Período junino

Quem são os santos dos festejos juninos?

Festejos juninos no Maranhão são marcados pela devoção a Santo Antônio, São João, São Pedro e São Marçal que tem a sua origem ainda desconhecida

Reprodução

O que Santo Antônio, São João, São Pedro e São Marçal têm a ver em relação às festas juninas do Maranhão e por que não dizer do resto país? Para responder a esta pergunta que muitos se fazem, O Imparcial entrevistou Ester Sá Marques, professora doutora do Curso de Comunicação da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e pesquisadora da cultura popular do estado.

Segundo a estudiosa, a mesma caracterização histórica que originou o folguedo no Brasil, no Maranhão, porém, o bumba meu boi diferenciou-se das demais formas nacionais, adotando um conteúdo ritualístico próprio, diversificando seus estilos e sotaques, criando novas formas de apresentação, de músicas, de adereços e pautando sua sobrevivência pelo gosto popular, sem, no entanto, desrespeitar a lenda que dá origem ao auto.

Ester Sá Marques explicou que Santo Antônio, São João e São Pedro são os santos que fazem parte do ciclo simbólico sagrado dos festejos juninos. E que São Marçal é o único de origem desconhecida que também é festejado no Maranhão. A pesquisadora explicou que a presença destes santos nesta celebração nada tem a ver com religião. Tem a ver com religiosidade. E que é uma coisa completamente de religião. Ou seja, tem a ver com a devoção aos santos. “Temos que entender esta devoção aos santos do ponto de vista cultural e não do ponto de vista religioso. A opção religiosa de cada um de nós é de caráter privado. Mas a tradição cultural é coletiva. Sem isso, a cultura morre. Ela perde o sentido. Enquanto identidade cultural, não podemos perder de vista esse domínio do sagrado no cotidiano da gente. É justamente durante este festejo que esse domínio do sagrado se manifesta com mais vigor. É importante parar e pensar a questão com tradição cultural e não religiosa”, explicou Ester Sá Marques.

A pesquisadora ressaltou ainda, durante a entrevista a O Imparcial, que, fora São Marçal, estes três santos sãocul tuados neste mesmo período somente na Ilha Terceira, que é uma das nove ilhas nos Açores, em Portugal. Em outras localidades, eles são cultuados separadamente. “Os santos que recebemos como herança da tradição portuguesa são Santo Antônio, São João e São Pedro. Santo Antônio é festejado em Lisboa e São João, na cidade do Porto. Já São Pedro é celebrado em Braga, que fica na região norte de Portugal. O único lugar que eles são festejados como aqui em São Luís é na Ilha Terceira, nos Açores”, disse Ester Sá Marques.

Sobre São Marçal, Ester Sá Marques afirmou que até hoje a origem do santo e da devoção a ele é uma incógnita e recebeu várias versões que, até o momento, sem confirmações históricas. Ester Sá Marques, que mora há quase 50 anos no bairro do João Paulo, palco de encerramento das festas juninas no estado, explicou que a versão mais conhecida da origem da devoção ao santo está relacionada a uma promessa feita ao santo por uma mulher devido à doença do marido, mas que não há nenhum dado histórico que confirme isso. “Eu e o pesquisador Carlos de Lima, ao realizarmos a pesquisa sobre estes santos que têm relação com o bumba meu boi, a única referência com relação a São Marçal que conseguimos identificar foi uma imagem pintada em azulejo em na Igreja de Santana em São Luís, e que coincidentemente é a mesma imagem que está no Museu dos Azulejos em Lisboa. Nós não conseguimos chegar a nenhuma conclusão sobre a origem de São Marçal”, acrescentou a pesquisadora.

