exemplo, famoso pela sua força cósmica de devorar a luz e a matéria. Ou, ainda, voltando para os infortúnios de nossa bendita terra, os casebres onde conseguem morar nos nossos desamparados concidadãos. As más línguas dizem com sarcasmo que o fulano mora num buraco. Ou o próprio afirma peremptoriamente: Eu moro num buraco! Ou, ainda, o buraco que nos acomete quando a memória falha. O famoso lapso de memória nada mais é do que o buraco negro do cruel esquecimento momentâneo. Quem não padece desse maldito buraco?! Se duvidar, até dele foi vítima o famoso físico Albert Einstein, em que pese ter sido autor da teoria da relatividade. Buraco tem como característica não discriminar quem quer que seja.

Mas volto ao buraco. Deixo de lado as metáforas dos buracos. Quero me referir ao buraco buraco. E insisto nisso como uma obsessão patológica. Trata-se de um fantasma real que me vem perseguindo. Pensei, e estava consciente disso, que não o encontraria no ano de 2017. Qual nada. Enganei-me. Lá estava ele, soberano, inarredável, desafiante. Disse para mim mesmo: vou te denunciar. Parodiando Olavo Bilac, recorri a seu famoso verso: “Criança, não verás país como este!” E eu: “Crianças, não verás buraco como este!” Está ele bem ali, inerte, cada vez se alargando e tomando outros ares, de cratera, de vala, mas soberano, como a dizer: daqui não saio, daqui ninguém me tira. Bem ali, na rua dos Ipês, esquina com a Sucupiras. Encontro-o há anos. Dois anos, pode ser. Começou bem pequenino. Uma coisinha doce, inocente, sem grandes atrativos e sem esboçar a mais reles maldade. Foi-se avantajando, crescendo, cada vez mais crescendo, e apropriando-se da esquina. Logo procurará os serviços de um zeloso advogado para requerer a usucapião de um bem público: aquela esquina que ele, o buraco, inerte, inarredável, na ânsia apropriatória, tomou de conta. Bendito és tu, buraco da rua dos Ipês, que tem o poder soberano de engolir a todos nós. Mas, ainda assim, denuncio-te, com a veemência da minha ira cidadã.

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