Ester Sá Marques explicou que, ao contrário de outros locais em que é apresentado entre o Natal e a festa de Reis, portanto de dezembro a janeiro, no Maranhão, o bumba meu boi faz parte do ciclo das festas juninas, dedicadas a Santo Antônio, São João, São Pedro e São Marçal; um tempo que coincide com o verão e com o período da colheita. Isto porque, antes de serem consagradas aos santos populares, estas festas eram pagãs na Roma antiga, ligadas às colheitas, e onde eram cultuados vários deuses, dentre eles, o Imperador Constantino. Tanto Aqui no Maranhão, quanto em Portugal, nos Açores, estamos passando pelo período do solstício de verão, que acontece no dia 24 de junho, Dia de São João. “Vale ressaltar que a lenda do bumba meu boi está ligada diretamente a São João e não a São Marçal, como muitos pensam. São João Batista foi que batizou Jesus. E é a ele que os devotos do bumba meu boi fazem devoção ao batizar as suas brincadeiras no seu dia. A fogueira na festa é também uma referência à fogueira feita por Santa Isabel, quando São João nasceu, para avisar à Virgem Maria, que morava distante, que o menino havia nascido. Tem todo esse aspecto religioso que tem que ser respeitado”, explicou ela.

Bumba meu boi brincante

Ester Sá Marques acrescentou que as festas de santos que são realizadas como pagamento de promessas feitas para pedir uma boa colheita, para curar uma doença, para conseguir dinheiro, para o fi lho passar de ano na escola, para a fi lha arranjar um marido, que são comuns aqui no Maranhão durante o mês de junho. Segundo ela, um tempo sagrado, transpassado para o bumba meu boi, que funciona como o tempo de preparação. Esse tempo sagrado também inicia o ciclo ritualístico com os ensaios que vão do sábado de aleluia até o sábado próximo, ou que coincide com o Dia de Santo Antônio; prossegue com o batismo a 23 de junho, véspera do Dia de São João – início do período junino da temporada de apresentações, cujo ápice são as vésperas do Dia de São Pedro e de São Marçal, respectivamente, 29 e 30 de junho, e depois continuam até setembro ou outubro, quando acontece a matança do folguedo.

Bumba meu boi como a dança-mãe

A identificação do bumba meu boi como a dança-mãe é um fenômeno recente, depois que os rebanhos puderam sair dos seus terreiros para brincar e se apresentar em toda a Ilha, nos anos 1970. Alguns fatores contribuem para a sua popularização: a ida do Boi de Pindaré ao Rio de Janeiro, levado pelo governo para apresentações públicas e gravação do seu primeiro disco; a gravação da música Boi da Lua, de César Teixeira, no disco Bandeira de Aço; a criação do programa Raízes pelo radialista José Raimundo Rodrigues; as apresentações fora de época para turistas, dos grupos de Apolônio Melônio e Madre Deus; a expansão dos grupos de orquestra; a organização em associações culturais e em federações folclóricas, que defi nem um novo papel para o folguedo. “É importante observar que as regras básicas do bumba meu boi continuam sendo obedecidas, mas cada novo grupo marca sua presença por inclusões ou exclusões estéticas, por inovações de guarda-roupa, por intensificação ou moderação dos sons, por criação de outros personagens ou inclusão de novos instrumentos ou ainda por modificações de linguagem. É a marca que define um grupo de outro grupo, dentro de um contexto maior que os identifica pelo gênero”, concluiu a pesquisadora.

DUAS PERGUNTAS / ESTER SÁ MARQUES

Como você vê essas transformações que os grupos de bumba meu boi estão passando em decorrência de outras influências?

cultura é dinâmica. E por ela ser dinâmica não podemos parar e dizer: “Este é o modelo de bumba meu boi”. O que temos que entender é temos que escolher que tipo de referências a gente quer para manter a nossa identidade cultural do bumba meu boi, para que daqui alguns anos a gente possa olhar a manifestação e reconheça nela os elementos que fazem parte de seu DNA cultura. E isso ocorre só de forma coletiva e não individual como muitos pensam ou querem.

Mas isso não é preocupante para o futuro do bumba meu boi?

Sim. A minha preocupação é justamente com esta cultura coletiva, ainda mais a que se refere ao bumba meu boi, que tem uma memória folclórica muito forte. Todos nós somos donos dessa cultura. E quem produz é um zelador da cultura. Ele não pode mudar de uma hora para outras certos elementos. As mudanças dentro de uma cultura, seja ela o bumba meu boi ou outra, precisam ser assimiladas, internalizadas para que a gente possa se habituar com ela. Não se pode ficar mudando uma cultura de uma hora para outra, porque ela se perde em suas próprias mudanças. Tenho duas pesquisas inéditas sobre o bumba meu boi que ainda não foram publicadas, e uma delas é sobre a questão atual que envolve o bumba meu boi.

 

 

 

 

 

 

 

 

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